Um disco indispensável: Cheap Thrills - Big Brother & The Holding Company (Columbia Records, 1968)

O ano de 1967 foi marcado realmente por grandes inovações nos campos da política, da história e da cultura em especial, segundo muitos, este foi o grande ano da revolução sonora na música, como muitos sabem. Embora essa revolução havia começado ainda entre 1964 e 1965, o ápice só veio a acontecer quando Bob Dylan decidiu assumir a guitarra e tornar o folk elétrico, os Beatles abrirem o leque para sonoridades de outros lugares do mundo, como a Índia e a Grécia, além de buscarem outras referências em elementos tradicionais ou clássicos e inovando em suas criações, como nos álbuns Rubber Soul (dezembro de 1965) e em Revolver (agosto de 1966) e no meio das polêmicas, a vontade de deixarem os shows para se focarem nos trabalhos em estúdio, onde se mostraram mais criativos e abertos para fazerem obras-primas como a magnum opus Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (junho de 1967) uma das maiores viagens sonoras proporcionadas pelo quarteto de Liverpool. Mas, antes dos Beatles lançarem Sgt. Pepper's, os californianos dos Beach Boys fugiram do ambiente típico cantado nas suas canções para poderem mostrarem-se antenados e ousados no grande Pet Sounds, cujas grandes ideias deste álbum vieram da cabeça de Brian Wilson, que depois foi criar o icônico e clássico Smile, mas acabou flopando e parte deste material virou Smiley Smile, boa parte do que viria a ser Smile só viemos a conhecer 45 anos depois. Mas, nos EUA também havia uma turma nova que queria mostrar sua voz e vez no cenário, algumas destas bandas concentradas na cidade de San Francisco, o paraíso da liberdade e das drogas num país tão conservador como a América (Estados Unidos) que estava marcado pelos protestos contra a guerra do Vietnã e também os movimentos civis que lutavam por direitos iguais, em especial os afro-americanos e as mulheres com mente aberta, alguns músicos colocaram um pouco dessas lutas em seus versos. Dentre essas bandas que estavam efervescendo no novo cenário, algumas como o Quicksilver Messenger Service, o Grateful Dead - banda que se tornou lendária não somente pelos seue shows, mas também por uma excelente cozinha, e também o Big Brother and The Holding Company - que misturava blues e soul com um pouco de acidez, que surgiu em 65 quando Peter Albin, havia tocado com os futuros Grateful Dead , em especial Jerry Garcia e Ron "Pigpen" McKernan, e acaba conhecendo Sam Andrew, um guitarrista como Albin, e decidem formar uma banda - junta-se ao conjunto o guitarrista James Gurley e o baterista Chuck Jones e nasce a Big Brother de vez.
No meio de 1966 a banda já com alguns shows e um público fiel começa a receber mais gente, em especial o baterista e pianista Dave Getz substituindo Jones e uma moça que viveu por San Francisco ainda em 1963 onde cantava folk e curtia heroína e Southern Comfort, uma espécie de licor à base de álcool, frutas, especiarias e uísque, sem deixar de falar sobre sua voz, que soava como uma cantora negra de blues/soul, mas era de pele clara e vinda do Texas. O seu nome? Nada mais, nada menos do que uma das maiores vozes femininas da história, Janis Joplin, que cresceu ouvindo Big Mama Thornton, Etta James, Aretha Franklin, Bessie Smith e Billie Holiday em especial para a sua formação musical que ajudou na decisão em ser cantora. Agora com esta formação definitiva, o grupo já tinha um reconhecimento pelos frequentadores da região de Haight-Ashbury e logo de cara um contrato com a gravadora Mainstream Records, porém o lado ruim foi a falta de um sucesso nos singles gravados que deixou o álbum homônimo de estreia um pouco esquecido à época. O sucesso mesmo veio com os shows da banda, a começar pelo festival Mantra-Rock Dance, organizado em janeiro de 1967 tendo no set de bandas também os Moby Grape, Grateful Dead e o poeta Allen Ginsberg num evento misturando filosofia oriental com rock tendo a orgdo Templo Hare Krishna, e até deu uma boa repercussão. Mas o ápice mesmo foi quando em junho, mais precisamente no sábado, dia 17, no palco do Monterrey Pop Festival, onde teve a presença de The Jimi Hendrix Experience, The Who, Simon & Garfunkel, Buffalo Springfield e também The Mamas & The Papas, grupo do qual um dos organizadores, o vocalista John Philips fazia parte, e ele assim como muitos - que participavam do festival como artistas, membros das equipes e até os espectadores, se encantaram com a voz rascante de Janis em ação interpretando algumas músicas, estas eram Combination of The Two e uma interpretação de Ball and Chain, de Big Mama Thornton, e a banda iniciara grandes saltos na carreira, trocavam a Mainstream por uma multinacional, a Columbia, e gerenciados pelo empresário Albert Grossman, o mesmo que também gerenciava Bob Dylan até parte dos anos 70.

