Um disco indispensável: Are You Experienced - The Jimi Hendrix Experience (Track Records/Polydor Records/Reprise Records, 1967)

Esta é a capa da edição inglesa, lançada pela Track/Polydor
Na cena roqueira de 1966, conjuntos musicais fugiam das mesmices e buscavam irem mais fundo nas sonoridades, e acabavam deixando o clima monótono para caírem de vez no conceito que ia ganhando mais potência: sexo, drogas e rock 'n' roll - o novo barato da juventude. E não era só a onipresente maconha, mas os ácidos como o lisérgico dietilamida, o famoso LSD - inventado pelo suíço Albert Hoffmann e experimentado pelo próprio descobrindo os efeitos após um passeio de bicicleta em 1943, tornou-se mania apenas mais de 20 anos após a descoberta e se tornou o queridinho dos músicos, e com o LSD, novas experiências sonoras aconteceriam e nascia uma nova fase do rock: guitarras distorcidas, influências das músicas feitas no Oriente e da dodecafonia, inclusive da vanguarda - o que tornou possível uma série de mudanças no ambiente cultural, e inclusive as artes ganhariam tons e um estilo mais aberto e solto: assim surgia a onda psicodélica, baseada nos movimentos de contracultura, e vários expoentes do movimento conquistariam o mundo com suas alquimias sonoras viajantes e que seguem a atravessar gerações e influenciar uma galera atual. De vários personagens desta cena que revolucionaram na música, um destes é James Marshall Hendrix, ou simplesmente Jimi Hendrix, nascido na cidade de Seattle no estado norte-americano do Washington em 27 de novembro de 1942, era mais que um mero músico - era uma lenda da guitarra, um mestre soberano em quebrar barreiras e ir além dos extremos, colocou sua magia nas cordas da guitarra e entrou para história rapidamente transbordando harmonias. Canhoto talentoso, o jovem James aprendeu a tocar sozinho depois que ganhou um ukulele de seu pai, quando trabalhavam juntos na sucata e que só tinha uma corda, mas se encantara mesmo assim e depois juntara dinheiro para comprar uma guitarra acústica, aperfeiçoando-se mais ainda. Partira para o Exército - servira como paraquedista em Nashville, capital da música e do country no Tennessee, e embora tenha se alistado como voluntário, nunca combateu na Guerra do Vietnã, mas permaneceu nos EUA e foi dispensado depois de fraturar o tornozelo em um salto. Após a fase de militar, ele acompanhou o pianista Little Richard - que tinha se convertido cristão na época, e fez parte da banda de Curtis Kinght & The Squires e logo depois formara uma banda em 1965 chamada Jimmy James & The Blue Flames, com uma breve temporada no Cafe Wha? em New York, onde ele tocava e fazia de lar, conheceu por lá um sujeito cabeludo, com bigode e cavanhaque quadradão: esse era Frank Zappa, que apresentara a mais nova tecnologia das guitarras, o inovador pedal wahwah - peça que tornaria seus números musicais verdadeiras obras-primas executadas em estúdio e ao vivo. Em 1966, enquanto fazia uma apresentação nesse mesmo Cafe Wha?, eis que alguém interessado no som decidira mudar o rumo da história de Jimi, e este alguém era Chas Chandler (1938-1996), produtor e baixista da banda The Animals, que o convidara para ir à Inglaterra e lá, seu nome seria maior mundialmente.
Para que tivesse seu lugar ao sol definitivamente, o canhoto de Seattle precisou se mandar para as terras do Velho Continente, onde lá ele formaria sua banda e impressionaria o público britânico. Mas antes, precisamos dizer que o Blue Flames deixara de existir para dar espaço ao The Jimi Hendrix Experience, e na nova banda haviam o jovem baixista Noel Redding (1945-2003) e o baterista John "Mitch" Mitchell (1946-2008) transformariam o trio em um dos mais emblemáticos dos anos 60, e atraindo fãs famosos, como Keith Richards, Brian Jones e Mick Jagger (Rolling Stones), John Lennon, Paul McCartney, integrantes do The Who, Ray Davies (The Kinks) e um jovem chamado Farrokh Bulsara, que se tornaria o líder de uma rainha dos palcos e do rock and roll. Logo de cara, grava compactos com as faixas 51st Anniversary, Stone Free e uma cover de uma música de 1962 intitulada Hey Joe de um compositor norte-americano chamado Billy Roberts. Foi atrás de vários selos em busca de conseguir um ótimo contrato com gravadora, inclusive pela mesma Decca que recusara os Beatles, quatro anos atrás, recusou ele. E como estava sendo empresariado pelos mesmos managers do The Who, acabou indo para a Track Records, gravadora de Kit Lambert e Chris Stamp, mas nos EUA quem distribuía era o selo Reprise, aquele que o Frank Sinatra fundou no comecinho dos anos 1960 e lançou muita gente boa adiante, mas com uma capa bem diferente - mais coloridona e mais psicodélica. Embora em alguns lugares do resto do mundo, foi distribuído pela