The Smiths - The Smiths (Rough Trade, 1984)

A Inglaterra dos anos 80 parecia não ter uma história tão esquecida assim: com Margaret Thatcher de primeira-ministra e usando um discurso tão conservador que fez ela ser conhecida como a Dama de Ferro, pela sua rigidez em não negociar com os mineiros de carvão e muito menos com a Irlanda. Além do mais, o mundo nos anos 80 estava aos poucos indo pro que se podia considerar o futuro: computadores mais portáteis e menores, telefonia móvel tornando-se realidade, a globalização continuava com marcas se expandindo mundo afora e o rock cada vez mais jovem, rebelde e universal, e se a cartilha pop estava ditando e colocando na vitrine os sucessos de Madonna, Michael Jackson, Wham! com George Michael à frente até partir para a carreira solo, Prince se consolidando, a novata Whitney Houston mostrando todo seu talento e sua voz, Lionel Richie em carreira solo após anos no Commodores e também a dupla Hall & Oates engrossavam o caldo. O punk estava resistindo mesmo que seu auge já tinha passado, mas a chama continuava acesa graças a bandas como Ramones, Damned, Talking Heads (já fazendo um rock mais experimental), mais bandas novas como Toy Dolls e Minutemen e o The Clash já sem o auge depois do álbum Combat Rock (1982) custando a saída de membros como o vocalista e guitarrista Mick Jones, e em seguida, o fim trágico. A cena inglesa estava efervescente, era só ver quem estava dominando o pop - Duran Duran, Orchestral Manouvres in the Dark (OMD), Culture Club com Boy George à frente trazendo sua androginia e presença de palco marcante, o próprio Wham!, Adam and The Ants, New Order que surgiu após o fim do Joy Division e o trágico suicídio de Ian Curtis, e o rock também não fazia feio na hora de representar: como o rock tinha um cenário bem alternativo e fiel, porém muito notório, bandas como The Cure liderada pelo vocalista e figura principal da banda Robert Smith com um visual mais gótico, sombrio, mais a patota do heavy metal com Judas Priest (esta já veterana), Def Leppard e o Iron Maiden (dispensamos comentários aqui), mas também nomes como The Cult, The Style Council, Echo and The Bunnymen, Madness, The Bolshoi, os góticos Siouxsie and the Banshees, Sisters of Mercy e The Mission e, principalmente, uma banda formada por quatro rapazes, mas não de Liverpool. Eles eram de Manchester, e se chamavam The Smiths, liderada por Morrissey nos vocais, Johny Marr na guitarra, Andy Rourke no baixo e Mike Joyce na bateria, o encontro se deu quando Morrissey, vindo de uma banda seminal do punk britânico dos anos 70, os Noisebleeds, conheceu na noite Johny Marr que já tocava e estava na ativa desde os 13 anos, e logo os dois estavam começando a gravar demos por volta de 1982 junto do baterista Simon Wolstencroft e o baixista Dale Hibbert, que logo seriam substituídos por Mike Joyce e Andy Rourke respectivamente, e com a formação definitiva, uma das fitas acaba caindo nas mãos da gravadora Rough Trade, que, de imediato, contrata a banda e logo com a gravação do primeiro single com Hand in Glove, acaba agradando o DJ lendário da BBC, John PeelOs Smiths começariam a ficar conhecidos aos poucos e esporadicamente já tinham shows que causavam furores, seja pelo som ou pelos momentos tresloucados como o de Morrissey enfiando um buquê de flores no traseiro - o que mostrava seu lado polêmico e controverso já desde então. 
E logo estavam começando a preparar o primeiro disco - por sugestão de Geoff Travis, o dono da Rough Trade, o produtor escolhido acabou sendo Troy Tate, e durante um mês de preparo, viram depois que a parceria não era lá tão vindoura, e a banda acabou produzindo seu LP com o produtor, olheiro, observador e ajudante da banda John Porter - Marr relutou em aceitar, ao contrário de Morrissey que compreendeu, e o guitarrista topou mudar o viés. Com um resultado não muito satisfatório, a banda acabou sendo obrigado a aceitar o resultado do disco e lançá-lo de um jeito ou de outro, mesmo depois de gastarem seis mil libras. Lançado em 20 de fevereiro de 1984, o primeiro álbum que levava o nome da banda já mostrava para que eles vieram, a capa mostrava o tronco definido, era do ator Joe Dallesandro em cena do filme Flesh (1968) dirigido por Andy Warhol, enquanto os integrantes aparecem em fotos individuais no encarte interno. Para abrir o disco, já vamos logo de cara com Reel Around The Fountain, uma letra que soa sugestiva, fala sobre a perda da inocência de quando você se envolve em algo e você parece que ainda há alguma coisa de infantil na alma, a letra, sugestivamente para a imprensa na época, soava como p3d0f1l1a - o que a banda e Morrissey vivem a negar, o baixo e a bateria mais a guitarra soam perfeito e ao vivo ao escutarmos; a faixa seguinte é uma dose de amargura poética e de peso sonoro, é a conclusão que You've Got Everything Now mostra ser, pois o eu-lírico canta sobre o fato de apenas uma vida casual não ser o suficiente quando percebe que a pessoa parece insinuar que está fingindo sua felicidade, o baixo de Rourke acaba sendo o destaque do instrumental; em seguida, temos aqui uma das pérolas que se destacam no repertório do LP, Miserable Lie traz a história de um rapaz ingênuo vindo do interior que acaba sendo corrompido pelos modos luxuriosos de uma prostituta, e que traz na sonoridade um pouco da