Um disco indispensável: Quarup - Lupe de Lupe (Independente, 2014)

A década de 2010 apresentou bandas brasileiras que hoje seguem a espalhar sua música afora graças ao público que os descobrem por meio de serviços de streaming, que acabam sendo compartilhados e divulgados por pessoas com bom gosto e que valorizam os músicos desta nova cena. O rock de Minas Gerais sempre foi ofegante mesmo e agradável, basta pegar o Clube da Esquina de Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes, Toninho Horta dentre outros, e com a exportação do som mineiro nos anos 90 feito pelas bandas Skank, Jota Quest, Pato Fu e até mesmo Tianastácia deram uma sensação de que Minas Gerais tinha ainda seus verdadeiros representantes da cena musical. Mas em 2009, aconteceu o surgimento de uma banda que veio a ganhar um papel diferente no cenário musical mineiro e esta banda era Lupe de Lupe, formado por Vitor Brauer, Renan Benini e Cícero Nogueira. Dois anos depois, estreavam com o EP intitulado Recreio e nesse período entra Davi Lanna para fazer a bateria, já que Cícero e Brauer eram guitarristas e Renan sendo o baixista principal da banda, a banda ganhou notoreidade ao chegarem às finais do concurso HIT BB, promovido pelo Banco do Brasil, o concurso levaria a banda vencedora para tocar no festival Planeta Terra. No ano seguinte, sai Davi Lanna e entra Gustavo Scholz na guitarra principal, e isso faz com que a banda iniciasse o projeto Sal Grosso tendo Cícero agora na bateria e o Sal Grosso se converte no primeiro álbum da banda, lançado pelo selo Coletivo Popfuzz. Em meio aos projetos que cada um da banda seguia, paralelo ao Lupe de Lupe, o vocalista e letrista Vitor Brauer - que pode ser um dos nossos verdadeiros gênios da nova música popular brasileira, suas letras podem deixar qualquer monstro vivo da MPB sem reação ao ouvir as suas canções -, lançava o seu primeiro trabalho solo intitulado Nosferatu, uma mixtape aonde ele mistura seu som noise com uma pegada mais de rap, um spoken word, uma coisa bem underground lançado em fins de 2012. No ano seguinte, a banda botava na praça (seja ela física ou virtual) mais outro trabalho, e este era o segundo EP intitulado Distância, com músicas totalmente agradáveis, como Os Dias Morrem, Tainá Müller (a música que leva o nome de uma atriz global, imagina só essa - mas nada a ver) e À Distância da Palma da Mão, destacam-se entre todas as seis faixas do EP. Mas a banda acabou se obcecando na ideia de um álbum duplo, algo que até então era muito e segue sendo para artistas de qualquer nível de música, sendo conhecido e muito popular ou bandas/artistas ainda iniciantes na estrada: mas este álbum duplo acabaria sendo o resultado de um processo muito desgastante, pois, de acordo com a release oficial do álbum assinada pela própria Lupe de Lupe, a banda decidiu gastar toda a criatividade e todo o tempo de trabalho durante o ano de 2014, sem depender de uma boa qualidade de som, uma mixagem simples, a proposta era a mesma de sempre: muita gritariabarulho poesia espalhada nas canções. O disco Quarup lançado no dia 12 de novembro de 2014, traz vinte e uma faixas e em 110 minutos (uma hora e cinquenta minutos de duração) carregados de puro noise, poesia e uma tremenda viagem sonora ao ouvir o álbum.
Da esquerda para a direita:  Gustavo Scholz, Renan Benini, Cícero
Nogueira e Vitor Brauer: os mineiros mais barulhentos da música brasileira, a
banda Lupe de Lupe já aclamada nacionalmente por público e crítica (Divulgação) 
O álbum começa com uma canção maravilhosa, O Futuro É Feminino, aonde eles citam Dilma Rousseff "minha presidente é uma mulher" num tom de hino com levadas rítimicas que nos lembram até um pouco axé, só que mais diferente e sem o astral pra cima típico do ritmo e encerra com outra peça instrumental diferente com o anúncio "nós somos a Lupe de Lupe" e a pergunta a seguir "tudo preparado, gente?"; em seguida nós temos a canção O Arrependimento, composta por Renan Benini, com uma simples linha melódica impressionante e com os versos aonde nos levam mais ao universo poético-musical da banda mesmo só na primeira escuta; já a próxima música é RJ (Moreninha) cantada por Brauer nos mostra algo bem impressionante de verdade na letra, e uma pegada sonora que nos faz viajar de vez; mas o destaque fica mesmo com Gaúcha, composta e interpretada pelo baixista Benini com uma poesia que toca profundamente e os versos mais belos deste álbum e saber que a "saudade dói mais que beber mercúrio" uma das frases mais marcantes de vez da música; a faixa SP (Pais Solteiros) faz uma alusão à cidade de São Paulo, ao conjunto Single Parents e também citando grupos como LudovicHurtmoldPolara e ainda sobra pra Brauer agradecer no final da música a várias pessoas da saudosa Terra da Garoa definida pela banda numa levada bem noise e agradável; na sequência ainda temos Colgate, com Gustavo dizendo que "não quero sair e ouvir nem dois minutos", algo que nos remete a um som melódico e profundo, o que é bem notado durante toda a música; já em Ao Meu Verdadeiro Amor, com uma levada que