Um disco indispensável: Carnaval Chegou!, Vários Artistas, Philips/Phonogram, 1972

Como estamos em época de Carnaval, vamos falar de um disco temático clássico lançado em 1972 pelo elenco da gravadora Philips/Phonogram (hoje pertencentes à Universal Music), liderados por André Midani, que presidiu o selo durante 1969/1975 até deixar para fundar a gravadora Warner Music a convite de Neshui Ertegun e formar uma nova equipe de "mininos" (André, por ser francês de origem síria, tem uma forma diferente de chamá-los meninos). Raul Seixas, Fagner, O Terço, Sérgio Sampaio e Claudia Regina eram simples cantores conhecidos não por grandes obras e sim por algumas coisas raras no início da carreira; exceção de Raul Seixas, que, como era um recém-demitido do selo CBS (Columbia Broadcasting System, hoje só Columbia para os entendedores de música) onde trabalhou como produtor de cantores do selo, a maioria eram os velhos conhecidos da Jovem Guarda, menos Roberto Carlos e era diretor artístico do selo ao lado de Mauro Motta, sob a batuta do ex-faz-tudo do selo Evandro Ribeiro, o Maluco Beleza (Raul) lançou um plano mirabolante: juntou seus parceiros dentre eles Edy Star, Sérgio Sampaio e Miriam Batucada e gravaram um disco chamado "Sessão das Dez" sob a alcunha de Sociedade da Grã-Ordem Kavernista - tipo, como se fosse um projeto coletivo como Tropicália ou Panis Et Circensis - e após ser lançado, Evandro descobriu tudo e mandou o próprio Raulzito (como era chamado na época) pular fora do selo. Mas aqui a história é outra, Raul conseguiu um contrato com a Philips por causa do Festival Internacional da Canção (o antológico FIC) para promover o seu clássico Let me Sing, Let Me Sing e isso agradou à Midani e a Roberto Menescal.O time de intérpretes do álbum caprichou nas performances carnavalescas e não passou batido nas ruas, este disco teve a produção de Gilberto Gil e a direção artística de Roberto Menescal e a direção geral de produção de Nelson Motta. O disco inicia-se com uma canção que relembra um pouco as marchinhas da década de 1940/1950 composta por Chico Buarque e Ruy Guerra (no disco, Ruy não leva os créditos) interpetrada pelo quarteto vocal MPB4, os fiéis escudeiros de Chico entoando Boi Voador Não Pode, que estaria futuramente no disco e na peça Calabar (o disco foi renomeado como Chico Canta), cuja esta peça foi censurada sem dó nem piedade. Já o baiano mais tropicalista Caetano Veloso reviveu o Carnaval de sua terra com Um Frevo Novo, onde ele proclamava "A Praça Castro Alves é do povo como o céu é do avião" onde retrata os tempos de folia pela praça cheia de frevos e maracatus, um Caetano saudossista como nunca. A eterna Nara Leão chega com tudo representando o Cordão do Zepelim (não, não estou referindo-me ao grupo Led Zeppelin e sim o dirigível aéreo zepelim) e é quase autobiográfica pois menciona a sua filha Isabel Diegues "A gente passa o Carnaval em pleno ar, Isabel me dê a mão" convidando todos para o seu Cordão do Zepelim e flutuar. Os estreantes do grupo de rock O Terço caiu de cabeça no carnaval e chegou fazendo um som Muito Louco; já Gilberto Gil convidou todos anunciando: Vamos Passear no Astral, que até poderia homenagear o revival do carnaval assim como seu contemporâneo Caetano Veloso "Vamos passear no astral com o intelecto pirado, Caetanaves do ano passado vão pintar pra levar todo mundo no espaço" convidando todos para um Carnaval espacial. Já uma tal de Claudia Regina (cantora famosa nos anos 1970) traz um pouco de seu talento com um típico samba-de-breque-carnavalesco avisando que A Morena Chegou e que nunca viu morenas tipo aquela que cantou e passou batido depois dos seus quinze minutos em disco. Não esquecendo de Jorge Ben, homenageando a escola de samba Salgueiro com um clássico samba ao seu estilo: Lá Vem Salgueiro, proclamando "Se esse ano o Salgueiro não ganhar, eu posso até chorar. Mas no ano que vem, novamente na avenida eu vou sambar" cantando com orgulho e sinceridade. Já Wilson Simonal, que em 1971 foi acusado de dedo-duro e aliado da ditadura, foi um de tantos que passou batido no disco com o seu Cordão da Raimunda, nem parecia ser o Simona das antigas depois de ter se envolvido com um problemão envolvendo seu contador na equipe e o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), mesmo que com essa música ele estivesse tentando voltar a brilhar, não conseguiu tanto quanto nos áureos anos 1965/1971. E Jair Rodrigues reviveu uma lendária marchinha carnavalesca do zompositor Zuzuca, homenageando as raízes africanas com a eternizante A Dança do Cafuné, que até hoje é entoada nos carnavais. Raul Seixas, de quem contamos a história dele com seu início na Philips, revive as canções carnavalescas do seu tempo de menino com uma composição sua chamada Eterno Carnaval, que avisa a todos "Eu vou brincar o ano inteiro nesse Carnaval, eu vou entrar nessa bagunça e não me leve a mal", e Raul, doidão dos legítimos, mais tarde entenderam