Um disco indispensável: La Hija de La Lágrima - Charly García (Columbia, 1994)

Em 1993 após a malsucedida reunião do Serú Girán que resultou em um show no estádio River Plate, dois projetos com o ex-baixista do Serú, Pedro Aznar, na qual se resultou na reunião do Serú, Charly García decidiu se focar em seu trabalho solo, que só trouxe bons resultados, desde que lançou Yendo de La Cama Al Living em 1982, seguido da trilha sonora que fez para Pubis Angelical, lançado em álbum duplo naquela época, e dali só vieram sucessos em Clics Modernos (1993), Piano Bar (1984), Parte de La Religión (1987), Como Conseguir Chicas (1988) e Filosofías Baratas y Zapatos de Goma (1990), depois veio os projetos Tango 4 e Radio Pinti, ambos em parceria com Pedro Aznar, o último contou com o humorista Enrique Pinti. Em 1993, Charly decidiu começar a trabalhar em uma ópera-rock, algo que foi feito mais por artistas do idioma inglês, como os Pretty Things em S.F. Sorrow (1968) ou os Kinks em Arthur (Or To The Decline and Fall) em 1969, porém o grupo The Who conseguiu emplacar duas clássicas óperas-rock, a primeira foi a inesquecível Tommy (1969) e depois veio Quadrophenia (1973), e também David Bowie com The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders From Mars (1972), os campeões de histórias que são contadas em um disco. Aqui na América, mais na parte hispânica, os uruguaios do Los Shakers fizeram La Conferencia Secreta del Toto's Bar em 1968 e em 1971, os argentinos do Vox Dei converteu La Biblia em um dos clássicos do rock latino, baseado no conteúdo religioso da Bíblia, e desta vez, Mr. García foi a fundo para conceber a sua ópera-rock La Hija de La Lágrima, lançada em julho de 1994 , teve uma origem em 1993 "Quando concebi La Hija de La Lágrima, eu estava em Barcelona (Espanha) e ouvi duas senhoras brigando e uma delas disse à outra, depois de pegar uma chinela 'não te esqueças nunca que sou a filha da lágrima' e aí deu nisto", disse o músico argentino a propósito da cena dantesca que originou este disco.
E músicos excelentes não faltaram para formarem o time que concebeu este grande disco, dentre eles o baterista Fernando Samalea, a guitarrista María Gabriela Epumer, Juanse, dos Ratones Paranoicos na guitarra, o duo de rap Ilya Kuriaki and The Valderramas, Luis Morandi na percussão, Bruja Suárez na gaita, Fernando Lupano no baixo e Charly tocando guitarra, teclados, piano, órgão e baixo, ou seja, dispensou o alto excesso de músicos para darem trabalhos demais para ele, que se autointitulou "Dios" como produtor, afinal, ele já é considerado Deus pelos argentinos desde os anos 80 e é um dos apelidos mais conhecidos do aclamado músico argentino. As gravações foram em estúdios de Buenos Aires, Madrid e de Nova York, mas os principais estúdios portenhos foram o ION, o Dream Factory e La Diosa Salvaje, o estúdio caseiro de Luis Alberto Spinetta (1950-2012) e também foi gravado em "vários banheiros ao redor do planeta", ou seja, vai que Charly tenha aproveitado esse tempo pra procurar um banheiro em São Paulo ou Rio de Janeiro para gravar alguma coisa do álbum e tenha deixado um pouco de música nesse banheiro. Enfim, um disco todo bem concebido e bem produzido, sem deixar de ser ousado e moderno, como o artista desse disco, que já carrega mais de quarenta anos de carreira musical com reconhecimento no mundo todo atualmente e dono de vários prêmios importantes.
O cantor argentino Charly García de madeixas loiras em 1994,
apresentando o álbum "La Hija de La Lágrima" em Buenos Aires
O álbum define a história de uma jovem, que acaba descobrindo o amor do nada, e acaba sendo castigada pela mãe, dona de uma fábrica de uma droga chamada mercúrio, que é citado em certas músicas. Iniciando-se com Overture, na qual Charly já proclama pela protagonista da história "Y no te olvides... no te olvides que yo... yo soy la hija de la lágrima" seguido de uma base instrumental melódica, com os arranjos de Charly, movidos por teclados e sintetizadores, que anteciparia o tema seguinte, Víctima, um tema, que por sinal, soa como uma história sobre a tal filha da lágrima, que se diz vítima de solidão, movido pelo tom dramático que é executado no piano; já a faixa Jaco Y Chofi é uma sequência instrumental, com um final onde o argentino toca Locomotion ao violão numa rádio, e na sequência mais uma instrumental de nome Atlantis, com sintetizadores e teclados, além de efeitos e samplers, que nos dão uma passagem por uma viagem sonora progressiva; e logo em La Sal No Sala, de levada funky (percebe-se isso pela guitarra do convidado Juanse)  e até com referências ao tipo de base acústica na introdução, retratando o saco-cheio e o mau-humor e fala que "o sal não salga e o açúcar não adoça", e ainda com possíveis citações (não sei, acho que tenter ler nas entrelinhas) sobre drogas; mas o verdadeiro tema desse disco é Chipi-Chipi, que foi feita