Um disco indispensável: Acústico MTV - Rita Lee (Mercury Records/PolyGram, 1998)

31 de dezembro de 1997, o dia em que a nossa rainha do rock nacional chegou ao meio-século de vida, bem vivido e comemorado durante todo o ano, e isso só aconteceu graças ao sucesso que foi seu recente trabalho na época, seu 25º álbum de carreira e 20º álbum solo, de 30 anos de carreira, Santa Rita de Sampa, sendo que sua carreira começou mesmo em 1967 com o grupo Os Mutantes, do qual permaneceu até ser expulsa em 1972 (dizem que ela mesma deixou a banda ou que o resto da banda a expulsou) e começou ali mesmo sua carreira solo, depois de ter feito dois álbuns solos em meio à sua carreira com o grupo, foi quando se juntou à Lucia Turnbull e formou As Cilibrinas do Éden, uma versão feminina do duo argentino Sui Generis, que viria a ser a origem da futura banda de apoio Tutti Frutti, que apareceu em 1974 e lançou o disco Atrás do Porto Tem Uma Cidade, seu último trabalho na Philips, do núcleo Phonogram (Philips/Polydor/Sinter/Fontana/Polyfar), do qual enquanto parte d'Os Mutantes, era da Polydor até 1973. Troca pela Som Livre e ali começa a decolar de vez a sua carreira com o disco Fruto Proibido (que fará 40 anos em 2015 e falaremos dele por aqui, óbvio), marcado pelos sucessos Agora Só Falta Você, Ovelha Negra, hino indispensável na sua carreira solo e também um clássico e a hard-rocker com referências à sonoridade zeppeliniana e stoner Esse Tal de Roque Enrow, seguido do álbum Entradas e Bandeiras (1976) e da turnê com Gilberto Gil que resultou num disco, Refestança (1977), um ano depois em que ambos foram presos por porte de maconha e que Rita seria mamãe de primeira viagem ao lado de seu novo parceiro musical e amoroso, o guitarrista, tecladista e multi-instrumentista assim como Rita, Roberto de Carvalho, que seria uma peça-chave muito importante no rumo que teria a sua carreira solo até 1978, quando ela se despede do Tutti Frutti com Babilônia e forma uma nova banda de apoio, a Cães & Gatos. De 1979 para adiante, só viria sucesso atrás de sucesso, como nos dois discos que levaram seu nome, já Arrombou a Festa por duas vezes, mandou  a gente; Chega Mais, perguntou se Baila Comigo, já convidou o povo para um Banho de Espuma, falou do Flagra no escurinho do cinema, falou a história do Lança Perfume, sobre qualquer Mania de Você, enfim, todo sucesso foi até parar no exterior, um disco em espanhol e foi atração nacional de destaque no primeiro Rock in Rio em 1985. Deixa a Som Livre em 1986 e assina com a EMI, lança outra sequência de disco só com sucessos e acabou caindo no gosto da criançada ao fazer um disco narrando o conto Pedro e O Lobo, de Sergei Prokofiev em 1989. Nos anos 90, chegou a quase cair no ostracismo após o álbum Rita Lee & Roberto de Carvalho (1990), voltou à Som Livre e lançou um projeto que originaria este disco do qual estaremos falando, intitulado Rita Lee em Bossa N' Roll, na qual interpretou até Every Breath You Take do grupo The Police e mais dois discos, um homônimo (1993) e outro com o registro da sua turnê A Marca da Zorra (1995), este que já iniciava mais um projeto que originaria sua comemoração aos 50 anos bem vividos.