nos remete até mesmo ao forró, ao som nordestino em si, só que mais barulhento mais com guitarras, aqui nada faz nos decepcionar e ainda nos mostra um som totalmente forte mesmo; se tem uma prova de que Vitor Brauer é mesmo o letrista, vai ouvindo Esse Topper Foi Feito Para Andar, com uma pegada quase acústica que a gente percebe pela base, com uma percussãozinha pra complementar guitarra e baixo na música, dando uma bela canção por inteira; e eis que surge Ágape, com uma introdução bem delirante no início, mas não vai confundindo as coisas, o que você vai ouvindo ao achar que parece ser uma música pop dos anos 80, a letra carrega ares cinematográficos, parece uma história retratada em seus mínimos detalhes; logo temos em seguida Fogo-Fátuo, de Brauer, de atmosfera totalmente apoteótica em certos momentos da canção e que acaba sendo uma canção agradável até, sempre sendo uma canção bem vibrante e barulhenta demais; a próxima música é uma instrumental chamada PKA Prefácio, com uma atmosfera que nos soa profunda sombria e que vai fazendo o complemento principal do repertório antecipando o que vem mais adiante. 
Contracapa do álbum, concebido por Júlia Costa e Tiago Baccarin
A próxima música, cheia de ruídos totalmente altos e que nos ensurdecem formam a música Jurupari, com a participação de Cadu Tenório, com nove minutos de duração e muito barulho, ao longo de quase toda a faixa é o que se pode ouvir, até que ouvimos Vitor Brauer entoa um poema soando como uma voz assombrosa e parece ser até um ser anunciando uma rebelião, o que torna isso mais sensacional; depois dos nove minutos, tudo volta com muito mais barulho, aonde Renan entoa Orquestra Pra Três, com sonoridade agressiva e suja (suja, mas boa por sinal) e totalmente foda de verdade; se já é pouco pra você ainda, ainda sinta a energia que é captada em Minha Cidade em Ruínas, com uma letra totalmente impressionante e que nos traz uma energia super forte ao longo da canção; já na canção Querubim, de sete minutos, o peso segue ao extremo - o que não falta nessa sequência do álbum - e aqui Renan Benini dá voz a uma canção que de atmosfera poética-sonora nos lembra um canto falado que dura muito e nos traz uma visão realista sobre os tempos antigos e comparando com hoje; uma das consideradas melhores canções deste álbum é Eu Já Venci, que carrega uma pegada de baião só pela introdução que carregado pelo ritmo e aonde Vitor Brauer se mostra insuperável na arte de versejar "todo dia uma nação se ergue pra tentar me odiar" e no refrão, segue a esbravejar com o orgulho "eu já venci e eu continuo vencendo vocês todo dia" sem medo de ser desafiado por ninguém; e ao ouvirmos Noma, ainda temos um pouco mais do que Renan consegue fazer de bom neste trabalho, com uma pegada mais viajante e mais retrô, que nos leva bem aos anos 60 até só reconhecendo pela levada, uma vibe total que nos mostra bem esse revival psicodélico que surgiu nos últimos anos; em sequência, surge Reino dos Mortos, uma canção totalmente delirante pelos acordes e com a voz de Gustavo Scholz entoando versos modernos e que acabam sendo um exemplo de canção com uma sequência de versos e ritmos surpreendentes e que dão pro gosto ainda; já em Você É Fraco, os efeitos de introdução e a microfonia de atmosfera profunda e sombria nos parecem levar a fundo mas com a chegada de ritmos, parecemos encontrar na canção, uma espécie de luz no fim do túnel, o que é bom para dizer a verdade; ainda há mais em A César O Que É de César, A Deus O Que É de Deus com trechos de notícias atuais, como tragédias ao redor do mundo e logo aparece Benini cantando versos que nos soam reflexivos e filosóficos até, dando um tom mais sério; o final fica por conta de Carnaval, com quinze minutos e de uma atmosfera poética-sonora que nos soa um pouco dylanesca, pelo estilo longo e duradouro dos versos da canção, encerrando o álbum de uma forma apoteótica e com chave de ouro mesmo.
Set do disco:
1 - O Futuro É Feminino (Vitor Brauer/Renan Benini/Gustavo Scholz/Cícero Nogueira)
2 - O Arrependimento (Renan Benini)
3 - RJ (Moreninha) (Vitor Brauer)
4 - Gaúcha (Renan Benini)
5 - SP (Pais Solteiros) (Vitor Brauer)
6 - Colgate (Gustavo Scholz)
7 - Ao Meu Verdadeiro Amor (Renan Benini)
8 -  Esse Topper Foi Feito Para Andar (Vitor Brauer)
9 -  Ágape (Renan Benini)
10 - Fogo-Fátuo (Vitor Brauer)
11 - PKA Prefácio (Vitor Brauer/Renan Benini/Gustavo Scholz/Cícero Nogueira)
12 - Jurupari (Vitor Brauer) - participação de Cadu Tenório
13 - Orquestra Pra Três (Renan Benini)
14 - Minha Cidade em Ruínas (Vitor Brauer)
15 - Querubim (Renan Benini)
16 - Eu Já Venci (Vitor Brauer)
17 - Noma (Renan Benini)
18 - Reino dos Mortos (Gustavo Scholz)
19 - Você É Fraco (Vitor Brauer)
20 - A César O Que É de César, A Deus O Que É de Deus (Renan Benini)
21 - Carnaval (Vitor Brauer)

Álbum completo

Videoclipe oficial da música "Gaúcha"

Videoclipe oficial da música "Colgate"

Videoclipe oficial da música "Eu Já Venci" protagonizado por Vitor Brauer, vocalista e letrista da banda.


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