Yo Te Avisé!! - Los Fabulosos Cadillacs (Discos CBS, 1987)

Quadro-geral da Argentina pós-guerra das Malvinas e em seguida após o fim da ditadura: euforia pela redemocratização do país, que depois se repetiu em países como Uruguai e Brasil mais de um ano depois, o futebol sendo muito bem representado pelo seu maior embaixador e porta-voz desde Di Stéfano, o genial Diego Armando Maradona, que na época já jogando em clubes como o Barcelona e na época sendo a principal estrela do Napoli, onde conquistou diversos títulos, sem esquecer do seu auge na Copa do Mundo de 1986 realizada no México onde nas quartas-de-final, em um jogo contra a Inglaterra, realizou o gol com a mão, tornando-se o Gol do Século e chegando na final contra a Alemanha onde consagrou-se vencendo e tornando-se bicampeão mundial, mas ainda com uma certa frustração de que podia ter ganho dentro de seu país oito anos antes, mas depois deixou de lado essa frustração. O governo de Raúl Alfonsín retomava uma política aberta e que atendesse a democracia, com uma melhora na economia - o que só durou mais em seu governo, mas no final, a inflação voltou a assombrar e logo em seguida, assumia a presidência Carlos Menem - uma figura tão controversa pela sua pessoa e pelo seu papel político ao longo dos tempos. O rock argentino, tendo ainda veteranos fortemente ativos, como Luis Alberto Spinetta, Pappo, León Gieco e Charly García estavam ajudando a abrir portas para uma nova geração tendo grupos como G.I.T, Virus, Soda Stereo, Riff (do qual Pappo era integrante), Los Twist, Miguel Mateos-Zas, Los Abuelos de La Nada - nova encarnação do grupo de Miguel Abuelo surgido em 1967 tendo na reformulação de 1982 membros como Cachorro López, Gustavo Bazterrica e o jovem Andrés Calamaro, a forte representação das mulheres no Viuda e Hijas de Roque Enroll e por aí vai, além do jovem Fito Páez,iniciando uma grande trajetória. E foi em 1984 no meio do grande boom do rock argentino daquela época que surgia um conjunto chamado Cadillacs 57 tendo dentre integrantes Flavio Oscar Cianciarulo no baixo, Mario Siperman nos teclados, Aníbal Rigozzi nos teclados e Gabriel Julio Fernández Capello nos vocais - a fusão de membros que tocavam em conjuntos de épocas de colegial com os nomes de Mantra e Azur. Influenciados pela estética do ska à moda britânica formada por grupos como English Beat, Madness e Specials mais o conceito two-tone, foram se juntando também ao grupo Naco Goldfinger no saxofone alto, Sergio Rotman ao sax, Serguei Itzcowick no trompete e Luciano Guigno na percussão, e com as apresentações surgindo aos poucos, logo gravam seu primeiro LP pela gravadora Interdisc, que na época investia em bandas do cenário roqueiro local e difundia pela América Latina inteira. A banda ensaiava em uma discoteca chamada Gaz situada em Olivos, e com a intenção de dominarem também a cena, conseguiram gravar o LP de estúdio que marcava a estreia do grupo Bares y Fondas. Com um manager sendo um discotecário de rádio, Poppy Manzanedo substituído por Alejandro Taranto, e o sucesso do disco que levou o grupo por exemplo a tocar no teatro Astros, aos poucos, e de cara, um contrato novo com outra gravadora mudaria de vez a história da banda.

