Pornography - The Cure (Fiction Records, 1982)

O ano agitado e marcante de 1982 teve grandes fatos que marcaram a história: além da inovação dos computadores, que contava com a Apple do brilhante Steve Jobs, com o sucesso do Apple II, e vinham desenvolvendo o computador Lisa e futuramente o revolucionário Macintosh dois anos mais tarde. Um clamor de guerra acontecia, a Argentina ainda amordaçada pela ditadura militar, decide entrar em guerra pelo território das ilhas Malvinas contra a Inglaterra - que foi uma decisão digamos, bem burra, feita pelo então presidente argentino, o general Leopoldo Galtieri, e que acabou custando caro para a ditadura. O futebol trazia alegria, ou até determinado momento, pois foi naquele 1982 em que, durante a edição da Copa do Mundo realizada na Espanha, a Seleção Brasileira com um elenco de peso tendo Zico, Falcão, Sócrates, Júnior e Toninho Cerezo com o técnico Telê Santana, estava com as mãos quase na então nova taça, porém, perdeu num jogo com uma vitória impressionante da Itália que contava em seu time Paolo Rossi, e foi tricampeã mundial. Enquanto o auge da época ainda contava com um pouco de ares discothèque (o que estava já na tendência era o new wave), o pop ganharia um capítulo importante chamado Thriller - o sexto álbum solo de Michael Jackson marcava história com uma sonoridade que reacendia a chama disco com toques de soul, R&B, e até soft-rock, e tornava-se a virada de mesa em sua carreira - com as portas sendo abertas até para o público negro na MTV, uma vez que não era comum termos artistas negros com seus videoclipes na então novata emissora televisiva dedicada à música, acaba tornando-se também a grande responsável por esse up na carreira do jovem Michael. Porém, houve também outros grandes acontecimentos musicais em 1982. Foi nesse ano que um grupo de pós-punk britânico iniciava uma nova saga na carreira que parecia não ter uma direção certa, o grupo The Cure, formada em Crawley, cidade do distrito de Sussex, surgida como Easy Cure ainda em 1977 após passagens por grupos como Obelisk do qual Robert Smith, o vocalista e guitarrista, fazia parte, e juntando-se a ele o guitarrista Porl Thompson e o baterista Laurence "Lol" Tolhurst mais o baixista Michael Dempsey, porém, logo no começo, Smith desconfia do excesso dos solos de guitarra de Thompson, querendo um som mais minimalista, além de terem um vocalista chamado Peter O'Toole, que participou da primeira grande oportunidade da banda, que foi um concurso de talentos organizados pela gravadora alemã Hansa Records, gravando faixas que nunca foram lançadas ao mercado. Sem vontade de continuarem ficar a ver navios, O'Toole sai da banda e Smith acaba assumindo os vocais, e decidem romper com a Hansa. Gravam algumas demos, enviam para diversas editoras e gravadoras, até que Chris Parry, diretor artístico da Polydor Records decide topar contratá-los, por um selo chamado Fiction. Gravam o que vêm a ser definitivamente o seu primeiro LP: com uma capa minimalista, Three Imaginary Boys na qual temas como 10:15 Satudray Night, a pesada Object e Fire in Cairo, além da versão para Foxy Lady de Jimi Hendrix com Dempsey nos vocais, e logo a banda começou a conquistar um público na mesma época que Joy Division, Damned, Clash, Madness entre outros. 
Logo após o primeiro LP, a banda lança singles que acabaram a tornar a banda mais popular ainda, a primeira a ser mencionada era Killing An Arab com ecos do punk ainda vigente na sonoridade inspirado no livro O Estrageiro, de Albert Camus, e a segunda era Boys Don't Cry, o maior hit da carreira do grupo, e que gerou uma compilação interessante com o nome desta: alguns lados B, e no mais, inclusão de faixas do Three Imaginary Boys, praxe.
