Ben - Jorge Ben (Philips/Phonogram, 1972)

O longo ano de 1972 tinha tudo pra ser outro ano difícil na vida do brasileiro que ainda tinha de engolir 8 anos da sanguinária ditadura militar, era o auge do governo de Emílio Garraztazu Médici - que assumira após a junta militar assumir interinamente no momento em que Costa e Silva havia deixado por motivos de saúde e vindo a falecer no mesmo ano. O AI-5 ainda seguia vigente, e muitas pessoas tinham uma enorme vontade de deixar o pais no meio de tanta perseguição política, o exílio ainda era a saída mais aliviada, mas que deixava aquele gosto de saudade logo aos poucos. Se a euforia do país após o tricampeonato brasileiro na Copa do Mundo realizada no México em 1970 mostrou de vez que somos o país do futebol (sorry, England, que é o real país e berço do futebol como conhecemos), ainda sobrou tempo para o basquete feminino, o xadrez com o jovem Henrique Mecking - conhecido como Mequinho, e brevemente o automobilismo, mais precisamente as corridas de Fórmula 1 chamarem mais a atenção do brasileiro quando em 72 Emerson Fittipaldi foi campeão daquela temporada, e o brasileiro teria mais outro motivo para acompanhar aos domingos as emoções em alta velocidade. A MPB estava mais solar do que nunca naqueles tempos: enquanto alguns grupos estavam sofrendo uma crise interna, como no caso dos Mutantes, que depois de 5 álbuns e na virada da década, dois membros tornando-se fixos, sentiu o fim do auge com a saída de Rita Lee para montar uma carreira solo que ainda estava sendo esboçada dentro da banda ainda. Logo no verão de 1972, uma notícia fresquinha e boa: os baianos Gil e Caetano estavam de volta ao solo brasileiro depois de dois anos exilados na Inglaterra onde exportaram sua música e sua saudade das coisas do Brasil e especialmente da Bahia - e voltaram com bagagem cheia de criatividade, enquanto Caetano divulgava a sua psicodelia baiana feita na terra do chá em Transa, Gil se aportava em São Paulo para gravar sua eletrificação da música nordestina Expresso 2222 mantendo a chama tropicalista acesa. Caetano ainda fechou o ano quebrando o silêncio sobre a rivalidade midiática com Chico Buarque dividindo o palco junto dele no Teatro Castro Alves na capital baiana rendendo um disco ao vivo. Chico depois do sucesso do LP Construção ainda sobrou tempo pra liberar a veia de ator atuando em Quando o Carnaval Chegar onde ele com Nara Leão e Maria Bethânia ainda realizaram a trilha sonora, e ainda estava a desenvolver junto do cineasta Ruy Guerra a peça teatral Calabar, que contava com músicas assinadas pelos dois. Milton Nascimento, que já era conhecido até no exterior, foi convencer sua gravadora a dividir o disco com uns amigos de Minas Gerais em especial um jovem chamado Lô Borges e assim surgiu o aclamado Clube da Esquina, que atravessa gerações e segue presente até hoje. Tim Maia no terceiro disco quase ficou passado batido, não repetindo muito o sucesso dos dois primeiros que tinham faixas tocando incansavelmente nas rádios. O sucesso começava a ser gigante para os Novos Baianos, que depois de um EP fracassado e um disco de estreia até relevante, decidem gravar direto de um sítio o consagrado LP Acabou Chorare, sendo outro grande acontecimento musical daquele ano. Quem estava com a corda toda também era o rei do suingue Jorge Ben - com 10 anos de carreira, 9 discos gravados sendo que 8 pela Philips por onde foram lançados seus grandes sucessos, e sempre emplacando um clássico atrás do outro. Até nos festivais deixava sua marca por lá, visto que em 1969 lançou Charles Anjo 45 durante o IV FIC (Festival Internacional da Canção), dois anos depois lançou por lá Porque É Proibido Pisar Na Grama, lançada no LP Negro é Lindo (1971). Em 1972, decidiu inscrever no VII FIC uma canção que era uma homenagem a um jogador do Flamengo com os dentes pra fora, que num jogo fez o gol poético-sonoro: Fio Maravilha, estava bombado no elenco do clube.
