Um disco indispensável: Viva a Juventude! - Renato & Seus Blue Caps (CBS Discos, 1965)

Uma curiosidade para a juventude de hoje: você já parou pra pensar que a maioria dos discos da Jovem Guarda têm algo que soam rock brasileiro? Que não adianta passar somente pela fase psicodélica da MPB e do rock, pelo Tropicalismo e dizer que isso é o rock mesmo. Procure ouvir então coisas da Jovem Guarda, meu amigo. Num período em que a bossa nova era o barato da galera e que rock era algo temeroso para o público conservador e purista da música popular brasileira, a triste sensação que se havia era de que o Brasil não podia ficar na mesmice da cena e manter-se no  mesmo padrão que o público mundial. Em comparação, ainda estávamos tendo um passo tímido mesmo, porém tudo mudou depois que em 1963 um jovem capixaba fez acontecer na música com a versão de um hit de Bobby Darin chamada Splish Splash (que levava o mesmo nome em português) e esse era Roberto Carlos, o maior fenômeno da música naquela época, tirava do topo os tradicionais cantores de rádio e os populares da bossa nova, João Glberto um deles, já fazendo sucesso no exterior e vivendo em terras americanas. Com o boom e a conversão de Roberto a ídolo nacional e posteriormente mundial, ele acabou não sendo apenas recordista de vendas de discos na América Latina e no nosso país, ele acabou dando uma forcinha básica para ajudar a fortalecer o rock no país bem muito tempo. Com isso, rádios buscavam se informar mais sobre o novo fervor do rock, e com isso, o auge do rock na boca do povo foi uma coisa impactante, o que se via apenas quando em 1958 e 1959, o pessoal do Betinho & Seu Conhjunto mais Tony e sua irmã Celly e grupos como The Jet Black's, The Jordans entre outros. Celly se tornou uma das primeiras rainhas do rock brasileiro, mas depois que decidiu se tornar mãe e se dedicar à família que estava construindo, o rock teve ainda Sérgio Murilo, mas este teve uma breve carreira internacional e quando voltou ao Brasil, lá estava o capixaba à sua frente que se tornaria um dos maiores cantores da história da música. E com o estouro promovido no final de 1963, a semente da Jovem Guarda aparecia ali, embora o movimento só ganharia frutos em 1965, quando a TV Record decide unir Roberto mais seu fiel parceiro musical Erasmo Carlos, a moçoila Wanderléa já consagrada e para as atrações vários cantores que poderíamos citar aqui nas tardes de domingo. A CBS investia pesado em seu elenco de cantores e conjuntos que faziam parte deste movimento, mas um grupo que merece ser bem destacado aqui nesse post é Renato & Seus Blue Caps, surgida em 1960 pelos irmãos Renato, Paulo César e Edson Barros, e um detalhe: surgiram com o nome de Os Bacaninhas do Rock da Piedade, mas aí censuraram o nome e eis que o apresentador Jair de Taumaturgo (1920-1970) surge como uma luz para ajudar a banda e sugere nomes como Gene Vincent And His Blue Caps: mal demorou para que Renato acrescentsse seu nome e o dos Blue Caps, e deu no que deu. Originalmente, o grupo tinha como integrantes o irmão de Wilson Simonal como saxofonista, Roberto e o baterista Gelson Moraes, que seria substituído por Tony e Gelson retornaria anos depois, embora também já havia passado Cláudio Caribé. Depois de dois discos pela Copacabana, o primeiro intitulado Twist e um segundo homônimo, com um ainda desconhecido Erasmo Carlos na banda substituindo o recém-saído Edson, que partira para carreira solo e mudando seu nome para Ed Wilson, vindo a ser autor de grandes canções e vindo a falecer em 2010.
Renato Barros e Cid Chaves (3º e 4º da esquerda para a direita): os membros
originais do Renato & Seus Blue Caps sobreviveram ao tempo e seguem
levando seus sucessos de sempre para as multidões.