Mas, por uma grande e incrível coincidência do destino, a Columbia acaba por comprar os direitos da Mainstream e o disco é reeditado pela casa nova, porém ainda com uma breve repercussão e a gravadora sugeriu que eles gravassem ao vivo, captando a energia. E eles foram para Los Angeles, na casa de espetáculos que estava dando o que falar: o Fillmore East, o auditório de Bill Graham, empresário nascido na Alemanha dos horrores nazistas e que na América se consolidou como um dos grandes empresários do ramo artístico, produzindo shows e gerenciando a carreira de diversos artistas, como os Rolling Stones no caso. Algumas gravações no auditório de Graham, outras no estúdio, mesmo que o álbum tenha uma impressão de ser realmente ao vivo, apenas uma faixa entrou, o resto foram adicionados enxertos de aplausos para dar a impressão, ok, funciona até. Entre os dias 2 de março a 20 de maio de 1968, o grupo preparava com o produtor John Simon o que se tornaria inicialmente Sex, Drope and Cheap Thrills, porém, na hora de apresentarem o nome do álbum a Columbia não gostou muito e exigiu que o nome fosse somente Cheap Thrills e assim ficou. Para abrir o álbum, ouvimos Bill Graham anunciando a banda e dando a deixa para tocarem Combination of The Two, onde a banda faz um som incrível em seus quase seis minutos e Joplin mostra porque ela é considerada uma das maioras cantoras da história, apenas ouça e aprecie a voz de uma grande diva - apenas isso; na faixa seguinte temos uma balada onde Joplin implora por um homem para realmente amar de verdade na sensualizante I Need a Man to Love onde a guitarra de Sam Andrew arregaça nos solos e faz um belo trabalho, não decepciona a gente; na sequência temos uma interpretação de peso neste álbum, um tema clássico, composta ainda nos anos 30 pelos irmãos George e Ira Gershwin em parceria com DuBose Heyward para o musical Porgy and Bess, e uma das músicas mais regravadas até hoje no mundo todo - estamos falando de Summertime, que ajudou ainda mais a imortalizar a versão de Joplin com a banda, traz todo um baita arranjo de respeito e destacando também a pegada blueseira totalmente elétrica aqui, nada mal para uma canção que já foi gravada por Frank Sinatra, Bille Holliday, Ella Fitzgerald, Louis Armstrong, Nina Simone, Sam Cooke e até por Cazuza entre outros tantos intérpretes; um dos grandes temas deste álbum e que se destaca sempre no repertório da cantora é Piece of My Heart, o grande sucesso do grupo, sem perder a acidez sonora - o tema inicialmente gravado no ano anterior por Erma Franklin ajudou a banda conquistar as paradas mundiais de sucesso e levou a voz de Janis a ser conquistada por muita gente até hoje; para a faixa seguinte, temos um piano bem pegado na sonoridade do blues, e a faixa Turtle Blues fala sobre uma mulher que mostra tratar os homens como ela gosta e relembra quando tinha um sugar daddy (homem mais velho banca a mulher sem ser casado - aqui chamado de coronel) com uma levada bem roots do blues desta vez, mais no violão e piano com alguns aplausos no meio; em seguida, contamos com um tema que aparenta um rockão de peso psicodélico e até com cítara tocada em Oh Sweet Mary, desta vez é Sam que canta e o tema não faz feio, um instrumental matador dá o brilho colorido todo e ganha destaque na sonoridade do álbum; no encerramento deste grande álbum, temos aqui um dos covers presentes neste álbum, Ball and Chain - composta e gravada ainda nos anos 60 por Big Mama Thornton, uma das grandes influências de Joplin e cuja versão ajudou a imortalizar este tema para sempre, o blues ácido não faz feio mesmo com mais de 9 minutos, a voz dela segue a fazer bonito - e esta foi uma das únicas gravações realmente ao vivo que entraram para o álbum. 
