Um disco indispensável: Expresso 2222 - Gilberto Gil (Philips/Phonogram, 1972)
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Gil já tinha ideias para o próximo disco, depois de ter gravado o disco homônimo proto-unplugged de 1971 inteiramente em inglês, e com pouca repercussão nacional e internacional, o baiano voltaria atrás e resgataria as suas origens, fazeria a sua ponte com a música nordestina de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Gordurinha, Marinês, Sivuca, Banda de Pífanos de Caruaru e Genival Lacerda e o rock pesado e alucinante dos Rolling Stones, Beatles, Led Zeppelin, Traffic e Pink Floyd em apenas um disco, que acabaria sendo impactante, ousado e com temas futuristas, além de um toque do tropicalismo nas músicas, mesmo sem a presença dos arranjos e da orquestração de Rogério Duprat e muito menos dos Mutantes, já em outros rumos mais progressivistas e diferentes dos que seguiam nos primeiros anos, então dessa vez seria Gil acompanhado de um megagrupo de apoio nos estúdios da Eldorado em São Paulo: Lanny Gordin na guitarra, o americano Bruce Henry no baixo, Antônio "Perna" Fróes no piano, órgão e celesta, e fechando o grupo, o baterista e percussionista Tutty Moreno. O disco começa com o registro da Banda de Pífanos de Caruaru tocando a instrumental Pipoca Moderna, uma música recheada de sonoridade nordestina e que soa como um anúncio para que todos os passageiros embarcassem a bordo do Expresso 2222; a música Back In Bahia foi composta já a caminho do Brasil, marca também a volta do velho baiano Gil à sua terra, citando Celly Campello e o Mar da Bahia como o motivo do tropicalista sentir tanta saudade da sua terra; o Nordeste é bem-vindo não só com a Banda de Pífanos de Caruaru, mas com Jackson do Pandeiro, que é homenageado em O Canto da Ema, um clássico do forró que teve muito problema pra ser gravado o baixo, então Lanny substituiu Bruce, que era pouco experiente nos ritmos brasileiros, enquanto Chiclete Com Banana, feita por Gordurinha e por Altamira Castilho (esposa de Jackson do Pandeiro) é pioneiro do samba-rock (com uma levada bem de bossa nova), dispensando Bruce de novo, só Gil no violão, Lanny no baixo, Perna no piano e Tutty na bateria pra reviver o som do Nordeste que o jovem Gilberto ouvia nas rádios de Ituaçu e Salvador os sucessos de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Gordurinha, Marinês e muito mais; o amigo Caetano é homenageado em Ele e Eu, uma canção autobiográfica, sobre o fato de Caetano ser extremamente agitado e elétrico e Gil ser mais suave, calmo, mais tranquilo e discreto, com uma levada mais proto soft-rock com bossa nova; o crossover de forró e o rock ainda segue em Sai do Sereno, contando com Gal Costa fazendo um dueto agitado como se fosse uma canção de axé moderna; enquanto a samba-bossa futurística Expresso 2222 fala sobre uma suposta nave espacial, embora Gil tenha tido inspiração no trem que pegava de Ituaçu (cidade onde passou sua infância) a caminho de Salvador quando era criança e viraria nome de um bloco de carnaval de Salvador a partir de 1998; a frase de John Lennon citada em "God" acabou virando título de uma canção chamada O Sonho Acabou, que misturava histórias de heróis e explica "quem não dormiu no sleeping bag nem sequer sonhou" sobre quem não viveu o sonho no final dos anos 60; a música Oriente encerra o disco, como se o passeio do Expresso estivesse terminando e fosse uma daquelas musiquinhas calmas feitas para ouvir antes de retornarem ao ponto de partida, e assim o passeio feito neste Expresso 2222 se encerra com apenas Gil voz e violão pra mostrar que devemos nos orientar pelas constelações do Cruzeiro do Sul e no último acorde do violão, o passeio já se encerra e tudo volta ao normal.
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Encarte interno, com foto de Gilberto Gil clicada por Eduardo Clark e letras do disco |
O disco contou com a maioria das músicas feitas ainda no exílio, assim como as duas últimas, O Sonho Acabou foi feita durante a apresentação dos baianos no festival da Ilha de Wight em 1970 onde ele e Caetano fizeram um show brasileiro pra gringo nenhum botar defeito, e após o show, alguns amigos dos dois foram presos por causa de uma barraca; enquanto Oriente foi composto em Formentera, perto de Ibiza logo a caminho de casa. O disco também foi inovador no formato das capas de disco, com uma forma de disco-objeto, tipo o Transa, de Caetano Veloso (lançado no mesmo ano que o disco de Gil), na qual a pessoa abria a capa do disco e o disco tinha partes dobráveis que poderiam se tornar em uma capa redonda, concebida por Ednízio Ribeiro Primo e Aldo Luiz, diretor de arte dos projetos da Phonogram naquela época e na capa uma foto do filho Pedro Gil (1969-1990) quando criança e os músicos Perna, Tutty, Bruce e Lanny na contracapa e na parte de dentro, uma foto de Gil em palco e as letras do disco, com exceção de Pipoca Moderna no disco. Muito mais do que um disco, uma viagem sonora a bordo do Expresso 2222 comandada por Gil. Na edição de 1998 para o box Ensaio Geral, a PolyGram acrescentou os temas Cada Macaco No Seu Galho, registro feito por Gil e Caetano após retornarem do exílio e composta pelo lendário sambista baiano Riachão, a marchinha alucinante carnavalesca Vamos Passear no Astral, presente no LP Carnaval Chegou! (já falamos dele no blog, leia aqui) e Está Na Cara, Está na Cura, que era outra marchinha vista como um alerta sobre os militares e a sua "caretice". Em 2007, a Rolling Stone elegeu o disco na 26ª posição dos 100 Maiores Discos Da Música Brasileira.
Set do disco:
1 - Pipoca Moderna* (Caetano Veloso/Sebastiano Bianco)
2 - Back in Bahia (Gilberto Gil)
3 - O Canto da Ema (Alventino Cavalcanti/Aires Vianna/João do Vale)
4 - Chiclete Com Banana (Gordurinha/Altamira Castilho)
5 - Ele e Eu (Gilberto Gil)
6 - Sai do Sereno (Olindo Almeida) - participação de Gal Costa
7 - Expresso 2222 (Gilberto Gil)
8 - O Sonho Acabou (Gilberto Gil)
9 - Oriente (Gilberto Gil)
FAIXAS BÔNUS DA REEDIÇÃO DE 1998:
10 - Cada Macaco no Seu Galho (Riachão) - com Caetano Veloso
11 - Vamos Passear No Astral (Gilberto Gil)
12 - Está Na Cara, Está Na Cura (Gilberto Gil)
*Com a participação Banda de Pífanos de Caruaru
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