que ele falava de ficar doidão com éter (substância tóxica muito conhecida, tipo o lança-perfume). Wanderléa, que já saiu da CBS ao lado de Erasmo Carlos para completar o núcleo Polydor, acabou encantando o disco cantando Sem Se Atrapalhar, composta por Caetano Veloso e Moacyr Albuquerque especialmente para o disco "Mas lá vou eu de novo descendo a ladeira e puxando o cordão (...) Menino ou menina, me largue, me segure, me solte mas não". E o pessoal do Quinteto Violado, também nordestinos e, em especial, pernambucanos, reviviam o frevo cantando a história do Menino do Pirulito, que falavam sobre a modernização da cidade e entoavam com orgulho da terra deles "Eu gosto do meu Recife cheio de ambulante a cantar e vender. O menino do pirulito com um apito cantava assim: chá preto, baby, novidades, começe diário vendendo jornal. Mas que saudade daquela cantiga. Chora menino pra comprar pitomba." falando dos meninos vendedores ambulantes que até hoje tem muitos por Recife. A aparição de Fagner (que era conhecido somente como um dos autores de "Mucuripe") em coletâneas é rara, mas aqui ele mostra que têm seu lado carnavalesco em Um Ano Atrás, cantando melodicamente "Só no Carnaval passando, a gente vai se acostumando porque esses dias não são todos iguais. Só no Carnaval fervendo, nós vamos aos poucos esquecendo que essa vida às vezes é banal". Sérgio Sampaio, estreia no selo com o clássico do FIC e dos eternos carnavais com a imortal Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua, falando orgulhosamente de si mesmo quando anuncia que vai sair pra folia "Eu quero é botar meu bloco na rua, brincar, botar pra gemer. Eu quero é botar meu bloco, gingar e pra dar e vender.", diferente da versão de 1973 do seu disco que carrega o nome da sua música, já que a versão da coletânea é bem carnavalesca. Gal Costa encerra o disco com uma canção que a imortalizou naquele ano, chamada Estamos Aí, mostrando a realidade dos foliões "Estamos aí em toda a cidade pagando sem suor a felicidade" e "Cada qual na pior procurando alegria na praça" e dando um gostinho de "quero mais" no disco, fechando definitivamente provando que "Estamos Aí" no Carnaval, em toda a cidade pagando sem suor a felicidade. Enfim, uma obra-prima carnavalesca em forma de disco que merece ser valorizada, exceto o erro na capa: o nome do Ivan Lins foi posto na capa, sendo que ele compôs a canção "A Morena Chegou" interpretada por Cláudia Regina, e também foi o disco que ferveu muitos carnavais de 1973 e outros mais.
P.S.: "Um Frevo Novo" seria incluída no disco carnavalesco de Caetano, Muitos Carnavais (1977), mantendo a versão original acrescentada de músicas novas e das versões originais de "Chuva, Suor e Cerveja" (1971) e "Atrás do Trio Elétrico" (1969) sem nenhuma mudança.
Set do disco:
1 - Boi Voador Não Pode - MPB4 (Chico Buarque)
2 - Um Frevo Novo - Caetano Veloso (Caetano Veloso)
3 - Cordão do Zepelim - Nara Leão (Luiz Carlos Sá/Zé Rodrix/Gutemberg Guarabyra)
4 - Lá Vem Salgueiro - Jorge Ben (Jorge Ben)
5 - Muito Louco - O Terço (C. Motta/Marcos Valle/Paulo Sérgio Valle)
6 - Vamos Passear no Astral - Gilberto Gil (Gilberto Gil)
7 - A Morena Chegou - Claudia Regina (Ivan Lins/Ronaldo Monteiro de Souza)
8 - Cordão da Raimunda - Wilson Simonal (Paulo César Pinheiro)
9 - A Dança do Cafuné - Jair Rodrigues (Zuzuca)
10 - Eterno Carnaval - Raul Seixas (Raul Seixas)
11 - Sem Se Atrapalhar - Wanderléa (Moacyr Albuquerque/Caetano Veloso)
12 - Menino do Pirulito - Quinteto Violado (Toninho Alves/Luciano Pimentel)
13 - Um Ano Atrás - Fagner (Fagner)
14 - Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua - Sérgio Sampaio (Sérgio Sampaio)
15 - Estamos Aí - Gal Costa (Edil Costa/Paulinho Diniz)













Comentários

  1. Respostas
    1. Tem sim, o link para download é esse daqui
      http://www.4shared.com/rar/RkDTqDLY/Carnaval_Chegou__1972_.htm

      desculpa a demora p/ responder, é que nem presto atenção demais nos comentários

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  2. O nome do Ivan Lins na capa não foi um erro. Na verdade foi uma boa jogada de marketing. Note que, assim como ele, Chico Buarque não canta no disco e também está na capa, por ter composto boi voador.

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    1. Oi Edu, que bom que você entendeu a proposta que deram na capa. É, foi mais ou menos o que fizeram no Phono 73 que colocaram Tim Maia, João Gilberto, uma moça de cabelos curtos loiros que parece ser a Marrom antes do estouro e Tom Jobim no cartaz do festival. Os Mutantes e a "Cilibrina" Rita Lee aparecem na capa mas não no disco, é, acontecia muito disto na época, valeu por lembrar desse detalhe.

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  3. Não, Gustavo. Mas que bom saber que sua mãe fez parte deste "pau-de-sebo" (tipo de coletânea barata da gravadora) carnavalesco já é uma boa lembrança.

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