Um disco indispensável: The Freewheelin' Bob Dylan - Bob Dylan (Columbia Records, 1963)
Após a repercussão do seu primeiro disco, lançado em 1962, o jovem poeta de Duluth, cidadezinha do Minnesota, que chegara nas terras populosas de New York como um forasteiro numa cidade do Velho Oeste, andou por bares e festivais e conquistou rapidamente os norte-americanos com sua poesia, e tendo como suas maiores referências musicais o cantor Woody Guthrie - ídolo a quem a mídia o comparava nos primeiros anos de carreira e com quem teve contato, o cantor Hank Williams, Leadbelly, Blind Lemon Jefferson e escritores como Dylan Thomas (a quem o músico pegou o primeiro nome e colocou como sobrenome), Allen Ginsberg (maior dos seus ídolos literários e amigo), Jack Kerouac, Walt Whitman, Arthur Rimbaud entre outros, formavam os gurus e as mentes brilhantes por trás do gênio de Bob Dylan, que estava se tornando figurinha carimbada no festival de folk em Newport, sempre aberto a temas politizados e já fazia canções em cima das questões sobre a segregação que ainda existia nos EUA, a polêmica guerra do Vietnã e a convocação obrigatória dos jovens, além dos direitos eram o que mais se ouvia nas canções entoadas pelo músico. A Columbia Records não esperava que o jovem rapaz fosse se tornar um grande ícone da música e o mundo não imaginava que depois dos mais de 50 anos de história, ele seria laureado com um Nobel de Literatura, sendo assim um caso raro de um músico ser consagrado nessa categoria, e hoje ele segue a ser um exemplo de inspiração para os compositores e vários músicos na atualidade. Na época do seu primeiro disco, ele não havia chamado tanta atenção, e por pouco que desiste da música, porém tendo a força do Broadside, do empresário Albert Grossman, do pessoal do Greenwich Village e também do produtor John Hammond Jr., que levara o músico para o cast da gravadora Columbia, no qual permanece até hoje, ele seguiu firme. E logo adiante, o bardo judeu acabaria partindo para o estúdio novamente, cheio de letras novas, e vivendo momentos brilhantes, e um pouco tenso: na oportunidade de fazer um grande impulso nacional, acabaria tentando a grande sorte de levar seu trabalho para milhões de lares americanos através do programa de Ed Sullivan, mas devido a uma música que havia versos que haviam citações a um dos membros da John Birch Society, uma organização política de direita, sofreu o temido veto e assim não tivemos o grande Zimmermann com sua poesia para encantar a audiência. Mas, no meio do caminho, Grossman tentava convencer o músico de deixar a Columbia Records, e mesmo assim ele se sentia bem fazendo seus trabalhos lá. E mesmo com o resultado baixo das vendas do seu primeiro disco, e toda essa série de estranhamentos da fama que ele obtivera, seguiu em estúdio e com Hammond mais o produtor Tom Wilson, que trabalharia também ao lado de Velvet Underground, Sun Ra, The Mothers of Invention, Soft Machine, Simon & Garfunkel dentre outros. Mas, primeiro, Hammond teve de convencer os chefões do selo de que o próximo disco do "novo Woody Guthrie" seria um grande sucesso, e não estava errado: com The Freewheelin' Bob Dylan, mantendo sua linguagem poética e séria com vários temas a serem debatidos através de suas letras, ele iria além do que se imaginava.
