Há exatos vinte anos, o movimiento manguebeat
ganhou expansão nacional e mundial graças a um disco, uma banda e um poeta: Chico Science & Nação Zumbi lançou
o disco Da Lama Ao Caos pela Chaos, um selo do núcleo independente
da Sony Music, que no ano anterior já havia lançado o rapper e também escritor Gabriel O Pensador e o grupo Skank, cujo primeiro álbum foi relançado com uma nova remasterização da Chaos/Sony em
1993, mas isso não nos vem ao caso. O grupo iniciaria sua jornada musical no final dos anos 80 para o início dos anos 1990
foi quando Science perambulava pelos grupos de rap Orla Orbe e Loustal, na qual
suas referências principais eram da soul music, do ska e do hip-hop
e contava com influências de nomes como James Brown, Grandmaster Flash e de
Kurtis Blow, além de referências da música
nordestina e a partir de 1991 quando se cruzou com o pessoal do bloco Lamento Negro, de Peixinhos, bairro de
Olinda (PE). Foi só se juntar com o pessoal mais dos tambores que essa mistura
de hip-hop com psicodelia se resultou no Chico Science & Nação Zumbi, cujos
resultados foram dois discos, turnês internacionais que repercutiram ao redor
do mundo por onde passavam e um trágico
fim de carreira de Chico Science: um acidente
no caminho de Olinda para Recife em fevereiro de 1997 pôs um fim na sua, um ano
seguinte, a família do próprio Science entra com um processo contra a Fiat, que
pagou a indenização de 10 milhões de reais pelas falhas no cinto de segurança
do carro que dirigia e que lhe custara a sua própria vida. Mas, foi com Chico
Science que o Nação Zumbi ganharia um destaque importante na música nordestina
e no rock brasileiro: graças ao disco Da
Lama ao Caos, eles conseguiram conquistar a atenção máxima do público e da crítica naquela época e foram
premiados por várias revistas, dentre elas a Bizz e outras mais que não sei. A
banda conseguiu a atenção da mídia após uma turnê por São Paulo e Belo
Horizonte em 1993, ganhando assim o prestígio de gente como Marcelo Falcão (vocalista d’O Rappa), Marcelo D2, Fernanda Abreu, Cássia Eller,
Jorge Ben Jor, Gabriel O Pensador, Lulu
Santos e até de um tal de Gilberto
Gil, que considerou ele como “O que surgiu de mais importante na música
brasileira nos últimos vinte anos”. Foi após esta turnê que conseguiram um
contrato com a Sony, pelo núcleo da Chaos e a partir do meio de 1993, partem
para os estúdios Nas Nuvens, do produtor Liminha
(sabe bem quais discos ele produziu, né?!) e após o mês de janeiro, o disco
estaria sendo masterizado no estúdio Future Disc, nos Estados Unidos. Muitos
detestaram o jeito que Liminha tratou o
som do grupo, causando assim uma péssima impressão e desgosto dos fãs da
energia da banda nos shows, mas mesmo assim o público ainda teve que se
acostumar com a sonoridade “limpa” do disco, que não passa de uma bela mistura
de maracatu, forró, samba, hip-hop, rock psicodélico com um pouco de tudo nos instrumentos: baixo funk,
riffs de guitarra pesados e percussão do maracatu sem bateria (Pupillo entraria
na banda em 1995).
 |
Chico Science (de óculos e camisa listrada) liderando uma trupe de homens-caranguejos vindos do mangue pernambucano para tomarem de assalto a cena musical brasileira dos anos 1990 (foto de Fred Jordão) |
O começo é com um manifesto
ousado e que a gente já imagina o que vai ser o disco com Monólogo ao Pé do Ouvido, que prova que
Science não deixa nada de fora no disco e anuncia um de seus versos “Modernizar
o passado é uma evolução musical”; já Banditismo
por Uma Questão de Classe é um pouco de funk, psicodelismo, maracatu e
hip-hop envolvendo uma fórmula de um thriller polícia versus bandido, movido a
ritmos militares pelas alfaias
(tambores do maracatu); rola muito peso sonoro nordestino em Rios, Pontes e Overdrives com sua continuação
da mistura e um coro redondo, além de samples, onipresentes em A Cidade com seu groove e um solo
perfeito de Lúcio Maia e também uma introdução
original, o sample de “Boa Noite do Velho Faceta”, do humorista popular
pernambucano Velho Faceta (1925-1986) e teve um clipe de sucesso na MTV
brasileira, na seguida viraria tema do remake
da novela Irmãos Coragem no ano
seguinte; enquanto A Praieira já
partia para uma daquelas linhas musicais de sempre: guitarras pesadas/baixo
groove/percussão sem bateria, acrescentado de um ritmo mais axé music que nos relembra um pouco até
