Hounds of Love - Kate Bush (EMI Music, 1985)

Podemos dizer que 1985 foi um ano glorioso: considerando que foi a partir desse ano que a civilização foi dominada pelas novidades sobre o futuro e a revolução dos computadores que começava a ter grandes avanços tecnológicos, junto da telefonia móvel portátil - os celulares, acontecia também a busca pela luta contra a fome e a miséria nos países africanos como a Etiópia, chamando a atenção nos EUA por parte de gente como Michael Jackson, Harry Belafonte, Lionel Richie entre outros que se juntaram para formar o coletivo USA For Africa e lançar um disco com o grande hit daquele ano: We Are The World, logo em seguida foi preciso que o músico britânico Bob Geldof ver o que estava acontecendo por lá e decidiu juntar nomes do rock para realizar na Filadélfia (EUA) e em Londres (Inglaterra) o Live Aid juntando desde nomes como Madonna, Dire Straits, Led Zeppelin, Queen, Paul McCartney, David Bowie, Mick Jagger entre outros, num 13 de julho que marcaria pra sempre a história da música - e o Brasil, que já tinha vivenciado 10 dias de música no Rock in Rio, acabaria adotando esse 13 de julho como Dia Mundial do Rock. Um terremoto acabou passando pelo México no qual o governo chegou atrapalhando e quase acabando com o país, e também na América Latina o despertar da democracia estava acontecendo no Brasil após 20 anos de ditadura, e em seguida no Uruguai pondo fim a 12 anos amargos de opressão e medo durante esse período de terror que já deixou de rondar parte da América, exceção do Chile - ainda governado pelo frio e sanguinário Pinochet. Foi o ano em que Kate Bush mostrava-se cada dia mais amadurecida artisticamente e musicalmente, com 10 anos de carreira, estava mostrando ser muito mais que uma jovem de talento precoce e que nasceu com a arte nas veias, com a mãe irlandesa sendo uma dançarina e o pai tocava piano - ambos de forma amadora, sendo que o pai era médico e a mãe auxiliar de enfermagem, já acabou pegando o gosto pela dança, pela música e pelo karatê, e quando decidiu já se envolver mais com a música logo na adolescência depois de aprender piano, órgão e violino, compondo, seus pais decidem gravar demos para buscarem a atenção de alguma casa fonográfica, até que aos 16 anos, em 1974, uma de suas fitas decide parar nas mãos de alguém muito importante - David Gilmour, o mítico guitarrista do Pink Floyd se impressionou com o talento dela e decidiu com o apoio da gravadora EMI, dar um incentivo na carreira musical dela - o passo enorme após um pouco mais de estudo e cuidado com a voz e aprendendo a trabalhar de forma cuidadosa com a sua música a levou a fazer da estreia discográfica em The Kick Inside, de 1978 - quando ela completou 20 anos, e logo emplacou um grande sucesso que foi Wuttering Heights, um clássico que a levou excursionar pelo mundo, porém, logo após uma tournée, decidiu concentrar-se apenas na sua música e divulgando seu material por meio de videoclipes e aparições na televisão - o que facilitaria para ela.
