Um disco indispensável: A Banda Tropicalista do Duprat - Rogério Duprat (Philips/CBD, 1968)

Se os tropicalistas Gilberto Gil e Caetano Veloso conseguiram universalizar a música brasileira, e os Mutantes terem eletrificado de vez a MPB, os créditos não são somente apenas deles, mas também de um maestro que trouxe mais esse astral psicodélico, misturando música orquestrada, rock e elementos da MPB como o forró do Nordeste, o samba, a bossa nova e traz o velho espírito dos cantores de rádio, de Carmem Miranda, Luiz Gonzaga, trazendo um pouco do que aprendeu com o maestro alemão Karlheinz Stockhausen e levando coisas que pegou ouvindo dos arranjos de George Martin, que trabalhou com os Beatles, e também de Brian Wilson, aliás, esse maestro dos tropicalistas era Rogério Duprat, carioca  nascido em 7 de fevereiro de 1932 e fundador da Orquestra de Câmera de São Paulo em 1956 e, no começo dos anos 1960 foi produtor dos fenômenos do rock nacional, lá nos primeiros anos, como Baby Santiago, The Rebels e o ídolo da época Albert Pavão e sua irmã Meire (Albert é um nome vivo dos primórdios do rock nacional), depois seguiu trabalhando para orquestras. Num certo período, foi para a Alemanha ter aulas com Karlheinz Stockhausen, na qual teve como colega, o futuro maestro e guitarrista Frank Zappa, além de ter sido pioneiro na música eletrônica, quando usou um computador IBM 1620 da Escola Politécnica da USP, para conceber uma peça chamada Klavibm II e até então, era inédito aquela forma de fazer música, antecipando o que mais tarde, Kraftwerks e Daft Punks da vida fariam no futuro. Em 1967, foi convidado para fazer os arranjos da música Domingo No Parque, de Gilberto Gil e interpretado pelo próprio, com o acompanhamento dos Mutantes, até então, pouco conhecidos antes de acompanharem Gil no III Festival de Música Popular Brasileira, exibido em outubro pela TV Record e ali, Duprat faria o seu trabalho principal: trazer um pouco do que os Beatles e os Beach Boys estavam fazendo naquela época para o Brasil e eletrificarem de vez a Música Popular Brasileira "Aquele foi o momento, aquele dia foi pra história da MPB", relembrou Gil em uma entrevista sobre sua performance com o grupo. "Se houvesse um maestro para ensinar mesmo como fazer um belo arranjo, com aquele jeito ousado e cheio de ideias para estes arranjos, seria o Duprat", disse Caetano Veloso sobre o maestro "Um maestro de mão cheia, um maestro inteligente como Duprat não há outro", relembrou Arnaldo Baptista, um dos Mutantes, quando o maestro morreu, vítima de Alzheimer em outubro de 2006; "Um maestro de todos os Brasis, tropicalistas e não-tropicalistas", definiu Rita Lee quando o chamou em 1998 para fazer os arranjos de orquestração para um tema inédito chamado O Gosto do Azedo, composto pelo filho Beto Lee, exclusivamente para o Acústico MTV da rainha do rock nacional, sua última colaboração feita na MPB, logo antes de ter Alzheimer e sofrer problemas de audição.
Disco "Tropicália ou Panis Et Circensis" de 1968.
Rogério Duprat está na foto, de óculos, segurando um penico