sonoridade punk misturada com country ao ouvirmos a guitarra e a bateria mandando ver; adiante, o repertório nos apresenta uma outra pérola presente nesse disco - Pretty Girls Make Graves é sobre a visão de Moz a respeito de sexo e a história de um cara que deseja uma mulher, mas apenas por sexo, e este é apenas cauteloso e deixa sua sexualidade confusa, pois deixa claro que não é asexual, hetero ou gay, e quando ouvimos Morrissey e sua voz conectadas à guitarra de Marr, é que aí o resultado de união de sons nos surpreende; na sequência, a banda já nos traz outra das pérolas que este disco nos proporciona logo de cara, sendo a primeira composição da parceria entre Moz e Marr, The Hand That Rocks the Craddle, feita em 1982, entra de cara sobre a história de uma criança que com medo e atormentada ouve os conselhos de um homem experiente sobre os traumas e lástimas da vida, o arranjo desta com o tom baladista da época, funciona bem para a sonoridade do disco; trazendo uma pérola a próxima faixa, esta logo de cara é reconhecida como o destaque principal do LP, o hit This Charming Man é a história de um cara humilde que se fascina com a alta sociedade, mas não acaba sendo benquisto, e a ambiguidade sexual dos personagens faz com que a música seja aberta ao debate e especulação sobre o real significado, a base sonora com ares pós-punk dá essa aparência, e por mais que se fale se Morrissey canta ou não desafinado, aqui ele mostra o tom que a canção realmente precisava; a seguir, outro tema que deixa muitas questões abertas liricamente, Still Ill é um lamento sobre a passagem do tempo (tando no contexto individual quanto de uma sociedade em toda) e fala no anseio por um passado que não há mais como voltar, e assim, como em várias músicas dos Smiths, alguns interpretam os versos como se falasse de homossexualismo enrustido, o final da música mostra que a Marr e Joyce (baterista) são genios quando fazem um som que mantenha a essência; outro tema do disco aqui que é o grande destaque do disco é justamente Hand In Glove, o primeiro tema que a banda gravou e lançou como single, e há muitas dúvidas sobre a interpretação da letra em relação a se falar de uma relação seja amorosa ou de amizade, mas há muitas suspeitas em se tratando de Morrissey e Marr, mas deixamos de lado e traz aqui uma dose ácida do post-punk ouvindo a guitarra; outro tema aqui que ajuda nesse repertório do disco é justamente uma pérola que soa interessante na primeira escuta, What Difference Does It Make? é aquela música bem básica sobre rejeição quando descobrem seu segredo, Morrissey teria composto baseado após se confessar a outro homem somente para ser rechaçado, o riff de guitarra executado por Johnny deve ser visto como um dos melhores dos anos do repertório da banda e tenho dito; ainda sobrando pérolas presentes no disco, como I Don't Owe You Anything em que fala sobre alguém já embriagado pelo vinho tentando encarar alguém, uma das canções que Moz vinha repudiando ao longo dos tempos, o baixo do gênio Andy Rourke soa bem soturno na escuta da música; o disco encerra com uma música que compete-se com tanta polêmica em torno desta, isto é porque Suffer Little Children fala sobre os assassinatos de crianças em uma região de Manchester entre 1963 e 1965 cometidos por um casal, e a letra causou tanta polêmica, fazendo com que a canção chegasse a ser retirada de edições posteriores, porém, Morrissey se tornou amigo da mãe de uma das vítimas e aos poucos eles foram entendendo, a levada que carrega um pouco de balada tipo soft-rock oitentista funciona perfeitamente, fechando assim com chave de ouro.
A banda logo conquistou o público, apesar de causar logo de cara pelas suas letras tão ousadas e pelo comportamento exagerado de Morrissey em palco, e suas entrevistas causavam curiosidade e interesse. Após o primeiro disco, surgiu o segundo material da banda, que é mais compilação pelo fato de contar com gravações inéditas de singles inéditos e performances no programa de John Peel, intitulado Hatful of Hollow, que saiu mais de um mês antes do Natal, e três meses antes de sair o segundo disco que já vinham trabalhando após a realização de The Smiths, o também sensacional Meat is Murder, lançado em fevereiro de 1985, mas aí já é uma outra história. Em 2003, o disco conquistou a lista da revista Rolling Stone dos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos, inicialmente com o 481º lugar e, 9 anos depois, com a republicação e mudanças na lista, alcançou o 473º lugar, e está sempre em diversas listas das melhores estreias discográficas da história, provando que o rock dos Smiths conseguiu durar mais do que somente na década de 1980, quando estavam ativos. E a chama segue acesa.
Set do disco:
1 - Reel Around The Fountain (Morrissey/Johnny Marr)
2 - You've Got Everything Now (Morrissey/Johnny Marr)
3 - Miserable Lie (Morrissey/Johnny Marr) 
4 - Pretty Girls Make Graves (Morrissey/Johnny Marr)
5 - The Hand That Rocks the Craddle (Morrissey/Johnny Marr)
6 - This Charming Man (Morrissey/Johnny Marr)
7 - Still Ill (Morrissey/Johnny Marr)
8 - Hand In Glove (Morrissey/Johnny Marr) 
9 - What Difference Does It Make? (Morrissey/Johnny Marr)
10 - I Don't Owe You Anything (Morrissey/Johnny Marr)
11 - Suffer Little Children (Morrissey/Johnny Marr)

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