O sucesso que obteve o disco não é apenas por mostrar Joplin cantando e bem-acompanhada de sua banda, senão pela incrível capa que parece literalmente uma página história em quadrinhos, e o autor desta icônica capa é o lendário Robert Crumb, ilustrador e principal cabeça dos quadrinhos underground e criador da revista Zap Comix, uma das inovadoras do circuito, e é considerado por muitos como uma das melhores capas de discos de todos os tempos em alguma lista. No encarte, uma foto da banda em ação durante os shows nas lentes de Elliott Landy, e uma foto de Janis estampando a contracapa fotografada por Jim Marshall, uma das melhores imagens da cantora sempre alegre e irreverente. Meses após o lançamento de Cheap Thrills, a cantora saiu do conjunto e foi lançar carreira solo com a Kozmic Blues Band, na qual gerou apenas um álbum - I Got Dem Ol' Kozmic Blues Again Mama! e com eles se apresentou no festival de Woodstock, depois com a Full Tlit Boogie Band, no período em que ela tentava se livrar dos vícios e ainda passou o Carnaval em solo brasileiro, no Rio de Janeiro, e ainda chegou a tempo de gravar músicas com a nova banda para um material próximo que se tornaria seu próximo álbum, mas faleceu repentinamente aos 27 anos em 4 de outubro de 1970 - 16 dias após Jimi Hendrix morrer após ser sufocado pelo próprio vômito - sofreu uma overdose de heroína, seu LP que viria a se chamar Pearl foi editado em janeiro de 1971. Mas, quanto ao LP que gravou ainda com a Big Brother, este disco vendeu 1 milhão de cópias e permaneceu no topo dos mais vendidos da Billboard durante um período, veio a figurar na lista de melhores álbuns nos anos 60 e em 2003 entrou para a lista da revista estadunidense Rolling Stone dos 500 Melhores Álbuns de Todos os Tempos no 338° lugar, e também estando em uma das grandes listas respeitadas ao redor do mundo, dos 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, e segue totalmente atual como nunca.  
Set do disco:
1 - Combination of The Two (Sam Andrew)
2 - I Need a Man to Love (Sam Andrew/Janis Joplin)
3 - Summertime (George Gershwin/Ira Gershwin/ Heyward)
4 - Piece of My Heart (Bert Berns/Jerry Ragovoy)
5 - Turtle Blues (Janis Joplin)
6 - Oh Sweet Mary (Peter Albin/James Gurley/David Getz/Sam Andrew/Janis Joplin)
7 - Ball and Chain (Big Mama Thornton)
FAIXAS BÔNUS PRESENTES NA REEDIÇÃO EM CD DE 1999:
8 - Roadblock (Janis Joplin/Peter Albin)
9 - Flower In The Sun (Sam Andrew)
10 - Catch Me Daddy (Peter Albin/James Gurley/David Getz/Sam Andrew/Janis Joplin)
11 - Magic of Love (Mark Spoelstra)

as faixas 10 e 11 foram gravadas ao vivo no The Grande Ballroom em Detroit (Michigan) em 2 de março de 1968

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