Um disco indispensável: Quiet Nights - Miles Davis & Gil Evans (Columbia Records, 1963)

Durante um bom período dos anos 60, o trompetista norte-americano Miles Davis manteve uma parceria com o pianista e orquestrador canadense Gil Evans, na qual se resultou em vários grandes projetos, isso ainda em 1957 no LP intitulado Miles Ahead, que resultou-se atualmente em uma cinebiografia estrelada e dirigida por Don Cheadle, sendo um sucesso de crítica e público desde que foi lançada nas telonas em abril. Os discos feitos mais adiante em conjunto foram Porgy and Bess (1959), o grandioso Sketches of Spain (1960), e claro, como não esquecer deste disco que falaremos agora, o genial Quiet Nights, lançado em dezembro de 1963, traz desta vez um punhado de versões de canções muto conhecidas entre nós brasileiros do trompete de Davis com a orquestra regida por Evans que traz um pouco do nosso Brasil em algumas faixas deste disco. Inspirado com o fervor da bossa nova que invadiu o Carnegie Hall em 1962 com João Gilberto, Tom Jobim, Os Cariocas, Sérgio Mendes entre outros, os EUA se apaixonaram pelo gênero, que tinha raízes no samba e no jazz, apostava num cantor cuja suavidade vocal lembrava Chet Baker e tinha um dom mágico dedilhando acordes no violão (João), um pianista que se tornaria responsável por belas canções que até hoje são lembradas (Jobim), e que inspirou músicos como Charlie Byrd e Stan Getz a lançarem o disco Jazz Samba! naqueles tempos e depois, junto de João, Getz faria um dos discos mais lembrados da música, o lendário Getz/Gilberto (1964) na qual contou com Jobim nos pianos e arranjos, a então esposa de João, dona de uma voz marcante, Astrud, o baterista Milton Banana e Sebastião Neto no baixo, e cuja The Girl From Ipanema levara um Grammy brevemente. O maior instrumentista do século XX, considerado também como o Pelé do jazz, estava em voga e com vários projetos a fazer ao lado de Evans e com o boom do gênero, os executivos da Columbia Records decidiram pressionar os dois para que fizessem algo parecido e assim, no meio de várias decisões, nascia o álbum brasileiro deles, Quiet Nights, tendo Irving Townsend e Teo Macero na produção do disco, alguns dos músicos que participaram das sessões realizadas de julho de 1962 outubro de 1963 foram Ron Carter no baixo, Paul Chambers no baixo, Jimmy Cobb na bateria, Elvin Jones na percussão e Victor Feldman no piano além de um naipe de metais formado por 13 músicos sob a batuta de Gil Evans. Pois bem, vamos indo, faixa por faixa, conhecendo essa obra sensacional do maior músico do jazz que segue a influenciar gerações até hoje.
Miles Davis e Gil Evans no início dos anos 1960. (Divulgação)
Para começar a falar de Quiet Nights, vamos começando pela faixa Song No. 2, que é nada mais que uma adaptação da famosa canção folclórica gaúcha Prenda Minha, aqui com Davis interpretando-a no trompete levando o clássico da música gaúcha para patamares mais diferentes e mais respeitáveis da música ao longo dos anos, fazendo com que 35 anos depois, Caetano Veloso interpretasse a música no seu disco ao vivo com base no arranjo da versão de Davis e Evans trazendo a suavidade do jazz de volta a um público mais moderno; na sequência temos a faixa Once Upon a Summertime, com um tom bem sotisficado e apegado ao cool jazz, onde Miles cria solos em uma canção de Eddie Barclay e Michel Legrand, onde a orquestra e o trompete se mantenham tão em sintonia; logo mais adiante temos Aos Pés da Cruz, clássico de Marino Pinto e de Zé da Zilda que traz um pouco da bossa nova que João Gilberto gravou em Chega de Saudade (1959) e que se converte em algo muito mais diferente e sotisficado, muito comum até no linguajado jazzístico até hoje; ainda temos em diante, uma adaptação impressionante para Adelita, do músico espanhol Francisco Tárrega (1852-1909) aqui convertida pela dupla como Song No. 1, com os metais soando de uma forma potente sem parecer tão redundante demais os arranjos; na próxima faixa, percebe-se uma grande influência da música clássica nos arranjos de Wait Till You See Her, os solos de Miles chegam a parecer algo comparado a uma grande sinfonia, muito comum para discos como os da dupla; ainda temos o nosso clássico do cancioneiro brasileiro, Corvocado, de Tom Jobim, que ganha uma adaptação bem adequada para os ares daquela época, que faria o Maestro orgulhoso de ouvir isto na versão de um dos maiores músicos do século XX onde ele une o cool jazz e a nossa bossa nova em uma sintonia única e própria; o disco encerra com Summer Night, uma das mais belíssimas canções deste disco, com uma base totalmente comportada e um tanto agradável aos nossos ouvidos. Anos depois, quando o conjunto da obra de Davis iniciara mais um processo de remasterização, foi acrescentada uma música intitulada The Time of The Barracudas, que soa como uma jam de quase 12 minutos impressionantes da autoria de Davis e de Evans, sendo um excelente momento inédito deste disco, que trouxe um pouquinho do nosso Brasil no sensacional Quiet Nights, um disco que fará muito a sua cabeça logo na primeira escuta, mesmo com uma duração bem mínima.
Set do disco:
1 - Song No. 2 (Prenda Minha) (canção do folclore gaúcho, adaptado por Miles Davis e Gil Evans)
2 - Once Upon a Summertime (Eddie Barclay/Johnny Mercer/Eddy Marnay/Michel Légrand)
3 - Aos Pés da Cruz (Marino Pinto/Zé da Zilda)
4 - Song No. 1 (Adelita) (música de Francisco Tárrega, adaptado por Miles Davis e Gil Evans)
5 - Wait Till You See Her (Richard Rodgers/Lorenz Hart)
6 - Corcovado (Antonio Carlos Jobim)
7 - Summer Nights (Harry Warren/Al Dubin)
FAIXA BÔNUS DA REEDIÇÃO DE 1997:
8 - The Time of the Barracudas (Miles Davis e Gil Evans)

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