Um disco indispensável: Help! - The Beatles (Parlophone, 1965)

O mundo em 1965 estava se prendendo de amores pelos quatro músicos ingleses, que surgiram de Liverpool para conquistarem seu devido lugar através de seu som, suas vozes e também de um estilo que só eles conseguiram conceber. Já haviam rodado a Europa, os Estados Unidos e agora donos de bilheteria com o filme A Hard Day's Night, lançado em agosto de 1964 com a direção de Richard Lester, o grupo conseguiu mostrar que sabia fazer o papel deles mesmos no cinema com perfeição, sem decepcionar o público. E mais uma vez, o grupo viveria loucas aventuras no cinema, só que desta vez, com mais cores e fugindo um pouco do território britânico e de certos clichês de comédia tradicional, eles rodaram também na Áustria e nas Bahamas, o único país da América fora os EUA que eles conseguiram estar - mesmo que seja apenas para fazerem as filmagens. O filme envolvia um anel que é usado para sacrificar pessoas no universo hinduísta, o anel da deusa Kaili e que está nas mãos de Ringo e para que ele não seja sacrificado, ele e os companheiros precisam ter tempo para se livrarem do anel e entregarem aos servos. Nesse meio-tempo, o grupo acaba fazendo uma série de shows e compondo não somente para Help!, que se tornaria também um disco com parte dos temas do filme e mais outras inéditas, claro, tendo como sempre a santa presença de George Martin por trás da alquimia sonora do grupo. Os estúdios Abbey Road estavam sempre cheios de espaços para que os alquimistas liverpudianos conseguissem realizar mais uma obra-prima de sucesso e mais inspirados com o passar do tempo, e segundo John Lennon, viajados de LSD e muito consumo de maconha, que um poeta do Minnesota apresentaria aos ingleses durante uma das turnês americanas e acabou se tornando presente durante uma fase que fez com que a banda se abrisse para novas ideias, novas formas de verem o mundo e rendendo assim pérolas poéticas da banda que não saem de nossos ouvidos, corações e mente até os dias de hoje, para dizer a verdade.
Erasmo Carlos, Wanderléa e Roberto Carlos em 1966: o Tremendão, a Ternurinha e o Rei
falam sobre Jovem Guarda, programa da TV Record e movimento cujo som carrega muita
influência dos Beatles, que na época estavam em voga com 5 discos e 2 filmes. (Acervo O Globo)
Naquele mesmo 1965, o movimento psicodélico começava a florescer e ganhar forças, mas só ganharia mais exposição e força anos adiante, o folk de Bob Dylan colocava guitarras e era vaiado em todos os lugares, inclusive no Newport Folk Festival onde se consagrara anos antes, agora o feitiço foi contra o feiticeiro e muitos se influenciaram com o que ele fizera, através de discos como Bring it All Back Home e o insubestimável e clássico Highway 61 Revisted, lançados respectivamente em março e agosto daquele ano. Os poderosos e geniais Rolling Stones batiam de frente contra a linha do bom-mocismo no rock e lançaram (I Can't Get No) Satisfaction com uma das mais brilhantes linhas melódicas de guitarra da história. Um grupo também acabara fazendo seu barulho no auge da chamada Invasão Britânica e esse era o The Who com My Generation, o mais novo hino do rock e mostrando uma loucura efusiva no palco com guitarras detonadas e baterias arrebentadas no fim das performances. Os irmãos Davies e seu conjunto Kinks conseguiram também colocar um grande hit para arrebatar e esse era o clássico das guitarras e uma das canções pioneiras do hard rock, do heavy metal e do punk rock: You Really Got Me. Enquanto isso, em terras tupiniquins, uma galera da pesada invadia a televisão pra mostrar que no Brasil se fazia rock, nas tardes de domingo e esse era o programa Jovem Guarda, sob o comando de Roberto Carlos, Erasmo e Wanderléa e também com presença que ia desde bandas como Os Incríveis, Renato & Seus Blue Caps, The Youngsters passando por cantores como Wanderley Cardoso, Rosemary, Sérgio Reis, Martinha e apresentando as faces da MPB como o futuro guru tropicalista Caetano Veloso, a saudosa Pimentinha, nossa gaúcha Elis Regina (que apresentava O Fino da Bossa, também exibido na Record naqueles anos), Wilson Simonal, Jorge Ben entre outros. A música em 1965 acontecia no mesmo ritmo e bandas surgiam na linha dos Beatles - devemos a eles o boom da Jovem Guarda, e o termo ao som que se fazia aqui, o iêiêiê, extraído da canção She Loves You, lançado um ano antes. Enfim, muito se aconteceu de importante na música em 1965 e muito se mudou em questão de meses e semanas, e a coisa só ganharia mais potência, fazendo com que a cena fervesse de bandas que chamavam atenção das rádios, gravadoras e emissoras de televisão que queriam colocar esse som aos olhos e ouvidos de multidões afora por um bom preço.
