Um disco indispensável: Falso Brilhante - Elis Regina (Philips/Phonogram, 1976)

Aos 31 anos e 20 dedicados a cantar, a já aclamada e uma das mais ativas vozes na MPB ao longo dos anos 60 e ainda na primeira metade da década de 70, a gaúcha Elis Regina se mostrou insuperável na arte de dar voz a grandes canções e algumas pérolas que estavam ficando meio perdidas pelo público mpbístico e depois de ter sido uma "estrela do rádio" ainda jovem, de ter caído no embalo do samba e d'O Fino da Bossa ao lado de Jair Rodrigues, de levantar seus braços e girá-los cantando Arrastão na primeira edição do Festival da Música Popular Brasileira e também de fazer a multidão do Olympia em Paris, nas terras francesas, irem ao delírio com sua voz e de ter dividido um álbum com o jazzista belga Toots Thielemans além de ter sido apresentadora de um programa da TV Globo na qual mostrava as novas caras da MPB em Som Livre Exportação junto de Ivan Lins que foi sucesso de audiência definitivo. Anos depois, realizaria a vontade de querer gravar um disco com Tom Jobim que quase não aconteceu mas veio a ser um sucesso e já em diante, a Pimentinha como também era chamada, acabou mostrando de vez seu amadurecimento em um dos mais emblemáticos e clássicos trabalhos já realizados ao longo dos seus quinze anos de carreira, seu vigésimo-segundo álbum de carreira e décimo-sexto de estúdio, baseado em um espetáculo que começou há um ano antes, que esteve por longos meses em cartaz no Teatro Brigadeiro em São Paulo com os 1000 lugares lotado quase todos os dias e isso surpreendia mais o público que a admirava ainda mais pois ela também trouxe um pouco de teatro para seu show, usando e abusando muito de figurinos, trocando de roupa em boa parte de seu show e também com um corpo de atores participando como se fosse um musical da Broadway, só que concebido em terras tupiniquins e muito diferente de lá. O show era Falso Brilhante e esse espetáculo veio a ganhar um disco totalmente gravado em estúdio com os músicos de sua banda, liderados pelo seu então marido e diretor musical César Camargo Mariano e apresentou uma série de canções que vieram a embalar aqueles últimos três anos da década mais udigrúdi, mais punk e progressiva do século XX, apresentando alguns compositores que vieram a fazer também uma diferença na MPB além de nos apresentarem um pouco do cancioneiro latino, ainda que muito esquecido naqueles tempos pelo nosso povo brasileiro. O título do disco, Falso Brilhante, veio de uma música de João Bosco e Aldir Blanc, os compositores que mais contribuíram para o repertório da gaúcha em seus discos e shows, chamada Dois Pra Lá, Dois Pra Cá "e no dedo um falso brilhante, brincos iguais ao colar..." e a expressão acabou virando show, que acabou virando disco e que acabou se tornando uma das maiores obras-primas de sua carreira, indispensável tanto para quem gosta da obra de Elis quanto para quem gosta de MPB em especial, figurando entre um dos discos favoritos nas listas de muita gente.
Elis Regina em palco fazendo algo que mais gostava: cantar. E sua voz seguiu
soando como sempre no seu disco "Falso Brilhante", lançado em 1976.
