Um disco indispensável: Bring It All Back Home - Bob Dylan (Columbia Records, 1965)

No final de 1963, o mundo já estava descobrindo a poesia, a voz e o talento do jovem rapaz de Duluth que falava sobre o vento que soprava as resposta, criticava a Guerra do Vietnã em suas diversas músicas e tinha uma comparação no início a um jovem Woody Guthrie, seu ídolo e a quem tanto reverenciava em seu começo de carreira - e embora seja raro dar entrevistas, ele ainda chega a relembrar sobre um dos caras que ajudou na sua formação artística e intelectual, aos poucos começava a se desvincular da imagem que haviam colocado nele. Começara a mudar aos poucos, embora seguia a fazer seus shows ao violão e ora tocando ao lado de Joan Baez, uma das musas do cantor ao longo de sua trajetória e também responsável por propagar sua música, vindo a entrar em tournée com ele novamente 12 anos depois, quando ele incorporou a Rolling Thunder Revue meses após o álbum Blood on The Tracks ter sido lançado - mas aí já é uma outra história que contarei mais adiante. Mas, a partir de 1964, ele já mostrava-se muito diferente do que quando começou a aparecer no cenário nova-iorquino, cantando em defesa de um povo oprimido da América, agora começava a apontar o dedo para as autoridades e sendo duro na queda, e iniciara também um flerte com a guitarra elétrica, mas ainda fazia seus shows com violão, e começava a falar que The Times They Are-A Changin' - os tempos estavam a mudar no mundo todo, a música do álbum homônimo de 1964 mostrava um Dylan evoluído poeticamente, e ao mesmo tempo que levava sua música para lugares como a Inglaterra, já em sua segunda viagem ao país, lá viu também o estouro de bandas como Rolling Stones, The Who, The Kinks, Yardbirds e os Beatles - uma boy band onde os quatro tocavam, cantavam e conquistavam o coração de moças do mundo inteiro, além de muitos rapazes quererem ter o estilo deles, o cabelo e tocarem igual a eles. Dylan ainda chegou a gravar um álbum ao vivo antes, em 1963, que levaria o nome de Bob Dylan In Concert, mas depois de uma passagem por Paris e depois na Grécia, volta aos estúdios em junho e com o produtor Tom Wilson comandando tudo, ele grava em duas noites as 11 faixas de Another Side of Bob Dylan, que a crítica não entendeu muito à época, mas ajudou ele a mostrar que ainda tinha coisas a cantar, mesmo com um álbum feito às pressas, esse álbum encerra o seu papel de trovador raiz acústico, e dali em diante, tudo mudaria da noite pro dia. Então, quando 1964 ainda estava acontecendo, a América recuperava suas esperanças após a morte de John Fitzgerald Kennedy, ele saía do seu relacionamento com Suze Rotolo, produzia seu livro Tarantula - publicado apenas em 1971, partiu em tournée à Inglaterra, onde ainda participou de programas como o Tonight, da BBC TV e sendo criticado, alguns comentários foram louváveis sobre seu talentos, outros duvidavam dele, alguns com ironia "Nada de voz - mas que cantor" no London Daily Sketch, e foi defendido pelo gigante do folk e do country, Johnny Cash - que publicou na Broadside um artigo onde dizia "Cala a boca! [...] e deixem-no cantar!" e mostrava-se numa pegada mais aproximada do blues em mais uma performance do Newport Folk, marcado por controvérsias devido à sua conexão com o blues, e também o ano de 1964 teve um encontro inesperado, em um hotel de Manhattan, apresentados por Al Arnonowitz, ele conheceu os Beatles e sacou do bolso um cigarro de maconha (sim!) achando que eram íntimos da droga, pois interpretou em I Want to Hold Your Hand o verso "I get high" ao invés de "I can't hide" e dali veio a surgir uma amizade com o quarteto de Liverpool que mudou os rumos da música de ambos.