O casal nos anos 90, fazendo música desde 1976
Capa do disco "Rita Lee & Roberto de Carvalho" (1990)
Já casada com o seu parceiro desde 1996, após 20 anos de relação e três filhos: o músico Beto, o DJ João e o pintor Antonio, Rita decide voltar à velha casa, que desde 1978 era chamada de PolyGram e que já tivera relançado todo o catálogo nos Mutantes, inclusive os discos solo e o primeiro álbum com o Tutti Frutti no formato CD, começa a trabalhar num material para comemorar seus 50 anos e 30 de carreira, esse seria Santa Rita de Sampa, lançada meses antes de seu aniversário e com enorme repercussão da música principal daquele disco Obrigado, Não, na qual ela aborda temas polêmicos como a maconha "por quê whisky sim? por quê cannabis não?", a homossexualidade "casamento gay além de opção é controle de população", o não-retorno da ditadura militar "foi-se a ditadura militar, foice e martelo eu não vou mais lutar" e sendo o primeiro com o filho Beto Lee na banda, que já tinha talento igual aos pais. Em 1998, para seguir essa comemoração, ela decide apostar num formato que aqui no Brasil havia enriquecido o sucesso de muita gente naquela época, como o grupo Titãs (1997) e os mpbistas João Bosco (1992), Gilberto Gil (1994) e Moraes Moreira (1995), o acústico da MTV que surgiu nos Estados Unidos e já havia consagrado o sucesso de Eric Clapton, Mariah Carey, George Michael (este tem versões não-oficiais do registro de 1996) e até o grupo Kiss caiu na onda do acústico sem maquiagem e toda aquela megaestrutura, e completando a lista, o grande Bob Dylan, que já se dizia "unplugged" desde que começou sua carreira em 1959, venderam milhões de cópias com o formato MTV Unplugged (aqui, se chamava Acústico MTV), o único brasileiro que usou o nome gringo foi Gil. Mas, falando em geral no Acústico MTV de Rita Lee, gravado em 8 de junho de 1998 no Teatro João Caetano no Rio de Janeiro e com o maridão comandando a produção e os arranjos, sob a regência de Eduardo Souto Neto e um time de músicos acompanhando Rita Lee, Roberto de Carvalho nos violões e piano e o mais novo músico na família com 22 anos, Beto Lee no violão, guitarra semiacústica e bandolim, o acústico dela trouxe um formato suavizante, simples e até mesmo com aquela levada de pop melódico que já soa em canções da Rita desde os anos 70. Os convidados também tiveram honras dignas de dividir o palco daquele show histórico, como a então talentosa Cássia Eller, Paula Toller, do Kid Abelha - ambas fãs de carteirinha de Rita, assim como o grupo Titãs e um convidado super especial, Milton Nascimento, dando um brilho super especial num dos tantos duetos que fazem parte desse Acústico MTV, que vendeu quase meio milhão de cópias e a levou para uma turnê que começou antes das gravações do especial e foi até 2000.
O repertório começa com Agora Só Falta Você (Fruto Proibido, 1975), um dos temas que mostrava sua superação ao sair dos Mutantes e recomeçar a sua trajetória como solista e o título convocava a gente pra cair na onda, também o "me libertei daquela vida vulgar" falava sobre superar também o fim de um relacionamento com Arnaldo Baptista, com quem teve uma relação de 1967 até 1972;  na sequência vem o tema Jardins da Babilônia, de 1978, numa versão sem toda a base pesada, que aqui conta com a suavidade e acordes de violão que mantêm toda aquela perfeição de sempre; o tema Doce Vampiro acaba sendo um dos mais destacados temas regravados neste Acústico, os arranjos e as orquestrações lembram muito a versão original de 1979, inclusive até tocou muito nas rádios naquela época; o primeiro convidado desse show é Cássia Eller na clássica Luz del Fuego, com um piano rock and roll e um solo de guitarra executado por Beto Lee; outro convidado é o músico Oswaldinho do Acordeom em Nem Luxo, Nem Lixo, que aqui aparece mais suave e além da base com bateria jazzística (aquela que tem umas vassourinhas como baqueta) mostrando o lado calmo das canções; ainda sobra tempo para homenagear amigos, como Elis Regina, de quem gravou Alô! Alô Marciano no álbum duplo Saudade do Brasil (1980), aqui na versão da autora da original numa levada de reggae com um instrumento de cartoon (sopro, mas usado em desenhos animados e músicas infantis) e até que não soa ruim a versão; uma buzina, miados de gato, solo de gaita de Roberto de Carvalho, sonoridade boogie: tudo isso define a versão atual da música Eu e Meu Gato (Babilônia, 1978), bem acelerado e cômico até com