Era a efervescência do rock argentino daquela década, e o país estava exportando para a América Latina o gigantesco sucesso de Soda Stereo e Miguel Mateos-Zas (impulsionado pelo boom do disco ao vivo Rockas Vivas, de 1985), fora também o reconhecimento de Charly García nos outros países ajudou a Argentina a exportar nomes do gênero afora. Os Cadillacs estavam prestes a se tornarem gigantes fora do país do tango a partir do segundo disco, desta vez gravado na mesma CBS onde o Soda era contratado e com a produção de Andrés Calamaro, já com foco na carreira solo após deixar o Abuelos, a banda decide responder com chumbo grosso aos que duvidavam do sucesso, pois falavam que eram apenas um bando de gordos desafinados. E a resposta foi o disco Yo Ye Avisé!!, com a capa toda em preto-e-branco com uma foto clicada no teto de uma casa no bairro de Olivos e a contracapa e o interno feitas em uma estação ferroviária em Remedios de Escalada, cidade da província de Buenos Aires. O disco já abre bem, com uma faixa que já dá o sinal do que ouviremos ao longo do disco, El Genio del Dub na qual narra a história de um sujeito que é considerado um poeta com a palavra e que arrasa no dub, o peso instrumental e o estilo rapper de Vicentico cantar se torna marca registrada da faixa; a faixa seguinte carrega toda a essência do ska como de lei, Botellas Rotas (marcada pela introdução com sons de quebra de vidros) traz as aventuras vividas por alguém que ainda sofre amargado e depois de tantos goles de bebida, aqui a guitarra de Rigozzi e o órgão de Siperman são o ponto mágico para destacar a sonoridade da música, além do baixo de Cianciarulo que ajuda na marcação; na sequência, surge logo um dos principais temas de destaque do LP e que ajudou os Cadillacs a serem um gigantesco sucesso: a cômica Mi Novia Se Cayó en un Pozo Ciego e a história de um cara desavisado que viu sua namorada cair em um poço e se desespera para ajudá-la, a intro marcada pelo nome da música pronunciado em inglês, só tem a deixa dada após a introdução de órgão marcada por Siperman e a levada rítmica de Ricciardi e o naipe de metais e a voz enérgica de Vicentico traz para música a energia precisa; para a próxima música, o baile skazeiro segue rolando solta e sem tropeços, como no caso de Una Ciudad Llamada Vacío onde se fala de um cara que esquece um amor desperdiçado, não valia a pena, busca nas noites de baile e nas bebidas a vontade, e o arranjo, com a acidez punk que lembrasse Madness e Clash e o baixo de Flavio matador salvando a pátria (sem desmerecer os metais e a bateria de Ricciardi); para a próxima música, uma espécie de intervalo, sem muita pressa e deixando até o clima leve, a instrumental Cadillacs, têm muito do rock dos anos 60, ali pro estilo beat, apesar das referências jamaicanas presente, a guitarra de Rigozzi e o os dedos mágicos de Mario Siperman nas teclas soam perfeitas aqui; na sequência, o disco segue com mais clássicos, a exemplo de Yo No Me Sentaría en Tu Mesa, criação de Vicentico com a dupla de saxofonistas da banda à época, Naco Goldfinger e Sergio Rotman, era uma espécie de aviso da banda aos que convidavam de forma oportuna para se juntarem a certos lugares, e o ritmo bem roqueiro, bem na pegada próxima ao do new wave da época funciona perfeitamente aqui, a guitarra bem melódica oferece instrumentalmente o melhor; na faixa seguinte, com um coro de "larálará.." bem no estilo de bêbados, esse coro é quem dá a deixa para a próxima faixa, Yo Te Avisé acaba sendo uma cutucada em quem duvidou da banda, e avisa que com o eu-lírico não dança por não ser da mesma classe social e porque o mesmo da canção prefere bailar na rua, o arranjo bem característico ska-punk, os metais afinados e a base guitarra-baixo-órgão-bateria funcionando bem, mais cru impossível; mantendo a qualidade que esse disco merece, o repertório da banda acaba ganhando um outro tema de peso também - Muy Muy Temprano é um reggaezinho interessante que fala sobre um cara que acaba rindo depois que acorda se lembrando dos momentos com a pessoa amada envolvendo a mãe desta, na pegada mais reggae, com levada bem balançada, traz além do groove jamaicano à la argentina, um coro afinado liderado por mulheres - um trio formado por Laura Hatton, Ana Carfi e Alejandra Martin, que estavam pelo estúdio gravando temas para o programa da diva televisiva Susana Giménez, e a faixa chega a durar 6 minutos; adiante, o disco ainda mostra a energia que ainda é bem aproveitada e muito, e é destaque no repertório do disco - Estoy Harto de Verte con Otros já segue o mesmo caminho da anterior - longa e cheia de gás nos seus quase 5 minutos, é uma canção sobre um cara que vive uma situação de incerteza quando vai sair em encontro com alguém, e o arranjo funciona bem com direito a solo de trompete de Lozano que soa bem logo no final da música, com um quê de música caribenha sem peprder o primor; o final deste LP fica por conta de um tema que se coloca como um hino da banda, Aún Los Escuchamos Cantar é marcada pela narrativa de um casal que vê as coisas ficarem diferentes, há formas diferentes de interpretar, e o final que carrega além do trio feminio no coral que dá esse clima, e os teclados que dão um toque final terminando a música, com um som que simula o som de uma TV sendo desligada como se avisasse o fim do baile.

O disco é ponto essencial na carreira do grupo, a partir do momento em que é lançado que os Cadillacs são realmente vistos como uma grande revelação para aquele momento, e de instante já ganha projeção enorme pela Argentina, vendendo 250 mil cópias - disco de platina no país, e com isso, partem em tournée no Chile e no Peru durante 1988 quando gravam uma música presente no encarte do LP anterior e já feita na época, Siempre me Hablaste de Ella que é gravada de vez no disco seguinte El Ritmo Mundial, La Revolución del Rock também editado pela CBS, mas aí já é uma outra história. O disco ganhou um culto enorme, influenciando na cena dedicada ao ska e ao reggae na América do Sul e tornando-se um dos melhores títulos da discografia do grupo para muitos fãs e críticos.

Set do disco:

1 - El Genio del Dub (Gabriel Fernández Capello/Flavio Cianciarulo/Sergio Rotman/Fernando Ricciardi)

2 - Botellas Rotas (Flavio Cianciarulo)

3 - Mi Novia Se Cayó en un Pozo Ciego (Gabriel Fernández Capello/Flavio Cianciarulo/Luciano Giugno/Fernando Ricciardi)

4 - Una Ciudad Llamada Vacío (Flavio Cianciarulo/Sergio Rotman)

5 - Cadillacs (Gabriel Fernández Capello/Flavio Cianciarulo/Anibal Rigozzi)

6 - Yo No Me Sentaría en Tu Mesa (Gabriel Fernández Capello/Naco Goldfinger/Sergio Rotman)

7 - Yo Te Avisé (Gabriel Fernández Capello)

8 - Muy Muy Temprano (Gabriel Fernández Capello/Flavio Cianciarulo)

9 -  Estoy Harto de Verte con Otros (Gabriel Fernández Capello)

10 - Aún Los Escuchamos Cantar (Flavio Cianciarulo/Fernando Ricciardi)