O disco abre com a emblemática e marcante Como Nossos Pais, composta por um quase desconhecido (na época) compositor cearense chamado Belchior, uma canção que traz uma indignação dos jovens, uma forma de serem mais ouvidos e que aqui ganha um quê de "clássico" na voz da nossa Pimentinha e que no refrão ela lamenta "Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos... como os nossos pais" provando que esta canção foi feita para Elis dar a voz e popularizar ainda mais; na sequência, um rockão cheio de peso e energia ganha espaço e é aí que Velha Roupa Colorida entra com tudo, também da autoria de Belchior e também converte-se numa peça essencial para seu repertório, outro grande destaque nesse disco; a próxima faixa é em espanhol, chamada Los Hermanos mostrando o quanto estávamos totalmente separados dos nossos vizinhos de continente, a música serve  como se estivesse rompendo uma barreira que nos limitasse dos outros com um tom profundo e insuperável, ótima versão para o tema do argentino Atahualpa Yupanqui (1908-1992), folclorista lendário e um dos representantes na luta contra os governos militares de seu país naqueles tempos; e na sequência temos mais uma letra da franquia Bosco & Blanc, a poética e tocante Um Por Todos, soando como uma breve crítica a nossa ditadura militar daqueles tempos e com uma mistura de ritmos que faz toda a diferença na música, e a base ganhando forte potência nos arranjos do maestro e então esposo César Camargo Mariano, cheia de ironias ao longo da canção; e o ritmo vai diminuindo, ganhando ares mais suaves e melódicos, nos remetendo a mais uma das faixas imortalizantes deste disco: a valsa Fascinação, composta originalmente em 1905 pelo italiano Fermo Dante Marchetti e só anos depois é que ganhou a letra através do francês Maurice de Féraudy e que na década de 1940 teve sua versão em português gravada por Carlos Galhardo e passados mais de 30 anos que Elis tirou esta pérola do ostracismo, ganhando um tom marcante e destacável nesta versão; e seguindo adiante, o tema Jardins de Infância, da mesma leva de canções da dupla João Bosco e Aldir Blanc, aonde aqui se trata muito das brincadeiras infantis e também um pouco do excesso de violência, fazendo com que a brincadeira fosse mais para os adultos num adequado momento da música, o que torna ela muito forte ainda; o bailado ainda segue com a letra Quero, feita por outro desconhecido compositor naqueles tempos, o hoje aclamado produtor e jurado Thomas Roth e que fala um pouco de querer uma vida mais tranquila - algo que nos remete um pouco à Casa no Campo, de Zé Rodrix e Tavito (que Elis já gravou em 1972), até pela temática se pode notar muito isto; já a próxima faixa traz mais uma vez o lado hispânico de Elis é a simples e perfeita Gracias a la Vida, da compositora chilena Violeta Parra, na qual fala sobre agradecer a vida pelas coisas, porém o papo é outro e Elis desta vez decide contra-atacar a ditadura militar chilena de Augusto Pinochet, que durou até 1990 e para muitos de lá mantêm-se uma página rasgada da história do país; já em outra da dupla que presencia neste disco e em outros (Bosco & Blanc), O Cavaleiro e os Moinhos traz um pouco de referências originais, desta vez uma breve citação do clássico literário Dom Quixote, do espanhol Miguel de Cervantes (1547-1616), e suas aventuras, também soa como as lutas do povo moderno que já pareciam não ter as mesmas virtudes e extremos como nas dos heróis dos séculos anteriores, tornando assim a canção mais visível para o público; a faixa que encerra este disco é Tatuagem, de Chico Buarque e Ruy Guerra, composta para a peça Calabar, O Elogio da Traição três anos antes, ganha um arranjo mais sutil e também um toque a mais de clássico para esse disco, encerrando com chave de ouro.
O disco, que originalmente surgiu através de um espetáculo que estreou no Teatro Paramount sob a direção de Miriam Muniz e que misturava música e interpretação teatral, trouxe também uma Elis Regina que desta vez colocou no palco um pouco mais de críticas duras em canções de forte apelo político, cheio de novidades tanto nas letras quanto nas sonoridades e que acabou agradando a todos, desde os mais fiéis e antigos fãs até a nova geração. O álbum traz de uma capa que lembra os antigos cartazes de circo, ilustrado por Nilo de Paula e o logo por Naum Alves de Souza e que também lembram um pouco a arte do século XIX pelas gravuras que cercam a arte da capa, e logo de cara na parte interna, temos fotos dos bastidores do show e de alguns momentos figurando no encarte de Falso Brilhante, uma obra-prima da MPB que já nasceu com cara de clássico, já dizendo a verdade aqui. O disco figura na lista mais importante da nossa música, nos 100 Maiores Discos da Música Brasleira, da revista Rolling Stone e que ocupa a posição de número 36, provando que é digno de estar na lista.
Set do disco:
1 - Como Nossos Pais (Belchior)
2 - Velha Roupa Colorida (Belchior)
3 - Los Hermanos (Atahualpa Yupanqui)
4 - Um Por Todos (João Bosco/Aldir Blanc)
5 - Fascinação (Fascination) (Fermo Dante Marchetti/Maurice de Féraudy/versão para o português de Armando Louzada)
6 - Jardins de Infância (João Bosco/Aldir Blanc) 
7 - Quero (Thomas Roth)
8 - Gracias a la Vida (Violeta Parra)
9 - O Cavaleiro e os Moinhos (João Bosco/Aldir Blanc)
10 - Tatuagem (Chico Buarque/Ruy Guerra)

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