porque os executivos da Sony disseram que precisavam de um tema comercial para este disco e Charly a compôs em menos de um minuto (!!!) e originalmente seria chamada de La Canción Sin Fin, só que na hora de mandar a arte para fabricação, um descuidado mandou ao borrador no lugar do material terminado e assim apareceu nomes absurdos, mas falando mais na música, a emblemática canção que uma hora nos lembra levada de bossa nova e fala que nunca foi a Nova York e nem sabe o que é Paris, embora ele tenha conhecimento dos dois lugares e fala de uma antena, quase todos os instrumentos neta música foram tocados por ele; a instrumental Calle (Taxi) conta com uma base, que se perceberem, soa como La Sal No Sala, mas não é a mesma base; o tema Love is Love tem ares mais suaves e românticos, baseados em canções ao estilo Sui Generis e com um pouco de melodismo; em Tema de Amor, os sintetizadores e efeitos voltam novamente e antecipam o tema segunite, Fax U, bem mais longa, com violões e uma batida mais lenta, e com mais de sete minutos de duração, além de versos e um coro típico de freiras encerrando a música; em Lament, vocalises dão um tom para cobrir apenas o violão solitário, que faz uma sequência de acordes fáceis de se tocar; em Intermedio, uma orquestra e arranjos baseados em melodias clássicas são o principal elemento dessa música sob a batuta de Carlos Villavicencio; em Workin' in the Morning, uma canção de quase dois minutos e de atmosfera hard rocker, fala sobre o bloqueio mental de pessoas que trabalham incansavelmente e que jamais bucarão e verão um amor; enquanto em Waiting, a atmosfera de soft-rock da década de 70 com as levadas de pop romântico; a homenagem ao cineasta japonês Akira Kurosawa, inspiração principal do disco, está na faixa Kurosawa, cheia de teclados e sintetizadores, além de versos que mantêm mais ainda a perfeição na música; enquanto em Chiquilín, que passa despercebida, porém carrega uma levada bem rock, mas também com uma pegada bem baseada na cena roqueira argentina da época (Los Piojos, Los Caballeros de la Quema...), com ares retrô; em seguida a vinheta de Andan (Except), que antecipa a última faixa do disco e é seguido por uma melodia calma, e na sequência outra vinheta, chamada James Brown, também chamada Tengo Mercúrio Bajo Mi Piel, com direito a versos e raps puxados pelo Ilya Kuriaki and the Valderramas, duo do filho de Luis Alberto Spinetta, Dante e de Emmanuel Horvileur, filho de Eduardo Martí, fotógrafo dos artistas pop e das capas de discos de Spinetta pai (de quem foi melhor amigo por longos anos); depois, uma outra instrumental com base nos sons orientais do Japão e com referências latinas ou até mesmo aqueles sons dos Andes, Intraterreno, música suavizante e bem calmas, com uma parte bem pesada; logo a seguir No Sugar, com arranjos vocais e um momento de duelo vocais, e dos ritmos eletrônicos e com um trompete flugelhorn para completar o final da música com estilo; a continuação de Atlantis e uma mistura que vai do rock progressivo pelo space-rock nos faz viajar calmamente e sem se preocupar com base ou com linha melódica; logo tem The Locomotion, que tinha sido usada como vinheta em Atlantis e aqui está uma versão completa e acústica, capaz de deixar Carole King orgulhosa pelo que Charly fez com a sua música (aliás, foi feita nos anos 60 por ela e seu então marido Gerry Gofin); para terminar, um "adrenalina" antecipa a música de Andan, que tem a versão Except, que é uma vinheta, aqui aparece como Complete e uma belíssima canção e letra, com melodismo e uma poesia absolutamente magnífica, prova de que Charly é um verdadeiro gênio e compositor de mão cheia, sempre ousando nas suas mais belas criações que inspiraram várias gerações do rock argentino, seja dos dos anos 70, 80, 90 e até hoje, "Dios" segue influenciando vários artistas e músicos da América Latina.
Set do disco:
1 - Overture (Charly García)
2 - Víctima (Charly García)
3 - Jaco Y Chofi (Charly García)
4 - Atlantis (Charly García)/citação: The Loco-Motion (Gerry Goffin/Carole King)
5 - La Sal No Sala (Charly García)
6 - Chipi-Chipi (Charly García)
7 - Calle (Taxi) (Charly García)
8 - Love is Love (Charly García)
9 - Tema de Amor (Charly García)
10 - Fax U (Charly García)
11 - Lament (Charly García)
12 - Intermedio (Charly García)
13 - Workin' in the Morning (Charly García)
14 - Waitin' (Charly García)
15 - Kurosawa (Charly García)
16 - Chiquillín (Charly García) 
17 - Andan (Except) (Charly García)
18 - James Brown (Tengo Mercúrio Bajo Mi Piel) (Charly García) - participação de Ilya Kuriaki and the Valderramas
19 - Intraterreno (Charly García)
20 - No Sugar (Charly García)
21 - Atlantis II (Charly García)
22 - The Loco-Motion (Gerry Goffin/Carole King)
23 - Andan (Complete) (Charly García)



Confira o clipe de "Fax U"

Confira o clipe de "Chipi-Chipi"

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