Novamente, volta ao estúdio, nos dias 14 e 15 de janeiro de 1965 com algumas das canções compostas entre 1964 e o começo do ano e vai para os estúdios da Columbia Records em New York com Tom Wilson na produção e acompanhado de alguns músicos como John P. Hammond na guitarra, Paul Griffin nos pianos, Bobby Gregg na bateria, John B. Sebastian no baixo e Al Gorgoni na guitarra entre outros, além de Dylan não somente assumindo de vez a guitarra elétrica, mas também tocando piano - e assim veio o álbum Bring It All Back Home, editado em 22 de março daquele ano. O álbum inicia-se com um rockão de peso, inspirado em Chuck Berry, nascida do poema Baby Back - estampada em Another Side, e de Motorpsycho Nightmare, estou falando de Subterranean Homesick Blues, um tema onde usa imagens do cotidiano e remetendo a imagens aceleradas de policiais, funcionários e promotores públicos em uma perseguição de cinema mudo, de acordo com seu biógrafo Robert Shelton (1926-1995) no livro No Direction Home, que conta a história dele até 1978; na sequência, aparece uma canção cujo andamento nos faz soar como uma valsa, falo sobre She Belongs to Me, e também mostra ser o contrário das canções de amor onde narravam seus amores juvenis, amadurecendo o formato, com uma guitarra que complementa o violão reinando na parte instrumental; na próxima música, uma pegada bem elétrica ajuda Maggie's Farm, originalmente surgida em 1961 como Hard Times in the Country, uma canção de protesto rural sobre a vida dura de um arrendatário de terras explorado pelo proprietário, e mantendo a linhagem poética, aqui é uma canção onde ele condena todo trabalho exagerado e profere uma espécie de independência contra a conformidade, o tema veio a ser muito presente no repertório de seus shows; ainda que ele fosse, segundo Shelton, o inventor das anticanções de amor, ele parecia buscar nos sonhos a mulher fiel - como no caso de Love Minus Zero, a baladinha em que ele procura a tal mulher para evitar os jogos traiçoeiros do amor neurótico e competitivo, e com um solo de gaita que não faz feio; em diante, contamos com um tema cheio de tons satíricos com muitas letras de blues - logo este tema chama-se Outlaw Blues, que na sonoridade apresenta um ritmo bem primitivos de rhythm 'n' blues e calcado numa pegada bem similar com a de Berry no arranjo; para a próxima faixa deste brilhante disco, algumas histórias bem a cara do interior da América, On The Road Again mostra coisas como um pai que veste uma máscara de Napoleão, leiteiro vestindo um quepe, carteiros e açougueiros briguentos, sapos dentro de meias, ou seja: mais um dia tranquilo em uma fazenda fantasmagórica, com uma pegada bem roqueira na sonoridade e a guitarra ajuda muito na harmonia da canção; logo depois de ter feito em seu segundo álbum de grande sucesso The Freewheelin' Bob Dylan a faixa Bob Dylan's Dream, ele ultrapassa 113 sonhos neste disco para cantar Bob Dylan's 115th Dream, que na gravação eles chegam a se perder e Dylan começa a rir, assim como Wilson - e esse clima manteve-se na entrada do tema, na qual ele une essa ligação de perseguições de comédias mudas inspiradas na série Keystone Kops, uma dose extrema de sagacidade perdura nos mais de 6 minutos e 25 segundos da faixa, e a banda dá um show aqui, fechando o lado A do disco.