A partir do ano seguinte, o conjunto deixa a gravadora Copacabana e assinam um contrato com a CBS, acompanhando artistas como Roberto Carlos, Wanderléa e também gravar temas em inglês adaptados por Rossini Pinto (1937-1985) o eterno compositor da Jovem Guarda, e já no novo selo, a banda tinha além de Carlinhos na guitarra, o saxofonista Cid Chaves, que também fazia vocais. Após um 1964 cheio de acompanhamentos em gravações, a banda consegue um tempo para gravar o seu terceiro trabalho, em dezembro de 1964 e janeiro de 1965, nascia nos estúdio da CBS o disco Viva a Juventude!, e o conjunto do Rio de Janeiro ganhava enfim, a popularidade e o status de ícones e de uma das maiores bandas do rock brasileiro. Embora se possa notar Tony na bateria, quem gravou e assumiu as baquetas foi o velho conhecido Caribé, e como eram atrações no programa de Carlos Imperial na TV Rio, eles precisavam lançar a versão de alguns hits do novo fenômeno do rock - os Beatles e aqui há muitas versões e canções autorais neste disco. A começar falando sobre o disco, vamos por Negro Gato, o grande hit deste disco, composição de Getúlio Côrtes - amigo e então roadie da banda, segue a pegada que contagia logo de cara e o solo de sax de Cid Chaves é de arrepiar mesmo, merece todo o destaque; a faixa que conquistou fãs dos Beatles e da Jovem Guarda em especial foi a versão que Renato fez para I Should Have Known Better, e que se convertera em Menina Linda, com o arranjo semelhante ao dos ingleses, se torna um destaque à parte desse disco; enquanto isso, a pegada de calipso, surf rock e de twist soam bem a cara daqueles primeiros da banda anos em Tremedeira, versão para uma música famosa naqueles tempos, La Tremarella, sucesso na voz do italiano Edoardo Vianello, até aqui nada mal; e as autorais ganham espaço aqui também, uma delas, do próprio Renato Barros, intitulada Querida Gina, muito bem-aproveitada no repertório aqui, e um ambiente instrumental que agrada nossos ouvidos; em seguida, mais uma cover do quarteto de Liverpool presente neste álbum, agora é I'm Happy Just to Dance With You, composta por Lílan Knapp - futura parceira de dupla com Leno anos adiante, e na época namorada de Renato, deu uma força com a letra de Sou Feliz Dançando Com Você, que acaba também sendo fiel ao original - em termos de poesia e som, pra falar a verdade; em qualquer disco da Jovem Guarda que você for procurar você vai achar alguma música de Roberto e de Erasmo, escritos juntos ou de forma individual, e os dois contribuíram aqui com Gatinha Manhosa, na qual a voz de Paulo Cézar e também a de Erasmo, um ex-Blue Caps que se nota muito a sua presença vocal, embora seu nome não estivesse creditado por estar contratado por outra gravadora (Erasmo assinava com a RGE Discos naquela época), esse pode ser o momento featuring cheio de atmosfera proto soft-rock do disco em consideração; já o lado B do disco, apresenta mais covers e mais inéditas, como a interpretação à brasileira para My Whole World is Falling Down, hit de Brenda Lee que se tornaria aqui Canto Pra Fingir, que tem aqui a tradução feita pelo lendário Rossini Pinto, peça-chave na fórmula de hits da época; e mais uma vez, aquele grupo já citado ganha mais uma versão em português, e a faixa seguinte - Garota Malvada, originalmente I Call Your Name,torna-se uma bela adaptação de Renato, sem deixar passar batido aqui nos nossos ouvidos; adiante, uma autoral da banda, intitulada Os Costeletas, brincava com a moda das costeletas naqueles dourados anos 60, uma letra de tom cômico quase levando o disco ladeira abaixo; em seguida temos uma instrumental, intitulada Fruit Cake que acaba se tornando uma jam session de iêiêiê puro, a batida e o groove soam melhor do que as expectativas de um som repetente, chato e tudo aquilo que pouco se sabe da Jovem Guarda, e fica por isso mesmo; na sequência, a última cover em português do disco é Loop the Loop, que é uma adaptação do sucesso Loop de Loop - interpretada por Johnny Thunder (que não era o ex-New York Dolls) e aqui ganha uma letra que soa parecida com os hits do arrocha, sertanejo e funk: e o pior que soa mesmo; pra terminar o disco, temos aqui Vera Lúcia, uma história de um amor que o deixou, e diz que não consegue mais estudar, e que fora lançada em um compacto que marcou a estreia do grupo na CBS em 64, ainda quando eram só banda de suporte nas gravações.