os protótipos de hit do verão que
cai no gosto popular, esta também foi tema da novela Tropicaliente no mesmo ano que foi lançado o disco; o samba está
presente no disco com Samba Makossa,
que é um dos clássicos do disco, com uma mistura de batidas carnavalescas com ritmo
militar e um funk-rock com um riff alucinante e psicodélico, a música seria
regravada quase dez anos depois por Charlie
Brown Jr., do cantor Chorão (1970-2013) que era um fã e entusiasta de
Science, com Marcelo D2 que era outro fã, entusiasta e que presenciou o sucesso
de Science enquanto vivo; a sequência continua com a faixa-título Da Lama Ao Caos, que inicia com uma
levada heavy metal nas batidas e no riff de guitarra e versos
históricos de Science como “Que eu me organizando posso desorganizar/Que eu
desorganizando posso me organizar” ou “Da lama ao caos, do caos à lama/O homem
roubado nunca se engana”; enquanto Maracatu
de Tiro Certeiro é uma prova de como juntar os ritmos de percussão brasileiro em uma só introdução, na qual conta
com a presença de pandeiro e berimbau, este último, executado por André
Jungmann (na verdade, André Jung), baterista do Ira!; a instrumental Salustiano Song é nada menos do que uma
viagem sonora-psicodélica puxada pela guitarra de Lúcio Maia, o baixo de Dengue
e o trio de alfaias Jorge Du Peixe,
Gira e Gilmar Bolla 8, além da caixa rítmica de Canhoto (sairia da banda em
1995 dando lugar a Pupillo) e o percussão de Toca Ogam; a homenagem ao
movimento manguebeat e à nova geração musical de Recife em Antene-Se já é um motivo de Pernambuco se orgulhar do poeta maior
mesmo depois de sua morte em 1997 que ainda esbraveja no verso “Sou, sou, sou, sou, sou mangueboy!” ; nos
acordes de guitarra de Risoflora, já
se deve perceber que nada muda depois do resto da música, a não ser a suavidade rítmica no início e uma
história qualquer de amor perdido ou desiludido; enquanto Lixo do Mangue é um instrumental da Nação Zumbi – em
especial do guitarrista Lúcio Maia - com os gritos do produtor Liminha, relembrando um pouco dos
gritos de monstros de filme de terror; logo o começo de Computadores Fazem Arte
é uma prova de que o som do manguebeat está hyperconectado a um mundo virtual, dando assim a imaginação de uma
ponte entre o mundo cybernético e o
mundo do mangue recifense, composto pelo atual vocalista Jorge Du Peixe e
cantado por Science nesta; o encerramento com Côco Dub (Afrociberdelia) é uma mistura de um pouco de tudo que se
ouviu neste disco: samples (até de um forró, reparem o acordeon), guitarras psicodélicas viajantes, baixo
ora groove, ora funky e percussão
nordestina fazendo vários ritmos, cujas alfaias fazem um som pra gringo
nenhum botar defeito, com menos de sete
minutos de duração nos fazendo levar para uma viagem que tem continuação,
no disco seguinte Afrociberdelia
(1996), lançada exatamente um ano antes de Chico Science levar seu manguebeat
para além do mangue e dos caranguejos
com cérebro.
Passam-se vinte anos que este grande disco foi lançado
e fica no ar aquela velha conclusão de que o som de Pernambuco todo feito pelos
“homens-caranguejos” com seus
tambores, suas guitarras e uma poesia que juntava hip-hop, maracatu, samba,
frevo e tudo mais em um só disco que veio Da
Lama Ao Caos, e mesmo depois de 20 anos, o legado de Chico Science permanece vivo pelo Recife e Brasil afora
causando um tremendo impacto pelos
mangues pernambucanos entre caranguejos e lamaçais, mostrando que sua música
vai além da lama ao caos e do caos à lama.
Set do disco:
1| Monólogo Ao Pé do Ouvido (Chico Science)/Banditismo Por Uma Questão de Classe (Chico Science)
2| Rios, Pontes E Overdrives (Fred Zeroquatro/Chico Science)
3| A Cidade (Música Incidental: Boa Noite do Velho Faceta/Amor de Criança) (Chico Science)
4| A Praieira (Chico Science)
5| Samba Makossa (Chico Science)
6| Da Lama Ao Caos (Chico Science)
7| Maracatu de Tiro Certeiro (Chico Science/Jorge Du Peixe)
8| Salustiano Song (instrumental) (Chico Science/Lúcio Maia)
9| Antene-se (Chico Science)
10| Risoflora (Chico Science)
11| Lixo do Mangue (instrumental) (Lúcio Maia)
12| Computadores Fazem Arte (Jorge Du Peixe)
13| Côco Dub (Afrociberdelia) (Chico Science)
Comentários
Postar um comentário
Por favor, defenda seu ponto de vista com educação e não use termos ofensivos. Comentários com palavras de baixo calão serão devidamente retirados.