A música seria apresentada desta vez no FIC - o último, marcado por polêmicas desde a mudança de jurados, boicote a músicas, porcos sendo usados como instrumentos cantores e quebra-quebra com o júri. Fio Maravilha desta vez seria interpretada por uma jovem cantora, vindo das terras mineiras de Cataguases - Maria Alcina seria a intérprete da música no festival, enquanto Jorge já deixava sua versão pronta para seu 10º LP gravado - intitulado Ben, o disco já não conta com a presença do Trio Mocotó que esteve desde 1969 acompanhando em shows e discos, ao entrar em estúdio, participaram diversos músicos como percussionistas, e descobrimos um baixista - Sidney Mattos, que disse em um vídeo no Youtube ter participado de duas faixas. A produção mítica de Paulinho Tapajós, além dos arranjos e regência de Osmar Milito soaram como o resultado certo pro disco, além da icônica capa: Jorge sentado em uma cadeira, de branco e óculos enquanto na contracapa aparece mordendo uma maçã - fotos de José Maria de Mello e projeto gráfico de Aldo Luiz, na época se destacando pelo design das capas dentro da gravadora. O LP já abre com um sambalanço bem animado ao violão sem perder a graça em Morre o Burro, Fica o Homem onde Jorge avisa o amigo que se a mina não quer ele mais, aconselha a procurar outra, aqui temos presença forte de percussão e baixo e os corais junto bem no final; e tome sequência de hinos nesse disco, a próxima é uma ode ao circo da forma jorgebeniana em O Circo Chegou, onde ele meio que moderniza o universo falando da orquestra de sapos, do macaco cientista como se fosse vindo de um filme surrealista, aqui é percussão e violão - o riff de entrada já entrega tudo; se o que esperávamos era pouco, na próxima faixa ele manda mais sonzeira - Paz e Arroz tem esse clima good vibes, brincando com o slogan do movimento hippie e exaltando as coisas boas da vida, com um arranjo de metais e os lalala que aparecem na música; na sequência, o amor segue sendo poetizado de forma única e aqui não erra feio nos versos de Moça em que o eu-lírico admite que se pudesse fazer flores e estrelas para conquistá-la e a agradece se ela gostou dele, o sambinha dá esse ar mais doce com a presença da orquestra de cordas; logo adiante, o repertório do LP vai um pouco para o lado religioso pois em Domingo 23 ele vem de vez por exaltar o São Jorge com seu cavalo branco que passeia nesse dia, e o violão de Jorge leva a gente pra outra dimensão nessa faixa; sem deixar de exaltar o futebol, aqui ele apresenta sua versão para a já antes mencionada Fio Maravilha em que narra detalhadamente uma jogada em que o então jogador do Flamengo buscava sua luta pelo gol perfeito, a canção, um belo sucesso causou problemas quando um advogado fdp decidiu ajudar Fio a processar desnecessariamente o cantor, o que causou uma péssima visão do público com o jogador mais tarde
, o baixo ganha um belo destaque pelo seu acompanhamento ao restante da base da canção; seguindo o repertório, ele ainda coloca um tema mais no estilo do repertório dele, como Quem Cochicha o Rabo Espicha funcionando como um tema cheio de humor e brincadeiras nos versos, a percussão se destaca aqui de complemento que dá cor ao ritmo; mais adiante, o rei do suingue mostra por quê ele leva esse nome a sério: em Caramba! Galileu da Galiléia faz uma honrosa menção sobre o cientista que vinha defendendo a tese sobre o sol ser o centro do Universo, e ganha aqui destaque também no repertório pelo seu balanço solar e alegre que se escuta ao longo da canção; aqui também temos outra pérola de enorme destaque no repertório que é Que Nega é Essa onde na letra o eu-lírico fica impressionado com uma moça que mexeu a cabeça dele e já tem planos como dar a ela um vestido branco, a suavidade da canção deixa esse ar romântico dentro do arranjo; para manter esse desfile de beleza poética dentro de suas canções, ele ainda oferece uma que tem um nome bonito: As Rosas Eram Todas Amarelas é uma música que traz uma história envolvendo 4 homens, um conjunto de flores e poesia dentro da canção, sem muito glamour e retoque, tudo perfeito, até a voz de Jorge insuperável ao cantar aqui; o encerramento do disco não podia ser de outra forma - aqui ele encerra de vez com a PRIMEIRA versão do clássico Taj Mahal, ainda sem a letra sobre a origem do monumento ao amor construído em Acra, na Índia no século 17 - aqui ainda usa os termos Karma e Krishna dentro da canção, a levada de violão bem psicodélica e a percussão feita com os pés mostram influência da música oriental, e aqui a presença do baixo de Sidney Mattos com um groove matador que fecha em tom alegre e festivo esse belíssimo LP.
O disco foi um sucesso de crítica e público, e logo ele iniciava ali uma nova fase na carreira onde as canções mantiam o primor suingante de sempre, mas depois do Trio Mocotó ter sido a sua backing band e gravando um disco próprio, decidiu montar uma banda de apoio para as tournées mundo afora - esta seria a Admiral Jorge V, com baixo, bateria e percussão desta vez, e já em seguida, entraria em estúdio para realizar sua celebração de uma década na Philips assim como alguns artistas vinham gravando chamada 10 Anos Depois onde repassa sua carreira em sucessos com novos arranjos, mas aí já é uma outra história. Este álbum é basicamente uma aula para muitos do discípulo do violão cheio de balanço, e com uma importância enorme dentro da história da música brasileira inclusive.
Set do disco:
1 - Morre o Burro, Fica o Homem (Jorge Ben)
2 - O Circo Chegou (Jorge Ben)
3 - Paz e Arroz (Jorge Ben)
4 - Moça (Jorge Ben)
5 - Domingo 23 (Jorge Ben)
6 - Fio Maravilha (Jorge Ben)
7 - Quem Cochicha o Rabo Espicha (Jorge Ben)
8 - Caramba! Galileu da Galiléia (Jorge Ben)
9 - Que Nega é Essa (Jorge Ben)
10 - As Rosas Eram Todas Amarelas (Jorge Ben)
11 - Taj Mahal (Jorge Ben)

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