Como na época, o programa Jovem Guarda só surgiria em agosto daquele ano, o grupo teria uma longa caminhada pela frente, porém gravaria outro disco, intitulado Isto é Renato lançado meses depois: mas aí já é outra história. Originalmente, o disco encerraria com a faixa O Bode e A Cabra, uma sacanagem dos Blue Caps de forma divertida e ridícula ao mesmo tempo para a clássica I Want to Hold Your Hand, mas a gravadora acabou recusando e colocando de última hora Vera Lúcia pra fechar o álbum. O disco foi reeditado várias vezes, uma delas em 2000 no primeiro volume da banda para a série de 35 anos da Jovem Guarda, tendo como faixas bônus uma versão para We Like Birland de Huey "Piano" Smith e também um tema composto por Paquito, Romeu Gentil e Sebastião Gomes intitulado Bigorrilho, que tem uma pegada que antecederia o hardcore (será?), disponíveis no EP que continha Vera Lúcia também. Para o box de 2005 da banda não haveria essas bônus, mantendo a lista de faixas originais, além de um texto do pesquisador e especialista Marcelo Fróes sobre o processo de criação de um dos discos mais importantes do rock brasileiro, que merece todo seu valor e respeito mostrando que o rock brasileiro já era barulheira pura desde muito antes da geração 80 e que se alguma lista dos maiores discos do rock nacional fizer injustiça e ignorar este disco, sabem que estão deixando de lado uma peça importante da história da nossa MPB e do nosso rock n' roll e quem nunca ouviu essa banda e esse disco, façam-nos este favor: ouçam, pois aqui o rock brasileiro já tinha barulheira suficiente pra influenciar e atravessar gerações e segue até hoje, tendo Renato e Cid como membros da formação original que seguem a levar o legado desta banda nos palcos afora sem deixar de ignorar todo o passado e as glórias que esta banda teve nos anos 60 e 70.
Set do disco:
1 - Negro Gato (Getúlio Côrtes)
2 - Menina Linda (I Should Have Know Better) (John Lennon/Paul McCartney, versão de Renato Barros)
3 - Tremedeira (Tremarella) (Edoardo Vianello/Carlo Rossi/Gregorio Alicata, versão de Neusa de Souza)
4 - Querida Gina (Renato Barros)
5 - Sou Feliz Dançando com Você (I'm So Happy Just to Dance With You) (John Lennon/Paul McCartney, versão de Lílian Knapp)
6 - Gatinha Manhosa (Erasmo Carlos - Roberto Carlos) - participação de Erasmo Carlos
7 - Canto pra Fingir (My Whole World in Falling Down) (Jerry Crutchfield/Bill Anderson, versão de Rossini Pinto)
8 - Garota Malvada (I Call Your Name) (John Lennon/Paul McCartney, versão de Renato Barros)
9 - Os Costeletas (Renato Barros/Getúlio Cortes/Carlinhos)
10 - Fruit Cake (B. Tucker)
11 - Loop the Loop  (Teddy Vann/Joe Dong, versão de Rossini Pinto)
12 - Vera Lúcia (Renato Barros - Paulinho)
FAIXAS BÔNUS DA REEDIÇÃO PARA A SÉRIE "JOVEM GUARDA VOLUME 1" DE 2000:
13 - We like Birland (Huey "Piano" Smith/Johnny Vincent)
14 - Bigorrilho (Paquito/Romeu Gentil/Sebastião Gomes)

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