Politizado e rebelde como sempre, o músico não perde a oportunidade de usar sua poesia, seu violão, sua harmônica para dar voz aos que mais precisavam, os que estavam contra os massacres promovidos na Guerra do Vietnã, os negros que combatiam a segregação racial estavam em busca de novos hinos do então jovem poeta. A capa do disco tem o clique de Dylan e sua então namorada Suze Rotolo feito pelo cara que já fotografou para Miles Davis, Thelonious Monk, Jaco Pastorious, entre várias outras capas, o lendário fotógrafo Don Hunstein - falecido em março recente -, colocou um momento bem à vontade de Dylan acompanhado de Suze caminhando pela região da 161th West Fourth Strit no frio neoiorquino em fevereiro daquele ano, e coincidência é que o estúdio fotográfico e o prédio da CBS ficavam bem pertos um do outro, e a imagem mostrava um Dylan muito diferente daquele que cantava sobre guerra, temor nuclear e racismo: a capa o trazia sereno, romântico e pleno ou seja: uma face mais doce do cantor. A imagem se tornou uma das mais inesquecíveis e foi revivida em uma das cenas do filme Vanilla Sky (2001) de Cameron Crowe com o mesmo cenário dos carros e prédios e Tom Cruise se sentindo Bob enquanto Penélope como Suze e qualquer comparação da foto da capa com a da cena é mera semelhança sim, e quem não entendeu a referência, põe o nome do disco com o do filme e veja como eles conseguiram ter audácia de fazerem isso. Bom, vamos em frente falando do álbum e direto na faixa que abre o disco e tornou-se seu hino maior da trajetória musical, estamos falando logo de Blowin' in the Wind, composta em 1962 sendo nada mais, nada menos que uma adaptação de um spiritual anti-escravatura chamada No More Auction Black, e que, além de ser descrita como uma canção de protesto, ela tratava questionamentos sobre paz, guerra e liberdade e que foi sucesso inicialmente com o trio Peter, Paul & Mary que ajudara a converter em um dos grandes clássicos da música no século XX, além de ser um dos cantos universais mais marcantes que ganharia versões como dos jovens e não tão conhecidos ainda Bee Gees, da parceira Joan Baez, Stevie Wonder e que ganhou adaptações para vários idiomas, inclusive o português - sim, a música ganhou duas versões em português, uma da baiana Diana Pequeno lançada no fim dos anos 1970, que mantêm o título em inglês, e outra do queridíssimo Zé Ramalho, lançada em 2008 num álbum onde interpretava canções do bardo intitulado Tá Tudo Mudando - Zé Ramalho Canta Bob Dylan com o nome de O Vento Vai Responder, mas aí já é outra história; em seguida temos aqui outro tema clássico que, segundo Keith Richards, carrega todos os elementos de uma bela composição folk sem ser preciosa - e nós estamos falando de Girl from the North Country, com uma narrativa sobre uma saudade ardente, e segundo o lendário guitarrista, o cara absorveu influências de canções folk anglo-celta e que teria supostas indiretas a Echo Helstrom, uma antiga namorada dos tempos de Hibbing, pois mal se trata da própria e possivelmente uma certa Bonnie Beecher, uma atriz que fez muita fama nos anos 60, essa canção seria reutilizada seis anos depois em um dueto com Johnny Cash em seu clássico Nashville Skyline, cuja resenha pode ser lida aqui neste link, enfim, muito se diz bem deste tema por sua originalidade poética de qualidade primorosa de sempre; em seguida, nós temos aqui um ataque à indústria bélica e que soa como o medo de um holocausto nuclear: esta, meus amigos, é Masters of War: um tema que clamava os horrores provocados pelas armas, e diferente das canções tradicionais que tratavam deste tema e atacavam mais os líderes políticos e generais, aqui são os fabricantes delas (as armas) e encerra dizendo que no final pretendia visitar os túmulos para ver se estavam mortos mesmo - o que soa tão macabro quanto as cenas mais tensas do filme Suspiria (1977) do italiano Dario Argento, sério mesmo; logo adiante, contamos com Down the Highway, um blues de 12 compassos pode soar como uma peça excelente, aonde o músico com sua gaita e seu violão além de sua voz anasalada narrando sobre a partida de seu amor (leia-se: Suze quando foi viajar para a Itália por um breve tempo) sem perder toda a sua essência e deixando rolar solta numa boa os versos; e se você acha que é pouco para os seus ouvidos, então você não ouviu ainda a narrativa cantada em Bob Dylan's Blues, onde ele cita o lendário Cavaleiro Solitário ou seja, Zorro e seu parceiro Tonto em uma breve narrativa sobre a história do folk em distintos tempos com uma veia satírica em um tom nonsense, soando como um cutuque à indústria fonográfica na introdução falada, mantendo o equilíbrio entre o vocal e a gaita sem deixar tropeços aqui; a seguir, contamos com um tema clássico do grande poeta de Duluth, eleita a 2ª maior canção dele, e que também marcou gerações com seus versos emblemáticos, é claro que nós estamos falando de A Hard Rain's a-Gonna Fall, e sua letra que inovaria o universo musical do folk, recheada de visões meio medonhas: crianças armadas, árvores lacrimejando sangue, dando um sinal de que tempos de guerra piores ainda estavam por vir, mas não se dizia quando .