Com o produtor Tom Wilson em 1965
E para o outro lado do bolachão, contamos aqui com o clássico do poeta de Duluth, até hoje presente nas playlists  canções favoritas de muita gente, logo Mr. Tambourine Man, uma canção em que nos seduz não só por aquela levada de violão ou pelo solo de gaita, mas pelos versos que canta, a beleza poética ou nem tanto caso não curta muito, e alguns versos trazem referências como As Confissões de Um Comedor de Ópio, escrito pelo inglês Thomas De Quincey e ainda cita um dos filmes do italiano Federico Fellini (1920-1993), o cultuado La Strada (1954) e também o músico Bruce Langhorne em uma sessão com um tamborim gigante como inspiração, e pensamos às vezes que Dylan possa ser o tal Mr. Tambourine Man que toca uma canção para nós, nos deixando fazer esquecer o dia de hoje, e sabendo que amanhã terá outra canção para a gente - esta é a certeza final; já adiante, contamos com um tema cheio de referências bíblicas e literárias - é assim que vemos Gates of Eden com seus quase 6 minutos e fala sobre o que não é o Éden, e sobre este mundo com ilusões falsas e essa ligação sobre o que pensamos da vida após a morte, com forte influências de William Blake presente nos versos da música - uma pista decifrada de cara; ainda no repertório temos também uma das faixas mais longas do álbum, que é It's Alright Ma (I'm Only Bleeding), um tema que desmistifica o fato de Dylan ter esquecido a consciência social, antevê a revolução sexual, critica algumas senhoras dos tempos de Hibbing e nos faz questionar se Dylan está ou falando de si próprio ou descrevendo a desgraça de quem está ouvindo? Fica a dúvida. E o álbum encerra com uma das mais puras canções cheias de sentimentalismos e de dores, falo sobre a bela It's All Over, Baby Blue que têm essa característica bem profunda e veio a aparecer com mais peso ainda essa sensação dez anos depois, quando no fim de seu casamento com Sara Lowndes mr. Zimmerman edita Blood on the Tracks, o chamado disco do divórcio - mas aí já é uma outra história. Seu álbum causou um choque imenso entre público e crítica, esperavam menos do que aquele peso todo, a inclusão de guitarra elétrica e tudo, mas graças ao pessoal dos Byrds - um conjunto que estava estourando naquele momento - que regravou Mr. Tambourine Man e ajudou Dylan a conquistar as paradas também. Na época havia feito também um clipe de Subterranean Homesick Blues onde usava a estética de filme mudo, preto-e-branco, enquanto segurava placas escritas e contava com o poeta Allen Ginsberg em um momento. A capa, uma das mais icônicas e inovadoras na sua discografia, não trazia os nomes das faixas, sugestão de Grossman que deixou a Columbia implicando, e destacava uma fotografia de Daniel Kramer, que criou um aparato para girar a lente da câmera lentamente e embaçar os cantos para parecer que o Universo estava se movendo ao redor de Dylan e da esposa de Albert, Sarah Grossman, que aparece de vermelho na capa enquanto Dylan larga a imagem de personagem do povo com vestes de dândi, segurando um gato chamado Rolling Stone entre discos de Ravi Shankar, Impressions, Eric Von Smith e Robert Johnson, além de uma revista Time de 1° de janeiro de 1965 com Lyndon Johnson, presidente estadunidense à época, estampando a capa da revista - uma simples tradução do universo dylanesco e sua intimidade resumidas em uma imagem, possivelmente. Este álbum pode ser visto em diversas listas especialistas em rock, folk, música dos anos 60 e em um pouco de tudo, como na lista dos 500 Melhores Álbuns de Todos os Tempos da revista Rolling Stone, e também na outra lista onipresente deste blog, a dos 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, destacando o grande salto de Dylan no início do que chamamos de a fase elétrica de sua trajetória. 
Set do disco:
1 - Subterranean Homesick Blues (Bob Dylan)
2 - She Belongs to Me (Bob Dylan)
3 - Maggie's Farm (Bob Dylan)
4 - Love Minus Zero (Bob Dylan)
5 - Outlaw Blues (Bob Dylan)
6 - On The Road Again (Bob Dylan)
7 - Bob Dylan's 115th Dream (Bob Dylan)
8 - Mr. Tambourine Man (Bob Dylan)
9 - Gates of Eden (Bob Dylan)
10 - It's Alright Ma (I'm Only Bleeding) (Bob Dylan)
11 - It's All Over, Baby Blue(Bob Dylan)

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