Polydor, gravadora que, por muitos anos, fez distribuição internacional dos discos dele com o passar dos anos nos formatos vinil, cassete e CD anos depois até 2010 quando parte de seu catálogo foi levado para o selo Legacy, da Sony e onde permanece até hoje. E a sua popularidade só crescia, e de cara, o compacto com Hey Joe se tornara sucesso absoluto, e de outubro de 1966 a abril de 67, compusera e criara uma série de músicas  com Chas Chandler pilotando a mesa de som ao lado de engenheiros como David Siddle, Mike Ross e Eddie Kramer (com quem Hendrix fundaria em New York dois anos depois o estúdio Electric Lady e trabalhando com vários nomes da música, inclusive um tal de Led Zeppelin aí), cada um cuidando de determinadas músicas em sessões no De Lane Lea Studios, CBS Recording Studios e no lendário Olympic na capital inglesa. Assim nascia o álbum de estreia e o clássico de uma das maiores lendas do rock, do blues elétrico, da guitarra e por que não da música? Com o lançamento em 12 maio, o álbum Are You Experienced se tornou um grande workshop de guitarras, e assim ampliando seu legado para além dos barulhos, distorções e efeitos que influenciaram um sem-número de músicos. É aclamado como um dos melhores discos de estreia da história da música, e também um papel importante para a cultura psicodélica que hoje é reverenciada ao redor do mundo. É claro que, nos EUA, a ordem de faixas é diferente e muitos fãs assumem gostar da edição britânica, mas quem somos nós para dizer qual é a melhor versão, portanto, como foi lançado primeiro na terra do chá e das raízes do futebol, ficamos com o original mesmo.
Capa da edição americana, lançada em agosto de 1967 pela gravadora
Reprise Records, nesta continha as inéditas "Purple Haze" e "Hey Joe".
E como se trata de uma experiência, vamos indo experimentar essa lisergia sonora com a faixa que nos apresenta um pouco essa jornada doida, e estamos falando de Foxy Lady, que nos traz um fuzz delirante e que acaba jogando a gente para outras galáxias, e não tem como se perder nesse caminho, só sentir a vibe e acompanhar o mestre com seu som, apenas; em seguida, nós contamos com Manic Depression, e sua levada jazzística bem eletrificada, barulhenta que trata sobre estar tedioso e deprimido, na qual ele pretende em desligar-se e afundar profundamente, e bota bem profundo nisso; e logo na sequência, Red House acaba mantendo essa essência, esse gosto ácido do som pode nos encantar e seguir por milênios em nossos ouvidos cuja letra se trata de uma mulher que não ama mais o eu-lírico e vai embora - segundo Redding, essa seria uma ex-namorada do músico na época da escola, pra quem estiver interessado na história por trás dessa canção está aí uma curiosidade importante; a próxima canção é um blues-rock funkeado total, de atmosfera chapante e dando um astral mais vivo para a base, Can You See Me? é uma excelente peça sonora do álbum que não decepciona a gente e que traz um toque de Midas nas cordas da guitarra, e vale destacar as batidas de Mitchell aqui neste tema que os ares são mais rockers do que nunca pelo que se nota na audição do disco; e, continuando o bailado, temos Love Or Confusion, que tem um riff bem pegajoso, cheio de feeling e que carrega uma energia forte nos riffs sendo também um grande ponto do disco que merece ser relembrado; não deixando de falar também de outra pérola deste disco que fecha o lado A, intitulada I Don't Live Today, um excelente momento viajante do disco que não deixa a farra terminar e mostra uma boa concepção de base da parte de Noel e Mitch no improviso; e o disco continua a trazer outras delícias musicais, como a equilibrante May This Be Love, sem um riff como ênfase sonora, com percussão e melodias experimentais que lembram um pouco a música indiana (George Harrison entre outros já faziam isso) pela leveza nos acordes; a seguir, temos uma música que já é de erguer labaredas: e esta se chama Fire, com uma pegada totalmente fusion que une o jazz e o rock, e trazendo uma boa sequência instrumental se destacando muito na canção; mais em diante, nós temos uma das canções mais longas deste disco e também uma das mais viajandonas do disco, chamada 3rd Stone from the Sun, aonde há um diálogo de conversa entre Hendrix e Chandler e é quase toda instrumental, e temos também o baixo de Noel Redding ganhando um forte destaque pela sua levada bem grooveante, e ela simula sons espaciais: um space-rock hendrixiano de primeira, meus amigos; na sequência, contamos com a faixa Remember, um blues bem mais cadenciado e suave, dá pro gasto, não nos decepciona como o restante do disco (imagina se nos decepcionasse) e mostra um forte equilíbrio entre o trio no que diz respeito a alquimia musical feita de forma experimental, para