Monk's Dream - The Thelonious Monk Quartet (Columbia Records, 1963)

Lá pelo iluminado ano de 1962, enquanto a corrida espacial ainda tinha como beneficiária a União Soviética com o cosmonauta Yuri Gagárin que ao observar do espaço que "a Terra é azul", e com a forma que os movimentos civis, em especial o movimento negro tendo à frente vozes como o pastor Martin Luther King e o ativista Malcolm X estavam dando combatendo o segregacionismo que tanto perdurou pelo país, em especial no Sul da terra do Tio Sam onde dominavam movimentos discriminatórios fortes como a Ku Klux Klan (KKK) existente desde o século passado, e com isso, a luta contra o segregacionismo racial seguia mais forte derrubando preconceitos. Era também o período em que o rock tinha perdido um pouco de fôlego, com a morte de nomes como Buddy Holly, Eddie Cochran, Ritchie Valens haviam tirado o gênero do foco, assim como a ida de Elvis Presley para o exército no final dos anos 50 e retomando à vida artística em 1960, desta vez focado no cinema ao longo da década. Mas não significava que tudo parecia estar perdido, pois o rock ganhava dois reforços novos vindos da Inglaterra: a primeira banda formada por jovens músicos amantes do blues e formada por dois amigos de longa data que se tornariam a dupla de peso à frente da banda, os Rolling Stones, e o outro conjunto estava começando a acontecer depois que um empresário decidiu colocá-los como profissionais e em seguida emplacarem seus primeiros sucessos, e com uma chocante mudança de baterista que a princípio ninguém do público foi muito a favor, estes eram os Beatles, e em 1962 lançavam o primeiro disco depois de anos rodando Inglaterra e até Alemanha em busca do sucesso - com Love Me Do, o primeiro salto na carreira deles (ainda que timidamente) acontecia. O que estava começando a ser considerado quente entre a galera mais antenada nos EUA era um gênero brasileiro - um samba "diferente" mais leve, sem perder o embalo e o jeitinho, era a bossa nova e com essa nova forma de fazer música brasileira, haviam seus porta-vozes como João Gilberto, Tom Jobim e Sérgio Mendes estavam num 21 de novembro daquele 1962 dominando a plateia de New York no Carnegie Hall apesar do clima de ansiedade. O jazz, que tanto inspirou a bossa nova, ainda resistia e sempre resiste com a ascensão de novas ondas musicais que vivem a surgir, e no começo dos anos 60 com o surgimento da bossa nova para o mundo, isso aproximou mais ainda nomes como Charlie Byrd, Stan Getz, Lionel Hampton, Bud Shank e até mesmo Miles Davis andaram namorando a bossa nova através de discos feitos. Quem também estava com a corda toda na sua carreira dentre os nomes do jazz era o pianista Thelonious Monk, nascido numa cidade da Califórnia e que se mudou ainda pequeno para New York que aprendeu de forma autodidata com as partituras que sua irmã tinha e logo começaria sua jornada tocando em bares, igreja e festas do bairro. Já havia sido banido do concurso do Apollo Theatre por ganhar toda a semana e cursava na Julliard, montou seu primeiro conjunto em 1937 e quatro anos depois já integrava a principal banda do Minton's, no Harlem e viria a dividir o palco com gigantes do jazz como Charlie Parker e Dizzy Gillespie, sendo um criador de um estilo diferente e modernizando mais o jazz mostrando ser hábil em desenvolver novas harmonias, e em 1944 viria a gravar seu primeiro material discográfico.
No começo da década de 1960, Monk - com mais de 25 anos de carreira, já havia desenvolvido um trabalho incrível dentro do jazz, gravado seus clássicos discos como Monk's Music e Brilliant Corners pela clássica gravadora de jazz Riverside, mas também passagem por selos como a lendária Blue Note e a Prestige por onde também passou nomes clássicos como Dexter Gordon, Red Garland, Mose Alisson, John Coltrane e Miles Davis, e foi justamente com Coltrane que Monk veio a registrar um disco ainda num subselo da Riverside quando no ano seguinte assinaria com a Columbia Records, por onde estava também Davis e nomes como Charlie Byrd e Dave Brubeck. Em 31 de outubro de 1962, após negociações longas que faria pois sua relação com a Riverside