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Capa do álbum, clicada originalmente no Maracanãzinho no III Festival Internacional da Canção, em 1968 |
O sucesso da banda Os Mutantes no seu primeiro disco em 1968 foi tão caótico,
inovador e moderno que já estava fazendo sucesso rapidamente como fazem os
artistas atualmente (isso só graças a Internet, imagina no final dos anos 60) e
tanto é que agradou os executivos da Polydor
internacional logo a partir do final do ano, convidando o conjunto para
participar do evento MIDEM (Mercado
Internacional de Discos e Edições Musicais) em Cannes, na França em janeiro
de 1969, mas antes, sem apresentar suas inovações musicais nas quais foram os
pioneiros em eletrificar a Música
Popular Brasileira. Por onde o grupo passava nos festivais, era um susto para cada membro da classe
conservadora da Música Popular Brasileira e para o pessoal oriundo da bossa
nova e do samba, uma destas provas foi o III
FIC – Festival Internacional da Canção, exibido para a televisão pela Rede
Globo em 1968, na qual a banda acompanhou Caetano Veloso em É Proibido Proibir e sob vaias foi
eliminado das disputas realizadas em São Paulo, mas convenceram a banda de
apresentar uma performance só deles para conseguirem se classificar nas
eliminatórias do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro e daí surgiu o tema Caminhante Noturno, que levou o ginásio
à loucura com a banda vestindo roupas ousadas: Sérgio Dias de toureiro, Rita
Lee de noiva e Arnaldo Baptista como um personagem do século XV ou XVI (não
conheço direito a fantasia, me desculpem) e também nos festivais da Record,
como o IV Festival da Música Popular
Brasileira, na qual apresentaram a música 2001 com uma mistura de Beatles, Rolling Stones e rock psicodélico
com Tonico & Tinoco e Inezita Barroso, composta por Rita Lee e pelo amigo Tom Zé, que vencera o festival com
“São, São Paulo Meu Amor”; foi nesse mesmo festival que apresentaram o tema Dom Quixote, com roupas de plástico,
smoking e máscaras de borracha e misturando numa só música Sancho Pança,
Dulcineia e o apresentador televisivo Chacrinha.
Foram garotos-propaganda da marca de gasolina Shell no meio de 1968 apresentando o slogan “Shell: algo mais na sua vida” e esse “algo
mais” viraria um tema da propaganda e que entraria no disco seguinte, assim
como Mágica, uma
ciranda-psicodélica-roqueira apresentada no Festival de Música da TV Excelsior, que não agradou a turma mais
politizada que presenciava o festival, embora algumas músicas já citadas iriam
antecipar o que seria o 2º disco e um
dos melhores materiais da banda feito durante sua trajetória e também com mais conteúdo autoral da banda, junto do
primeiro disco e dos outros três discos após o de 1969, com Rita Lee no grupo
até 1972.
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Contracapa do álbum de 1969, com texto de Nelson Motta e fotografia de Cynira Arruda |
O disco seria marcado pela queda da ponta do iceberg
que foi o Tropicalismo, movimento
que se iniciou em outubro de 1967 e foi até dezembro de 1968, quando Caetano
Veloso e Gilberto Gil passaram o final de ano presos vendo o sol nascer
quadrado, e foi no final de novembro que a banda estava iniciando os trabalhos
para o seu disco, que seria chamado O
Sexto Dedo, livro de Cynira Arruda, que Arnaldo Baptista estava lendo
naquela época, inspirou a banda se vestir e se maquiar de alienígenas na foto
de contracapa do disco, clicada pela própria Cynira com o texto assinado por
Nelson Motta e produzido por Manoel Barenbein e arranjos de Rogério Duprat e a
presença de Dinho Leme na bateria, creditado como Sir Ronaldo I Du Rancharia, gravado nos estúdios Scatena em São
Paulo. O disco começaria com uma faixa ousada, Dom Quixote, na qual a banda misturava na música os personagens do
espanhol Miguel De Cervantes e o apresentador televisivo Chacrinha, alguns versos seriam censurados, mas ao
invés disso, a banda decidiu cobrir os versos censurados nas gravações e
acrescentar aplausos e gritos, nas quais achavam que era ao vivo; enquanto Não Vá Se Perder Por Aí, composta pelos
amigos Raphael Vilardi e Roberto “Tobé” Loyola, que eram conhecidos desde os
tempos da Pompeia, já tem um pouco de levada folk e country
e guitarras cujos riffs parecem que estão gritando e Arnaldo e Rita cantando
juntos com vozes e sotaques diferentes, ou melhor, caipirizados; Dia 36 é uma viagem musical na voz de Arnaldo composta pelo amigo americano Johnny Dandurand, já é uma mistura de
efeitos feita pelo irmão de Sérgio e Arnaldo, Cláudio César Dias Baptista, que
utilizou o efeito do voice-box e inventou o efeito wooh-wooh, distorcendo e