Quatro anos depois do seu grande salto para o sucesso, ela lançaria seu quarto disco - os antecessores, Lionheart (1978) e Never For Ever (1980) já vinham de bons frutos colhidos, mas foi preciso ter realizado um trabalho com uma autenticidade tão única e marcante como foi mesmo o primeiro: e The Dreaming foi um enorme sucesso que desta vez mostrava sua forte autonomia não somente como cantautora e pianista, mas sim, assumindo de vez a produção inteira de seu disco, e mantendo o mesmo esquema de divulgar por meio de videoclipes - mesmo com tanta repercussão, a crítica massacrou de forma injusta este disco. Passou-se mais de um ano do lançamento e novamente mrs. Bush voltava ao estúdio durante o verão de 1983 ainda magoada com os ataques direcionados ao disco The Dreaming, há quem dissesse que ela teria engordado neste período - bobagem! No período que iniciou as gravações, ela já vinha abrindo mais o leque a novas experiências sonoras, a partir do momento que já havia construído seu estúdio caseiro durante o verão de 1983 no celeiro da fazenda da família, onde ainda residia, e logo começou a preparar os overdubs das canções, e o processo de criação durou mais de um ano até junho de 1985 onde envolveu diversos músicos como o irmão John Carder Bush nos vocais, o guitarrista Alan Murphy, os bateristas Stuart Elliott e Charlie Morgan, além do irmão Paddy Bush na balalaika (uma espécie de violão russo),  didgeridoo - um instrumento artesanal de sopro, fujara e violinos mais os vocais, além do arranjo de cordas de Dave Lawson, o coro de Richard Hickox Singers, o percussionista Morris Pert e o baixista Del Palmer também como engenheiro de som e então namorado de Kate durante o disco. O álbum, lançado em 16 de setembro sob o nome Hounds of Love mostrava Kate ao lado de dois cachorros com os cabelos como se estivessem ao vento soltos enquanto ela de roxo como o fundo, segue abraçada aos dois caninos, fotografada pelo irmão John, enquanto o resto ficou por conta de Kate com Bill Smith a parte visual e gráfica do LP. O álbum já abre logo de cara com um hit de peso, e Running Up That Hill (A Deal With God) é uma canção que define o que vamos ouvindo ao longo do disco, falava sobre os contrapontos de um homem e uma mulher que não podem se entender, e envolvendo um determinado tipo de acordo com Deus, com um arranjo bem marcante e que traz além da presença da voz de Bush, o ritmo sequenciado assim como as melodias dão esse primor de pop 80 marcante que foi resgatada recentemente para a trilha sonora da série Stranger Things na quarta temporada; a faixa seguinte também é outro primoroso destaque do repertório e dando esse ar mais elétrico, Hounds of Love é daqueles temas em que a narrativa dark sombria numa letra sobre um sentimento de apreensão quando se apaixona e fica preso em uma relação
 funciona dentro do repertório, a bateria eletrônica dando esse ar meio pós-punk, além do uso de teclados e a presença de Jonathan Williams no cello, com dois bateristas dá a impresão de que é uma batida potente ouvindo com fones de ouvido; na sequência, o repertório do disco ainda apresenta mais surpresas - uma delas é The Big Sky e a história de um casal do passado que fica a observar o céu e uma nuvem que lembra o contorno da Irlanda, o ritmo da música faz lembrar o som de um lento galope do cavalo, e a guitarra já dá bem essa impressão ao escutarmos; sem deixar o brilho se perder no caminho, ainda temos Mother Stands for Comfort levando um pouco pra essa visão materna, sobre o amor incondicional de uma genitora, mesmo que o seu filho tenha cometido um crime, demonstra esse protecionismo - com um arranjo belíssimo e trazendo sons de vidros quebrando e armas; mantendo a beleza que reina seja na parte poética ou sonora, Cloudbusting que foi composta inspirado no livro Book of Dreams, de Peter Reich onde fala das memórias com seu pai Wilhelm Reich quando ainda era um garoto, e nos versos inspirados, busca falar sobre a esperança e realização de desejos como se viesse de uma máquina de fazer chuva, os arranjos de cordas feitos em sintetizador dão esse toque mais ligado ao pop barroco. 