Em 1980, foi lançado o segundo LP Seventeen Seconds, dando ao grupo uma visibilidade bem maior do que no primeiro, já com a consagração, a banda já vinha tocando pela Europa afora, e com Robert Smith à frente da produção musical do disco ao lado de Mike Hedges. Desta vez, já sem Dempsey e com Simon Gallup no baixo e Mathieu Harley nos teclados, a banda começava a tomar um rumo diferente, confirmado apenas no álbum seguinte, Faith, onde o som mostrava essa atmosfera mais soturna e profunda, mas, logo com este disco, outra baixa - Harley saiu do grupo e o Cure nessa época resume-se a um trio, apenas Bob Smith, Gallup e Tolhurst, e quase que o disco acaba sendo gravado no lendário EMI Studios, aquele de Abbey Road - isso mesmo! Com músicas que acabavam mergulhando nos sentimentos mais amargos e cheios de angústia e dores, a banda tinha passado 1981 inteira na estrada, já não tinha muito tempo para poderem dar uma parada e trabalharem em um material novo, e à época, o Cure vinha de uma maré insana, Robert Smith andava tão deprimido que pensou até mesmo em cometer suicídio e pôr um fim na banda depois de 3 LPs mais uma série de 6 singles, mas, o destino acabaria sendo diferente. Logo antes de virar o ano, a banda decide terminar a parceria com Mike Hedges e tentam levar Conny Plank pela influência que os trabalhos dele com o Kraftwerk tiveram nos músicos, mas optam depois por Phil Thornalley a assumir junto de Smith a produção do que seria o quarto LP que, por pouco, a Polydor rechaça o título definitivo - Pornography, considerado potencialmente ofensivo demais. Com somente Smith, Gallup e Tolhurst tocando teclados (os três), o repertório gravado em janeiro até abril e lançado em 5 de maio de 1982 com o tal nome de Pornography, já tinha a oferecer pela capa uma imagem bem do trio distorcida em cores como laranja, vermelho, roxo e azul e todos aparentemente usando maquiagem gótica que virava moda, o batom vermelho virou marca registrada junto do cabelo bagunçado e das roupas mais pretas. O disco já abre bem com uma música de responsa, One Hundred Years na qual Bob Smith já deixa claro no primeiro verso que não importa se vamos morrer, traz em seu destaque instrumental a marcação rítmica sequenciada pelo que parece ser feita numa bateria eletrônica, e o baixo pulsante de Gallup já dão essa aparência do que o disco nos oferecerá; a faixa seguinte que já vai no mesmo tom da primeira e parece ser um assunto bem profundo, A Short Term Effect busca falar sobre os efeitos de curto prazo das drogas, coisa que vinha acontecendo muito antes da realização deste LP, inclusive em consumo de LSD, e Robert se destaca muito não só cantando mas no seu lado guitar hero, aqui tem um riff que é ouvida no início que não é de fazer feio, e Gallup parece libertar alguma sensação de raiva na execução da bateria ao longo da canção; a seguir, o grande destaque deste disco está na faixa que causa um interesse logo na primeira escuta, pois The Hanging Garden soa abordar como algo entre a pureza e o ódio dos animais, ou também pelo título, sobre os Jardins Suspensos de Mumbai, na índia, o peso sonoro carrega uma atmosfera muito parecida ao do country pela guitarra e da música árabe, mas não se estranhe, lembra muito heavy metal inclusive; mais adiante, o disco nos oferece outro tema de enorme destaque no repertório do LP, Siamese Twins tem o mesmo conceito anterior só que envolvendo humanos, embora fãs especialistas na obra do grupo coloquem como uma primeira relação sexual bastante traumática psicologicamente, o arranjo da canção dá esses ares de goth rock que conceitua ao longo do disco: melódico até na voz de Smith, fino; enquanto o disco ainda segue rolando, a banda ainda nos surpreende a cada faixa, e logo em The Figurehead que é uma música que fala especialmente sobre a culpa, dá pra sentir essa sensação logo nos versos iniciais, aqui o peso da guitarra dá o acorde definitivo pra canção; a seguir, um tema que não decepciona também, A Strange Day é na visão de Smith sobre como ele se sentiria se fosse apenas o fim do mundo, aqui muito marcada pela espinha dorsal - baixo e bateria, Gallup e Tolhurst prestando um bom serviço na base instrumental; na sequência, temos uma das mais curtas faixas do disco presente, Cold é baseada nas jornadas viciantes de drogas e sobre os poderes de uma delas, a presença forte da guitarra e da bateria, além do cello executado por Smith, que se mostrou bem tocando diversos instrumentos; o encerramento deste belo clássico fica por conta de um tema que já leva ainda o nome deste disco, Pornography, marcada por um conjunto de significados diferentes em torno da letra, a visão sobre como a memória de sua vida depois que você morre é reduzida a nada mais do que somente as flores colocadas em seu jazigo, marcada por diálogos ao longo da canção, sampleados de trechos tirados da televisão mais na parte do começo, o rock carregado pela guitarra fria e pelos teclados melódicos deixa aqui uma marca icônica do Cure.
O disco conectou o grupo a um outro ambiente, talvez marcado pelos excessos na parte das drogas que vinham consumindo, mostrou uma mudança necessária de identidade, seja ela visual ou sonora, favoreceu muito para o trio na época, que cada dia mais se destacava. Smith, com tantos problemas, quase desistiu da estrada a ponto de acabar indo tocar com Siouxsie and The Banshees durante essa fase. Logo após o lançamento de Pornography, Simon Gallup acaba deixando a banda por um curto período, substituído por Andy Anderson, mas entra também Thornalley dando um suporte em alguns shows e volta Porl Thompson inicialmente como convidado durante o disco seguinte, The Top, mas aí já é uma outra história. O disco se tornou uma influência para o dito rock gótico daqueles tempos, abrindo novas portas e se tornando referência para discos posteriores da banda, figurando em listas de melhores discos do goth rock, também em listas dos melhores dos anos 80 e em especial no 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, e ainda existe um culto enorme 40 anos depois pelos antigos e novos fãs.
Set do disco:
1 - One Hundred Years (Robert Smith/Simon Gallup/Laurence "Lol" Tolhurst)
2 - A Short Term Effect (Robert Smith/Simon Gallup/Laurence "Lol" Tolhurst)
3 - The Hanging Garden (Robert Smith/Simon Gallup/Laurence "Lol" Tolhurst)
4 - Siamese Twins(Robert Smith/Simon Gallup/Laurence "Lol" Tolhurst)
5 - The Figurehead  (Robert Smith/Simon Gallup/Laurence "Lol" Tolhurst)
6 - A Strange Day(Robert Smith/Simon Gallup/Laurence "Lol" Tolhurst)
7 - Cold (Robert Smith/Simon Gallup/Laurence "Lol" Tolhurst)
8 - Pornography (Robert Smith/Simon Gallup/Laurence "Lol" Tolhurst)

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