15 de agosto de 1965, New York, Shea Stadium: um show que o grupo concebera
o que seria mais tarde o "rock de arena": shows em estádios e ginásios
para multidões ao redor do mundo. O show acontecera
 dias depois a estreia de "Help!" nos cinemas e lojas de disco.
E com o filme Help! sendo o primeiro filme a cores da banda, foi também aonde Ringo Starr se destacara na atuação, sendo o Beatle que mais tinha perfil de ator entre os quatro e também o que mais se destacou no elenco do filme. Acabou sendo um grande sucesso entre os filmes, e o disco que foi lançado em 6 de agosto de 1965 acabou sendo um belo exemplo de que o estouro da banda conseguira fazê-los ir mais além, musicalmente e na capa, o quarteto aparece vestidos como na cena de neve nos alpes austríacos fazendo poses sensacionais. O álbum começa com um grito: e Help! parece ser um clamor de ajuda, e aqui os vocais mantêm aquela essência melódica que ronda em várias canções, e a batida fica mais speed, e John canta estar em várias situações difíceis, e os gritos parecem mudar o tom da canção e acaba fechando de forma épica; no decorrer do disco, temos várias outras canções com The Night Before, acaba se tornando um exemplo de como não deixar a vibe se perder e aqui a batida parece soar meio agressiva, sem ficar morno demais, apenas isso; em seguida, John nos apresenta a balada folk intitulada You've Got to Hide Your Love Away, com pegada sonora que chega a lembrar as cantigas do tempo da Idade Média, com a flauta e o dedilhar do violão, e o tom mais acústico nos deixa a se encantar pela melodia; e vocês acham que um disco dos Beatles faltaria a voz e as composições de George Harrison? Engano seu! Aqui ele aparece em I Need You, a letra, feita para sua então namorada Pattie Boyd (com quem se casaria em 1966) consegue até nos agradar e não nos decepciona em nenhum momento; enquanto isso, outro momento aproveitante deste disco é Another Girl, a primeira canção aonde o beatle Paul faz a sua parte como guitarrista solo, e o que chega a passar despercebido são os vocais de John e George dando um toque a mais nessa canção; e falando em toque a mais, o que também acaba sendo a cereja do bolo é You're Going to Lose That Girl,a baladinha pop que John transforma em uma peça-chave do disco - e quem vê o clipe feito para o filme, parece que a canção ali estava sendo feita em tempo real a música; na sequência, temos outro clássico que veio deste disco, mas lançado muito tempo antes: estamos falando de Ticket to Ride, de John, além de ter sido uma das primeiras canções do disco a serem lançadas, foi gravada em fevereiro e lançada em 9 de abril, e surgiu originalmente após pegar uma passagem para Ryde, na Ilha de Wight, outra versão seria de que seria sobre um ticket dado a prostitutas nas terras germânicas Hamburgo, quando a banda ainda era anônima mundialmente - e mais uma vez com Paul mandando ver na guitarra principal, mostrando como um canhoto fazendo o melhor na guitarra dá o primor fechando o lado A com todas as faixas do filme; já o lado B são as músicas que ficaram como novidades para o público, uma delas é Act Nacturally, uma canção que fez sucesso na voz de Buck Owens nos anos 50 mas que só mesmo Ringo Starr