Em 1968, trabalhou no álbum Tropicália ou Panis Et Circensis nos arranjos e regências de orquestração, além de ter colaborado nos discos de Gal Costa, Gilberto Gil e no programa Divino Maravilhoso, que os tropicalistas traziam um pouco da estética visual e musical, embora tenha durado quase um mês, Gil e Caetano foram presos em dezembro de 1968, dias depois do Natal e assim, acabou-se o ano mais tropicalista da música.
Duprat, em meio ao furor do movimento tropicalista também mostrou em seu próprio disco que sabia conceber arranjos modernos, algo que pudesse relacionar à psicodelia e ao que já estava fazendo com seus pupilos da Tropicália e após as gravações do álbum-manifesto, ele pôde trabalhar mais à vontade com o seu trabalho com a Banda Tropicalista, que eram nada menos que músicos de orquestras e alguns colaboradores musicais, como o produtor Manoel Barenbein e os próprios Mutantes, que foram os convidados especiais do disco e a dupla Clélia Simone e Kier, descobertos por Duprat, que tiveram um ótimo papel para darem vozes às músicas que fazem parte desse material, que hoje é considerado como raridade da música brasileira, por ter tido apenas não se sabe quantas centenas de cópias e essas e muitos tentam comprar o disco, que custa muito caro e merece muito ser ouvido, embora hoje, com o acesso às raridades musicais pela internet, o disco pode ser baixado e compartilhado com muita gente. A primeira música que abre o disco é Judy in Disguse, na qual Duprat pinta e borda com a música de John Fred and His Playboy Band, com uma levada de metais jazzísticas e um tempero brasileiro de cuíca e ritmos de samba; depois vem um medley com dois temas da época, que são Honey e Summer Rain, a primeira é uma composição de Bobby Russell que ganhou sucesso na voz de Bobby Goldsboro naqueles anos 60 e a última é uma música americano Jim Hendricks, famosa na voz de Johnny Rivers, que nas versões dos arranjos de Duprat, soam como se fossem uma música só, deixando a música rolar bem suave; o carnaval e suas canções são revividas pelos Mutantes em Canção Para Inglês Ver, clássico de Larmantine Babo lançado originalmente em 1931, que brinca com as palavras do idioma mais falada do mundo (o inglês de uma forma mais poser), e na sequência a marcha Chiquita Bacana, clássico dos anos 40 na voz de Emilinha Borba e do grupo Bando da Lua, e nesta versão em que Duprat e os Mutantes fazem o Carnaval nestas duas músicas de um jeito mais psicodélico, tropicalista e pra cima; até os Beatles não escaparam da seleção de músicas de Duprat, com a instrumental Flying, presente no disco e no filme Magical Mystery Tour; os sucessos de 1967 e 1968 caíam feito luva nas mãos do maestro tropicalista, e esse sucesso do grupo de irmãos chamado The Cowsills (muito antes de Michael e os Jackson 5 dominarem a Motown e o mundo), que foram one-hit-wonders com The Rain, The Park And The Other Things, sucesso marcante daquela época, que contou com o apoio dos Mutantes, ainda mais com a voz de Arnaldo Baptista; o samba também tem seu lugar, e os três sambas que fazem parte desse medley são Canto Chorado, uma joia de Billy Blanco, Bom Tempo, tema de Chico Buarque apresentada em compacto na época e Lapinha, de Baden Powell e Paulo César Pinheiro, que foi sucesso com Elis Regina e Elza Soares; um dos temas que superaram nos arranjos, foi a clássica Chega de Saudade, hino da bossa nova, criada por Tom Jobim e Vinícius de Moraes, que ganhou popularidade na voz de João Gilberto, ídolo máximo da bossa nova e dos tropicalistas, em especial de Caetano e Gil, aqui numa mistura de baião e bossa nova com rock and roll; se Baby na versão de Gal, dos Mutantes e até na de Caetano, o autor original já era de se ver que poderia valer mais uma versão no mesmo ano, com orquestração que soa parecida com a versão da Gal; o sucesso dos árabes Esther & Abi Ofarim, Cinderella Rockefella, ganha além do esforço dos Mutantes, mais vocais para abrilhantar a música, e esses vocais são de Clélia Simone & Kier, que perambularam por vários tipos de projetos e grupos vocais; já o baiano Gil ganha um medley especial, com 3 temas, dentre eles Ele Falava Nisso Todo Dia, o clássico Bat-Macumba e Frevo Rasgado, a segunda feita com Caetano e a última com o amigo Bruno Ferreira; os dois convidados de Duprat encerram sua parte dando seus vocais à um tema dos Beatles lançado meses antes, chamado Lady Madonna, e não é que o maestro conseguiu dar ares mais tropicalistas em meio ao arranjo de base original? Então, com Duprat, as músicas conseguiram algo muito especial, e o disco encerra-se com o bolero dos anos 1950, Quem Será?, que inicia suave e calmo e vai para um lado mais agitado, com direito a platéia, encerrando assim, o concerto de Rogério Duprat e a sua Banda Tropicalista.
O maestro pousando com pose de super-herói na contracapa
Em 1968, durante as gravações, o maestro discutia com os executivos da Philips, devido a algumas imposições que o fizeram para gravar o seu disco, chutou o balde e topou gravar os sucessos que estes sugeriram, dentre esses, sucessos que estouravam no mundo, como os Coswills, Johnny Rivers, Bobby Goldsboro, mas do seu modo. Essas imposições devem ter sido o motivo para que a gravadora prensasse apenas algumas centenas de cópias, mas estima-se de que há 200 mil cópias até no mundo todo, somente em vinil. O álbum foi relançado em CD no ano de 2006 pela Universal Music e seguido das reedições da discografia dos Mutantes em CD, porém se esgotou rapidamente as vendas do CD com o passar dos tempos, mas há como buscar em lojas por internet a versão CD, já que o vinil é caro mesmo. Lembrando também, não há nenhum vestígio dessa raridade do tropicalismo em "full album" no YouTube, porém, tentem encontrar algumas músicas no YouTube e inclusive no Spotify, Deezer e Grooveshark, lá encontrarão o álbum completo mesmo e as doze faixas do álbum de Rogério Duprat. Vale a pena ouvir mesmo!
Set do disco:
1 - Judy in Disguise (Weisel/Andrew Bernard/John Fred)
2 - Honey (Bobby Russell)/Summer Rain (Jim Hendricks)
3 - Canção Para Inglês Ver (Larmantine Babo)/Chiquita Bacana (João de Barro/Alberto Ribeiro) - participação de Os Mutantes
4 - Flying (John Lennon/Paul McCartney/George Harrison/Ringo Starr)
5 - The Rain, The Park & The Other Things (Artie Kornfield/Steve Duboff) - participação de Os Mutantes
6 - Canto Chorado (Billy Blanco)/Bom Tempo (Chico Buarque)/Lapinha (Paulo César Pinheiro/Baden Powell)
7 - Chega de Saudade (Antonio Carlos Jobim/Vinícius de Moraes)
8 - Baby (Caetano Veloso)
9 - Cinderela Rockefella (Nancy Ames/Mason Williams)  - participação de Os Mutantes e Clélia Maria & Kier
10 - Ele Falava Nisso Todo Dia (Gilberto Gil)/Bat-Macumba (Gilberto Gil/Caetano Veloso)/Frevo Rasgado (Gilberto Gil/Bruno Ferreira)
11 - Lady Madonna (John Lennon/Paul McCartney) - participação de Os Mutantes e Clélia Maria & Kier
12 - Quem Será? (Evaldo Gouveia/Jair Amorim)

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