O segundo lado do disco acabou ganhando um nome peculiar para seguir um caminho diferente - The Ninth Wave - muito inspirado pela poesia arthuriana de Alfred Tennyson e que abre logo de cara com uma pérola, And Dream of Sheep encontra falar sobre problemas da vida e a vontade de dormir, aqui temos a forte presença de violões e de sampler na camada sonora; em seguida, temos uma canção muito densa e com um ar soturno, Under Ice envolve um sonho de duas pessoas andando por um rio gelado como se estivessem patinando em que acaba rachando e eles tragicamente se afogam, a camada de sintetizadores elevando a um padrão bem orquestral contemporâneo ajuda junto das vozes da canção; a canção seguinte já vai direto sem pausa, dando a deixa em um susurro dizendo "Wake up!" (Acorde! - tradução livre) para entrar Waking The Witch onde a mulher após ser congelada sofre alucinações enquanto congela lentamente e fica sem oxigênio - se sentindo num julgamento como antes das bruxas serem queimadas, e o tema inicia com diálogos partindo depois pra uma pauleira synthpop que dá esse diferencial pro tema; na sequência, o conceito da faixa anterior permanece nos versos de Watching You Without Me, onde ela acaba acordando inconscientemente em casa depois de naufragar no gelo e busca tentar falar, aqui há muitas referências que remetem um pouco ao estilo que hoje é visto como neopsicodélico pela sonoridade dando esse ar meio lisérgico pelos samplers; em seguida, ainda temos uma outra pérola onde a narrativa da mulher que se afoga após naufragar, em Jig of Life ela se afogando é confrontada pelo seu próprio eu que tenta convencê-la a lutar por uma vida compartilhada, aqui temos notórias referências de música celta, música oriental pelo arranjo e a presença dos irmãos Paddy no violino e John nos versos recitados - família unida até na hora de fazerem música juntos; o disco ainda prossegue nessa saga, Hello Earth é o apelo enquanto a mulher tenta resistir e evitar a todo custo a morte, como se sentisse desconectada de seu corpo - e a entrada de cantos gregorianos tocando ao longo da peça que dão essa sensação de cortejo fúnebre, o que é apenas uma breve impressão ouvindo o coro, o arranjo de cordas e o piano que são o destaque instrumental; o encerramento tanto do lado The Ninth Wave quanto do disco todo fica por conta de The Morning Fog, na qual ela decide acordar de vez e sobreviver à experiência de quase morte, prometendo que iria saber apreciar cada momento da vida assim como os que participam dela, é o renascimento da personagem da história, numa pegada bem new-wave com uma bela camada de vocais feita por Kate além da bela presença de baixo e bateria dando essa impressão de soar como o final feliz de uma história e com a moral: o renascer da vida é cheio de suspresas para nós, então, cada dia é um novo nascimento para novas experiências
Kate soube e muito bem trabalhar a feitura desse disco e muitos ainda nem imaginavam o quão importante seria este álbum na carreira dela e na sua própria discografia, e foi preciso esse disco ter acontecido para que ela decidisse lançar algo de inédito chamando a imensa atenção do público e da crítica que a abraça de novo - e graças ao sucesso de Hounds of Love que ela decide no embalo do sucesso lançar uma coletânea intitulada The Whole Story, na qual pôs um vocal novo a seu hit Wuttering Heights e, três anos depois, lançaria outra grande surpresa discográfica que foi The Sensual World, mas aí já é uma outra história. O álbum segue sendo um enorme destaque na discografia de Bush para os fãs e entusiastas da música dos anos 80, e está destacado em diversas listas como a dos 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer e recentemente, em 2020 a revista Rolling Stone decidiu refazer a lista dos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos em que o álbum chegou ao 68º lugar, e a Pitchfork ainda aclamou na lista dos 200 Melhores Álbuns dos Anos 1980 dominando a 4ª posição. É, e pensar que muitos só conhecem agora a música dela pois a que abre este disco virou tema de uma série jovem da Netflix... quanto mais irem fundo, melhor.
Set do disco:
1 - Running Up That Hill (A Deal With God) (Kate Bush)
2 - Hounds of Love (Kate Bush)
3 - The Big Sky (Kate Bush)
4 - Mother Stands for Comfort (Kate Bush)
5 - Cloudbusting (Kate Bush)
6 - And Dream of Sheep (Kate Bush)
7 - Under Ice (Kate Bush)
8 - Waking The Witch (Kate Bush)
9 - Watching You Without Me (Kate Bush)
10 - Jig of Life (Kate Bush)
11 - Hello Earth (Kate Bush)
12 - The Morning Fog (Kate Bush)

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