pôde tirá-la do anonimato e se imortalizar na sua voz, e aqui o baterista, mais uma vez, não nos decepciona cantando, sendo uma das suas melhores interpretações no grupo; mais outro destaque desse disco é também uma das épicas love songs já feita pela dupla dinâmica do quarteto de Liverpool, em especial por Lennon, e por sinal, a que ele mais odiou ter composto, e esta seria It's Only Love: motivo? Talvez porque ele estava em outra pegada na época, mas isso não tira os méritos de ser uma das melhores canções do disco para alguns beatlemaníacos; em seguida, temos mais outra pérola deste disco que saiu da mente de George Harrison, e esta foi You Like Mee Too Much, com Paul e Martin no piano, nem vamos falar muito da letra e do arranjo, deixe que a música por si já fale; logo mais perto, temos outra pérola que ainda soa como as canções dos primeiros álbuns, mas se renovando um pouco, esta é Tell Me What You See, uma bela sonzeira de qualidade - tanto nos sons quanto na letra, e a fórmula de Lennon/McCartney segue a funcionar mais uma vez; adiante, temos uma outra canção da dupla neste álbum, a única que chega a passar batido nesse disco, e é I've Seen Just a Face, com uma pegada honky tonk, não dá pra falar muito sobre esta canção, mas ela ainda mostra uma pegada diferente das canções tradicionais da banda até então; o tema de grande destaque no lado B neste álbum, do trabalho em geral e da história da banda aparece aqui: Yesterday, composta e executada somente por Paul ao violão, mostra que tudo seria diferente em diante, com uma orquestra de cordas arranjada por Martin e somente voz-e-violão, ele conquistaria o público com sua voz adocicada nesta baladinha soft, que nos emociona até; e para finalizar, um tiro de misericórdia, a última cover presente em um álbum da banda, e recordando os anos de Hamburgo e também do lendário Cavern Club, o grupo traz Larry Williams de volta com Dizzy Miss Lizzy, aonde John berra os versos de um de seus ídolos do rock, que na época havia sofrido um ataque de ostracismo após ter sido preso por tráfico de entorpecentes nos anos 60, mas aqui mostrou que suas canções influenciaram muito o grupo, embora já regravaram em um compacto Bad Boy meses antes, e é com essa canção que fecha a era de covers no disco e abre-se um novo ciclo, musical e artístico na carreira da banda e que previra a mudança sonora realizada no seu sucessor Rubber Soul, lançada em dezembro, mas aí já é uma outra história.
Set do disco:
1 - Help! (John Lennon/Paul McCartney)
2 - The Night Before (Paul McCartney/John Lennon)
3 - You've Got to Hide Your Love Away (John Lennon/Paul McCartney)
4 - I Need You (George Harrison)
5 - Another Girl (Paul McCartney/John Lennon)
6 - You're Going to Lose That Girl (John Lennon/Paul McCartney)
7 - Ticket to Ride (John Lennon/Paul McCartney)
8 - Act Nacturally (Voni Morrison/Johnny Russell)
9 - It's Only Love (John Lennon/Paul McCartney)
10 - You Like Mee Too Much (George Harrison)
11 - Tell Me What You See (Paul McCartney/John Lennon)
12 - I've Seen Just a Face (Paul McCartney/John Lennon)
13 - Yesterday (Paul McCartney/John Lennon)
14 -  Dizzy Miss Lizzy (Larry Williams)

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