já não era mais a mesma, entraria nos lendários estúdios da Columbia em New York com seu trio - o saxofonista Charlie Rouse, o baixista John Ore e o baterista Frankie Dunlop e na produção um nome sempre presente nos trabalhos de jazz: Teo Macero, responsável pelos grandes sucessos da Columbia de 1959, como Time Out, de Dave Brubeck Quartet, e claro, a magnum opus Kind of Blue, que fez de Miles Davis o artista de jazz de maior renome e prestígio popular. As gravações que continuaram nos dias 1, 2 e 6 de novembro - e a estreia discográfica de Monk na nova casa, só sairia em março de 1963 sob o nome de Monk's Dream, sendo o disco uma mostra que sua obra vinha se renovando com o tempo que passa. Abrindo o disco logo de cara, temos o tema que é cartão de visita pro LP - justo a faixa-título Monk's Dream, com um tom bem embalante, soa perfeito logo a conexão do piano e da bateria, que logo já ganha a presença dos solos de sax de Rouse; na sequência, somos surpreendidos por Body And Soul - grande destaque deste disco, com uma bela criação de melodias executadas ao piano, coisa que Monk fez como obra de arte pelo jeito; em seguida, ele já apresenta a embalante Bright Mississippi que não faz feio na hora que o quarteto decide mandar bala ao longo dos oito minutos, a batida perfeita de Dunlop casa bem com o sax de Rouse que não ofuscam o papel do líder do quarteto aqui; outro tema que aparece aqui como grande destaque é a simples, porém dançante Five Spot Blues, que com seus 3 minutos já dá uma bela impressão de que a afinação e o perfeccionismo são pontos importantes ao executarem sons como esse; a seguir, o quarteto ainda desfila outra criação genial do frontman - Blue Bolivar Blues, uma das primeiras faixas gravadas no Halloween de 62 originalmente lançada em Brilliant Corners e notando em que seus oito minutos que não nos deixam decepcionar, Charlie Rouse segue mandando ver com seu sax impressionante; na próxima canção, ele decide por reviver no disco um velho standard, a clássica Just a Gigolo sozinho e ao piano - uma peça de primor em seus mais de 2 minutos de canção (a mais curta do disco) que mostra o porquê mr. Monk era o brabo do piano; na próxima música, temos aqui mais uma bela criação que ganha um destaque e tanto também, Bye-Ya é puro primor de beleza sonora, nada que deixe a desejar, muito menos a introdução matadora da bateria executada por Dunlop além do baixo de John Ore que são a espinha dorsal dessa canção, e com Monk sempre liderando a cozinha; o disco encerra de vez com outra regravação presente, desta vez é Sweet and Lovely, um clássico de 1931 que Gus Arnheim gravou inicialmente sendo ele um dos autores, e já ganhou versões como a de Bing Crosby, Gerry Mulligan, Ella Fitzgerald e até de Bryan Ferry - a versão de Monk lembra uma canção romântica feita pros casais dançarem lento, e aqui ouvimos bem ritmo, harmonia e arranjos que fazem nos dar o gosto de se sentir apaixonado por uma bela canção assim.
O disco foi um grande sucesso pelo público aflicionado por jazz, sendo bem recebido pela revista considerada bíblia do gênero, Down Beat, classificou com 5 estrelas, e o quarteto saiu excursionando com o disco na praça e sendo bem repercurtido mundo afora, e logo após a Riverside editar um disco seu gravado em 1961 no Teatro Lirico em Milão que tornou-se Thelonious Monk in Italy (um belo registro ao vivo por sinal), Monk já estava lançando seu segundo trabalho pela Columbia intitulado Criss-Cross, mas aí já é outra história. O disco tem uma importância enorme para o jazz daquela época e brilhantemente vêm recebendo uma atenção de nomes importantes não só do gênero, como também do rock e da música eletrônica que buscam ir além dos bits e beats.
Set do disco:
1 - Monk's Dream (Thelonious Monk)
2 - Body And Soul (Edward Heyman/Robert Sour/Frank Eyton/Johnny Green)
3 - Bright Mississippi (Thelonious Monk)
4 - Five Spot Blues (Thelonious Monk)
5 - Blue Bolivar Blues (Thelonious Monk)
6 - Just a Gigolo (Julius Brammer/Irving Caesar/Leonello Casucci)
7 - Bye-Ya (Thelonious Monk)
8 - Sweet and Lovely (Gus Arnheim/Harry Tobias/Jules LeMare)

Comentários

Mais vistos no blog