ser mais preciso; e para terminar, temos aqui a faixa que começa com um efeito bem inovador na época com as fitas, e soa como o final da jornada maluca, intitulada Are You Experienced?, que se torna um exemplo à parte de como fazer grandes maravilhas na guitarra mesmo sendo canhoto, e provando que a viagem sonora valeu a pena e muito. Engano seu que falamos só das faixas conforme a ordem da edição inglesa, para não decepcionar os milhões de fãs do Hendrix, colocaremos aqui as faixas bônus que vocês encontram na edição dos Estados Unidos e em CD, a começar por Hey Joe: tema composto em 1962 que se imortalizou na voz e nas cordas da guitarra de Hendrix, o primeiro tema gravado em Londres e o primeiro sucesso dele mostram para o que ele veio mesmo; e temos também Stone Free, que fora lançado apenas como single e reaparecera nas edições posteriores em CD mundialmente, traz um baixo pulsante e um forte cowbell que mostram a verdadeira potência dos Experience, com ares latinos até que se tornariam presentes na sonoridade de um certo Carlos Santana (o guitarrista de chapéu e bigode, não o youtuber) mas também um pouco a levada afro, e o jazz em especial; mais em diante, teremos a mãe dos solos de guitarra: estamos falando de Purple Haze, que soa como uma narrativa de viagem de ácido feita pelo próprio guitarrista, nada mais a falar - somente apreciar e curtir de boas esse clássico; enquanto isso, outra que só aparecera nos bônus e em algumas coletâneas ganha destaque também: 51st Anniversary, influenciado um tanto pelo jazz primoroso na introdução, é bem tranquilo o som, mas não chega a decepcionar de jeito nenhum; e se acha pouco, então aprecie um pouco de um clássico que carrega um puro ar blueseiro, estamos falando de The Wind Cries Mary, os três fazem uma baladinha perfeita que é bem animada por um lado, com um momento instrumental de arrepiar total; e para fechar essa série de bônus, outra inédita que só apareceu em coletâneas e só 30 anos depois ganhara espaço na edição, essa é Highway Chile, um blues que lembra Muddy Waters e Chuck Berry ao mesmo tempo, só que mais eletrificado e mais lisérgico do que nunca, provando que Jimi fez muito enquanto esteve presente nesse universo.
O disco conseguiu se tornar uma peça-chave para a nova fase do blues, que havia surgido no comecinho dos 1960 com bandas britânicas redescobrindo as raízes do rock e a música norte-americana que se era feita lá nos primórdios do século XX, até que um breve tempo depois, estas bandas acabaram incluindo elementos diferentes, e Hendrix acabou sendo um dos mais reverenciados nomes do blues. Após sua morte prematura aos 27 anos, em 18 de setembro de 1970, o seu legado permaneceu mais vivo do que nunca, sua discografia acabou meio que fundando uma espécie de escola no mundo das guitarras, na qual haviam discípulos fieis, desde os já mais aclamados passando pelos futuros figurões do instrumento, e rompendo padrões na técnica, como por exemplo, ruídos de microfonia e do amplificador que podiam soar torturosos para a galera purista da época, o que se tornou algo muito inovante no universo da música a partir de então. E sabemos o quanto de listas feitas em sites, revistas especializadas, portais de música todas estas relacionadas aos anos 60 e sempre está destacada ou entre os 20 mais ou em 1º em algumas destas. A lista que destacou de forma grandiosa este disco foi a da revista norte-americana Rolling Stone, nos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos com a 15ª posição e figurando também em outra lista importante, aquela do 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, organizado pelo crítico Robert Dimery e mantendo-se onipresente no universo das guitarras como uma espécie de Bíblia, que merece ser respeitada, cultuada, divulgada e enaltecida depois de 50 anos do lançamento, é um testemunho de uma geração e também mais um registro importante da história no século XX com suas revoluções - sonora, política e social, que impactaram na forma de impressionar o mundo através da música.
Set do disco (11 FAIXAS ORIGINAIS DA EDIÇÃO BRITÂNICA + BÔNUS DA REEDIÇÃO EM CD A PARTIR DE 1997): 
1 - Foxy Lady (Jimi Hendrix)
2 - Manic Depression (Jimi Hendrix)
3 - Red House (Jimi Hendrix)
4 - Can You See Me? (Jimi Hendrix)
5 - Love Or Confusion (Jimi Hendrix)
6 - I Don't Live Today (Jimi Hendrix)
7 - May This Be Love (Jimi Hendrix)
8 - Fire (Jimi Hendrix)
9 - 3rd Stone from the Sun (Jimi Hendrix) 
10 - Remember (Jimi Hendrix)
11 - Are You Experienced? (Jimi Hendrix)
12 - Hey Joe (Billy Roberts)
13 - Stone Free (Jimi Hendrix)
14 - Purple Haze (Jimi Hendrix) 
15 - 51st Anniversary (Jimi Hendrix) 
16 - The Wind Cries Mary (Jimi Hendrix)
17 - Highway Chile (Jimi Hendrix)

Comentários

Mais vistos no blog