E o lado B do disco já abre com outra música que traz como inspiração a ida de Suze para a Europa é Don't Think Twice, It's Alright - um tema que merece ser destacado pela sua melodia indescritível, apenas apreciamos as coisas cantadas por ele; as lembranças de quando ainda vivia no Minnesota e um breve retorno ao seu lar com uma visão diferente do passado, mas guardando coisas da infância, esta é Bob Dylan's Dream, que não chega a ser um grande tema segundo o biógrafo Robert Shelton, mas vale muito a pena dar uma ouvidinha neste tema; e como falamos anteriormente, o disco traz questões raciais, etc. e tal, e logo nós somos surpreendidos por Oxford Town têm como base a história de James Meredith, o primeiro negro a se inscrever na Universidade do Missisippi, em Oxford e que entrara lá com dois guardas o acompanhando, mesmo com uma letra politizada, carrega um tom mais alegre pela levada - meio estranho até; em diante, nós temos aqui Talkin' World War III Blues, que o título já entrega direto uma visão fantasiante do cantor sobre a 3ª Guerra Mundial, digna de deixar Guthrie orgulhoso por buscar as referências, pondera uma letra tão forte ter um quê de satírico sem perder o rumo das coisas e ganhando mais a atenção dos nossos ouvidos; e continuando aqui o bailado de canções, contamos com uma canção tradicional americana que ganhou uma bela versão, intitulada Corinna, Corinna, onde o músico está acompanhado de uma banda, que fora gravada anteriormente em um compacto e que diferente da versão apresentada, aqui ganha um corpo instrumental mais aberto que faz um bom trabalho acompanhando o cantor, apenas isso; na sequência contamos com outra música que não seja totalmente do próprio Bob Dylan, com base em uma música escrita pelo lendário bluesman Henry Thomas (1874-1930?), intitulada Honey, Just Allow Me One More Chance, que o músico aprendera - segundo o próprio - de uma gravação anônima de blues oriunda do Texas, mas sua versão deve-se a um certo Jesse Fuller, que cantava a tristeza de um jeito único, ou seja, há mais coisas de influentes no universo musical dylanesco que se possa imaginar; e o disco encerra com uma belíssima peça sonora dele, intitulada I Shall Be Free, onde o músico recria aqui uma canção de Leadbelly intitulada We Shall Be Free com toques de anticlímax, mediano, e que coloca um fim neste grande trabalho do mestre Dylan de vez. No mais, o disco é uma obra-prima por si, porém sofreu fortes alterações após quatro canções no começo por não terem sido compreendidas e que tinham sérias críticas, como Takin' John Birch Blues, Gambling Willie's Dead Man's Hand, mais Rocks and Gravel e também Let Me Die in My Footsteps aparecem em prensagens iniciais, sendo consideradas peças raras até hoje e por isso teve de ser gravada uma série de quatro faixas novas, como Girl from the North Country, Masters of War, Talkin' World War III Blues e Bob Dylan's Dream, sendo essas do repertório do disco até hoje. Enfim, o disco se tornaria um grande sucesso logo após o estouro da faixa inicial do disco e suas regravações e o mundo conheceria definitivamente o jovem poeta, o seu lugar na história da música foi inscrito através deste álbum, e o mais favorito de todos da fase acústica segundo especialistas em Dylan. Pondera o disco ter tido tanta relevância, ele foi o mais lembrado em listas sobre discos dos anos 60, estando entre até os 20 mais importantes álbuns da década, ele também foi lembrado numa lista de enorme relevância feita pelo jornalista Robert Dimery, o popular 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer (o qual eu sempre cito às vezes). E a revista Rolling Stone a aclamou na posição de número 97 da lista dos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos, mostrando o grande valor que esse disco segue tendo 54 anos depois de seu lançamento.
Set do disco:
1 - Blowin' in the Wind (Bob Dylan)
2 - Girl from the North Country (Bob Dylan)
3 - Masters of War (Bob Dylan)
4 - Down the Highway (Bob Dylan)
5 - Bob Dylan's Blues (Bob Dylan)
6 - A Hard Rain's a-Gonna Fall (Bob Dylan)
7 - Don't Think Twice, It's Alright (Bob Dylan)
8 - Bob Dylan's Dream (Bob Dylan)
9 - Oxford Town (Bob Dylan)
10 - Talkin' World War III Blues (Bob Dylan)
11 - Corinna, Corinna (música tradicional, adaptada por Bob Dylan)
12 - Honey, Just Allow Me One More Chance (Bob Dylan/Henry Thomas)
13 - I Shall Be Free (Bob Dylan)
"Meu primeiro álbum não foi tão bom? Então vamos fundo pra fazer coisa melhor ainda" |
Com Joan Baez em 1963, sua amiga e parceira de trajetória artística em ação no festival de Newport em um de seus duetos. |
Set do disco:
1 - Blowin' in the Wind (Bob Dylan)
2 - Girl from the North Country (Bob Dylan)
3 - Masters of War (Bob Dylan)
4 - Down the Highway (Bob Dylan)
5 - Bob Dylan's Blues (Bob Dylan)
6 - A Hard Rain's a-Gonna Fall (Bob Dylan)
7 - Don't Think Twice, It's Alright (Bob Dylan)
8 - Bob Dylan's Dream (Bob Dylan)
9 - Oxford Town (Bob Dylan)
10 - Talkin' World War III Blues (Bob Dylan)
11 - Corinna, Corinna (música tradicional, adaptada por Bob Dylan)
12 - Honey, Just Allow Me One More Chance (Bob Dylan/Henry Thomas)
13 - I Shall Be Free (Bob Dylan)
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