os miados de gato feitos por Rita; aqui a carreira nos Mutantes só é revivida em uma música e é Balada do Louco, famosa na voz de Arnaldo Baptista enquanto era integrante do grupo em 1972, aqui aparece apenas com piano, vibrafone, orquestração de cordas e o bandolim de Armandinho Macedo e uma risadinha estilo Pica-Pau encerrando a música; os Titãs não ficam de fora em Papai Me Empresta o Carro, na qual a banda faz um show misturando toda sua jovialidade em palco numa letra com ares nostálgicos e um solo de slide guitar pra complementar todo o momento; uma das exceções dos temas que não são da Rita Lee e do Roberto de Carvalho é O Gosto do Azedo, feita pelo filho Beto Lee especialmente para o Acústico e com arranjos de Rogério Duprat, o lendário maestro tropicalista que fez sua última colaboração musical antes de morrer em outubro de 2006, porém deixou um gostinho de quero mais para uma de suas tantas artistas com quem já trabalhou; outra homenagem que segue é para Raul Seixas, reinterpretando Gita, uma de suas canções favoritas que ele já compôs e que aqui não decepciona como intérprete do Maluco Beleza; em Flagra, além da suavidade, entra um solo de saxofone de Dirceu Leite e ainda falando dos bons tempos de namoro no cinema, que ainda pintam e bordam pelo "escurinho do cinema" mundo afora; a convidada Paula Toller deixa um brilho muito especial em Desculpe o Auê (Bombom, 1983), um belo encontro de vozes femininas maravilhosas da MPB e do pop-rock, unindo no mesmo uma mutante e uma "Kida Abelha-rainha" em um só caldo musical; aqui o melodismo e a suavidade ainda reinam em Coisas da Vida (Entradas e Bandeiras, 1976), com os arranjos e a orquestração deixando um tom mais sotisficado, como em várias canções deste Acústico; das faixas inéditas feitas especialmente para este projeto, uma delas foi uma brincadeira com o nome da emissora M Te Vê, na qual falava sobre o Brasil em época de Copa do Mundo e de eleições presidenciais (detalhe: o Brasil havia perdido para a França depois de ter uma das melhores campanhas no mundial e Lula perderia pela terceira vez, a segunda para Fernando Henrique Cardoso, reeleito naquela época) e com um arranjo misturando ritmos latinos na base musical; o último dueto desse disco fica por conta de Milton Nascimento em Mania de Você, que apenas com piano e orquestra ficou uma perfeição e imagina com Milton dando voz a um clássico de uma cantora que sempre gostou; a dançante Lança Perfume aqui ganha uma base suave de reggae com melodia doo-wop dos anos 50, mas não deixou de manter também o estilo criativo da dupla-casal; o final mesmo fica por conta do clássico Ovelha Negra, que aqui o clássico solo de Luiz Carlini ganha uma roupagem nova no bandolim de Armandinho Macedo e um final com uma levada flamenca, com castanholas e estalar de dedos, encerrando por inteiro o espetáculo todo desplugado de Rita, cuja sua trajetória na música não depende de altos e nem de baixos.
Absolutamente falando em geral, ela trouxe ao material acústico um jeito mais seu de fazer música de um jeito desplugado, embora traga ainda um pouco da sua ironia, aquele jeito de fazer uma salada musical cheia de conexões que vão do Caribe ao som francês e até com batidas eletrônicas, mas nesse Acústico MTV ela consegiu converter a potência pop dos seus sucessos em uma bela obra de arte mais do que merecida. Na edição DVD, lançada dois anos depois, mostrou-se como inédita um improviso de Caso Sério, na qual só Rita acompanhada por Roberto de Carvalho ao piano mostra-se uma voz bem mais sensível, mas isso aí já é outra história.
Set do disco:
1 - Agora Só Falta Você (Rita Lee/Luiz Sérgio Carlini)
2 - Jardins da Babilônia (Rita Lee/Lee Marcucci)
3 - Doce Vampiro (Rita Lee)
4 - Luz del Fuego  (Rita Lee)
5 - Nem Luxo, Nem Lixo (Rita Lee/Roberto de Carvalho)
6 - Alô! Alô! Marciano (Rita Lee/Roberto de Carvalho)
7 - Eu e Meu Gato (Rita Lee)
8 - Balada do Louco (Rita Lee/Arnaldo Baptista)
9 -  Papai, Me Empresta o Carro (Rita Lee/Roberto de Carvalho)
10 - O Gosto do Azedo (Beto Lee)
11 - Gita (Raul Seixas/Paulo Coelho)
12 - Flagra (Rita Lee/Roberto de Carvalho)
13 - Desculpe o Auê (Rita Lee/Roberto de Carvalho)
14 - Coisas da Vida (Rita Lee)
15 - M Te Vê (Rita Lee/Roberto de Carvalho)
16 - Mania de Você (Rita Lee/Roberto de Carvalho)
17 - Lança Perfume (Rita Lee/Roberto de Carvalho)
18 - Ovelha Negra (Rita Lee)





























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