deixando o som do baixo como se estivesse vomitando; já a jeca-space-rock 2001 é
uma prova de que juntar rock psicodélico
com o sertanejo de Tonico & Tinoco e de Caçula & Marinheiro (na
época, era chamado de música caipira) dava numa bela fórmula musical mutante,
na qual utilizou-se um instrumento chamado theremin, que foi utilizado por Rita
Lee no disco e na performance do IV Festival da Música Popular Brasileira, da
TV Record, além da música ter a participação da dupla Zé do Rancho & Mariazinha (os pais de Noely, esposa do cantor
sertanejo Xororó), que não foram creditados no disco, mas que só na biografia
“A Divina Comédia dos Mutantes”, escrita por Carlos Calado e publicada em 1995
foi revelada qual era a dupla que participou do “disco dos Mutantes”; Algo Mais foi feita antes, pelo fato de
ter sido criada especialmente para um jingle de propaganda da Shell, na
qual a banda fizeram os papéis de garotos-propagandas nos comerciais e trazia
uma batida mais de soul com um piano boogie; Fuga nº II traz um pouco mais de rock sinfônico e leveza na voz de Rita, com uma introdução de harpa
e arranjos maravilhosos de Rogério
Duprat além do coro soando de uma forma mais doce e calma, relembrando um
pouco The Mamas And The Papas e Jefferson Airplane; já a velha forma de
reviver clássicos, o que era onipresente no primeiro disco continua em Banho de Lua, clássico de Celly
Campello, que foi esquecido em meio à cruzada tropicalista e às canções de
protesto, nesta regravação conta com os efeitos de Cláudio Céser e os arranjos
de Duprat; já Rita Lee (sim, a
música se chama Rita Lee), uma homenagem de Arnaldo Baptista à sua amada nos
tempos da banda, traz uma mistura beatle de Ob-La-Di, Ob-La-Da (1968) e Penny
Lane (1966) com ares de músicas-tema de cinema dos anos 1940 e 1950,
singela e ousada; Mágica, que é uma
ciranda-psicodélica-rock com uma levada mais stoner do que beatle, com
direito a citação de (I Can’t Get No)
Satisfaction e uma introdução de piano típica de jazz ou algo parecido,
além do riff eletrizante da guitarra
de Sérgio Dias; o clima em Qualquer
Bobagem é outro, parceria dos Mutantes com Tom Zé, já têm um pouco ainda um pouco de tudo o que se
ouviu, menos a gagueira na voz de Arnaldo Baptista e a corneta estilo Penny
Lane; o encerramento fica por conta de Caminhante
Noturno, que inicia com uma corneta militar e começa uma introdução de
baixo ou guitarra distorcida enquanto o final vai chegando aos poucos, com a orquestração de Rogério Duprat e logo
quando encerra-se a música, Arnaldo usa uma voz robótica dizendo “Rota de colisão! Perigo! É proibido proibir!
Rota de colisão” e os gritos de
“Bicha! Bicha! Bicha! Bicha! Bicha! Bicha!...” dirigidas a Johnny Dandurand,
quando subiu no palco para participar do manifesto realizado em É Proibido
Proibir, de Caetano Veloso nas elininatórias paulistas, a música seria
interpretada no MIDEM na versão em inglês em janeiro de 1969, semanas depois de
gravarem o disco.
O disco trouxe uma atmosfera mais diferente e ousada do que já havia se ouvido e
conseguiu levar o grupo para um público mais além do Oiapoque ao Chuí, ou seja,
Cannes. Além das inovações tecnológicas
musicais, criadas pelo “Professor Pardal da banda” Cláudio César, arranjos
modernos de Rogério Duprat e canções que a gente ouve e não faz a gente parar
de gostar dos Mutantes: tanto pelo primeiro quanto pelo segundo disco, cuja
foto foi feita em um momento histórico no III FIC, em 1968.
Set do disco:
1) Dom Quixote (Arnaldo Baptista/Sérgio Dias/Rita Lee)
2) Não Vá Se Perder Por Aí (Raphael Vilardi/Roberto "Tobé" Loyola)
3) Dia 36 (Johnny Dandurand/Arnaldo Baptista/Sérgio Dias/Rita Lee)
4) 2001 (Tom Zé/Rita Lee)
5) Algo Mais (Arnaldo Baptista/Sérgio Dias/Rita Lee)
6) Fuga Nº II dos Mutantes (Arnaldo Baptista/Sérgio Dias/Rita Lee)
7) Banho de Lua (Tintarella di Luna) (Franco Migliacci/Bruno DeFilipinni/versão em português: Fred Jorge)
8) Rita Lee (Arnaldo Baptista/Sérgio Dias/Rita Lee)
9) Mágica (Arnaldo Baptista/Sérgio Dias/Rita Lee)
10) Qualquer Bobagem (Tom Zé/Arnaldo Baptista/Sérgio Dias/Rita Lee)
11) Caminhante Noturno (Arnaldo Baptista/Rita Lee)
Fontes:
http://rodrigomattardotcom.wordpress.com/2013/04/10/discos-eternos-mutantes-196/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Mutantes_(álbum)
Revista Rolling Stone “Os 100 Melhores Discos de
Música Brasileira”, posição 44, outubro de 2008
Revista Veja, edição 26, fevereiro de 1969, página 64
Revista Bizz.
CALADO, Carlos; A divina comédia dos Mutantes; Editora 34, 1995, páginas 155-162
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