Um disco indispensável: Alucinação - Belchior (Philips/CBD Phonogram, 1976)

Vindo de terras cearenses, o genial cantor e poeta Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenele Fernandes - ou simplesmente Belchior -, acabou ganhando muito destaque na mídia bem antes de ser redescoberto em terras uruguaias sabendo que estava passando por problemas financeiros e não querer dar atenção para uma oportunidade de seguir fazendo shows no Brasil, ignorando total a imprensa brasileira e vivendo sua vida de andarilho sem que ninguém o incomodasse. O músico de Sobral, nascido no dia 24 de outubro de 1946 desde criança era repentista e cantador de feira, aprendendo piano com um dos melhores professores da cidade e já mais moço, Belchior estava cursando Medicina no final dos anos 60, foi na música que ele se viu e decidiu trancar a faculdade para depender apenas do que mais gostava de fazer, e em 1970 deixa o Ceará para uma vida nova em terras cariocas e junto dele, um amigo chamado Raimundo Fagner: este outro cearense, de Orós, foi responsável pela canção Mucuripe, que os dois compuseram e acabou sendo gravado por Elis Regina em 1972 no disco Ela, e no ano seguinte foi o próprio Fagner que interpretou em seu disco O Último Pau-de-Arara/Manera Fru Fru Manera, sendo uma das canções que nunca faltou no repertório de Fagner até hoje. 
Com isso, durante o período mais barra-pesada da ditadura militar que teve como destaque o fracasso do milagre econômico, a prisão seguida da morte de Vladmir Herzog e também de Manuel Fiel Filho, além dos primeiros sintomas de decadência do governo militar e do bipartidarismo, o próprio Belchior acabaria partindo para entrar em estúdio e assinando com a Chantecler, depois de dois compactos gravados pela gravadora Copacabana, ele estreara em um disco mesmo no ano de 1974, com a música Na Hora do Almoço, que fora sido vencedora no V Festival Universitário da Música Popular Brasileira três anos antes, apresentou temas como Mote E Glosa, Todo Sujo de Batom, Galos, Noites E Quintais e também apresentou A Palo Seco, que outro cearense também regravou no mesmo período, este era Ednardo e a versão está no disco O Romance do Pavão Mysteriozo, e no ano seguinte foi Fagner que a regravou para o disco Ave Noturna. Até acabou gerando uma repercussão na época, mas ainda não era muito para que as coisas acontecessem de verdade e só dois anos depois, já numa grande gravadora como a Philips, é que Belchior teve a sua consagração nacional como cantor e compositor, e isso também deve-se a uma pessoa que o ajudou e muito nessa projeção: a grande intérprete Elis Regina (1945-1982), de quem o cearense teve duas músicas gravadas em seu disco Falso Brilhante, que também estão em Alucinação, o segundo disco e a obra-prima maior da carreira de Belchior.
A nota de dólar chamada "Líricas" é simplesmente o encarte de letras do disco
"Alucinação" do cantor Belchior. O disco de 1976 traz os grandes sucessos
"Apenas Um Rapaz Latino-Americano", "Velha Roupa Colorida", "A Palo Seco",
"Como Nossos Pais" e a faixa-título. (Reprodução/acervo)
O disco começa com a faixa Apenas Um Rapaz Latino-Americano, de levada folk e carregada de poesia célebre, uma história quase autobiográfica, ainda soando como uma viagem pela história e sua filosofia tipo andarilha, que nos comove por sinal; a próxima faixa é Velha Roupa Colorida, aonde ele cita canções de Beatles e Bob Dylan e com uma filosofia belchioriana "O passado é uma roupa que não me serve mais, ainda cita o Blackbird dos Beatles e o Assum Preto, do eterno Luiz Gonzaga (1912-1989) fazendo uma ligação de total sentido, a música foi utilizada por Elis no mesmo ano no seu clássico disco Falso Brilhante; e a música que imortalizou mais ainda a carreira de Elis e que abre Falso Brilhante é do próprio Belchior, de nome Como Nossos Pais, mostra uma visão dos jovens e também uma espécie de hino  na época, mostrando estarem mais avançados que a geração conservadora; a próxima faixa é Sujeito de Sorte, aonde Belchior acaba virando a mesa e se mostrando "são, salvo e forte", cantando cada verso a plenos pulmões, acompanhado de uma excelente banda de apoio fazendo uma cozinha excelente sem decepcionar quem ouve o disco; a próxima faixa é mais uma cheio de filosofias belchiorianas, esta é Como O Diabo Gosta, aonde a lei é "sempre desobedecer, nunca reverenciar" numa levada de blues, com um quê de trova e canto medieval, bem tudo a ver com a música do cearense de Sobral; a próxima música se chama Alucinação, que ganhou um destaque imenso quando lançado e acabou sendo regravada mais tarde pela banda Engenheiros do Hawaii, mas destacando a versão original aqui, a canção que une todas as referências sonoras e sua poesia filosófica acaba nos inspirando mais com frases do tipo "amar e mudar as coisas me interessa mais" que nos soam como mantra para carregar eternamente; e aqui vai algo bem mais animado, que é Não Leve Flores e ainda carrega um quê de música country, só de reconhecer a levada de violão e o solo de acordeon executado pelo grande Orlando Silveira (1922-1993) e recheado de versos que a gente adora ouvir da voz de Belchior como sempre; na sequência temos mais outra grandeza poética-musical de Belchior que estava em seu primeiro disco, A Palo Seco, que nos traz uma sensação de que o desespero em tempos de ditadura era maior e com uma influência poética de João Cabral de Melo Neto, tendo também um quê de progressivo pelos sintetizadores executados por José Roberto Bertrami, do grupo Azymuth; já em Fotografia 3x4, aqui vai dando uma baixa aos poucos, mas ainda com energia de sobra pra cantar e fazer seu som, sem deixar o primor de sempre, que ainda dá pro gasto, sem escapar da proposta de seguir uma linha que define a sonoridade principal; o final do disco se chama Antes do Fim, com levada country e já mais acústica, uma espécie de encerramento definitivo do álbum e também já servindo como um bis para complementar tudo.
Set do disco:
1 - Apenas Um Rapaz Latino-Americano (Belchior)
2 - Velha Roupa Colorida (Belchior)
3 - Como Nossos Pais (Belchior)
4 - Sujeito de Sorte (Belchior)
5 - Como O Diabo Gosta (Belchior)
6 - Alucinação (Belchior)
7 - Não Leve Flores (Belchior) 
8 - A Palo Seco (Belchior)
9 - Fotografia 3x4 (Belchior)
10 -Antes do Fim (Belchior)

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