Um disco indispensável: The Beach Boys Today! - The Beach Boys (Capitol Records, 1965)

Mal estávamos no final da primeira metade dos anos 1960 e parecíamos estar surpresos com tantos acontecimentos revolucionários: o surgimento da minissaia, os avanços tecnológicos, a ida do homem ao espaço, a busca pela corrida espacial entre EUA e URSS no auge da Guerra Fria, o surgimento dos movimentos sociais que lutavam pelos direitos civis, afrontando o racismo segregacionista que perdurou na América ao longo dos anos e tendo seus principais representantes Martin Luther King e Malcolm X, a busca por uma nova identidade individual dos jovens ainda era constante. E o rock se renovava com o período morno de 1959 a 1961, a começar com o fato de que a decaída da popularidade de nomes como Jerry Lee Lewis, Fats Domino, Chuck Berry e até Little Richard já não haviam mais destaque como anteriormente, e os jovens preferiam mais o twist de Chubby Checker, Chris Montez, e a música beat começava a mostrar uma nova faceta do rock, em especial na Inglaterra, onde misturou-se o rock dos primórdios com o skiffle - gênero do sul dos EUA muito popular na Inglaterra graças ao revival e a descoberta deste por meio de jovens músicos - e do revival na terra da Rainha, surgiram nomes talentosos do rock, em especial uma galera muito afudê como uns tais de Rolling Stones - estes com mais afinidade ao blues enraizado dos EUA, Kinks, Beatles e outros tantos, assim como a chamada invasão britânica - que colocou grupos locais americanos a disputarem popularidades com uma turma do Velho Continente nas paradas, sendo que os que mais se deram bem foram os próprios Stones e Kinks (depois proibidos de tocarem na terra do Tio Sam até o final dos anos 60), The Who e os próprios Beatles - que, depois de três mudanças na formação, conseguiu aclamar-se como o maior fenômeno pop inicialmente dos anos 60 e depois do século XX. No chão da América, o que estava salvando o rock de toda a twistmania era a surf music: um rock mais praieiro, agitado e com um som até ousado, nervoso pelas batidas e harmonias da guitarra. Um dos principais cabeças da surf music foi Dick Dale (1937-2019), que com seu grupo The Del-Tones, invadiu as praias e as paradas de sucesso com a instrumental Misirlou, um rockão de solo marcante, juntamente de Link Wray (1929-2005), e Duane Eddy, mais uma turminha da pesada como os Ventures - conhecidos aqui por terem sido os donos do tema de abertura da série Hawaii Five-O e por terem influenciado a Jovem Guarda em especial, The Bel-Airs, The Trashmen, The Chantays e uma turminha da pesada formada por um trio de irmãos e seu primo mais um amigo: os Beach Boys, eles mesmos! Com o início, o quinteto liderado pelos irmãos Dennis (bateria e vocais), Carl (guitarra e vocais) e Brian (baixo, piano e vocais) mais o primo Mike Love (voz) e Al Jardine (guitarra base e vocais) - que saíra ainda nos primórdios para tentar a carreira de dentista, e em seu lugar entrou um rapaz novinho chamado David Marks com apenas 13 anos (o mascote da banda). Brian já era um gênio precoce, e ensaiava com os irmãos os vocais no estilo do conjunto The Four Horsemen através de seu pai Murry Wilson, tocava e estudava piano desde criança, aos 16 ganha de presente um gravador, e convidava o irmão Carl mais a mãe, a irmã de Love e tentava fazer um som com os amigos sem muito sucesso. Muito antes em 1957, Jardine veio a conhecer Brian, Carl e Love enquanto estudavam na Hawthrone High School, enquanto praticavam futebol americano - e dali nascia o embrião dos Beach Boys. Em 1961, após muitos ensaios e os nomes provisórios Kenny & Caddets, Carl And Passions e Pendletones, os garotos da praia vão gravar seu primeiro disco pela gravadora Candix com duas faixas: Luau no lado B e uma tal de Surfin' no lado A, o que ajudou eles a conseguirem a sorte grande: a de assinarem com a Capitol Records, e inicia-se ali a grande jornada deste quinteto brilhante (desta vez tendo o jovem Marks como integrante) na história da música.
A partir de 1962, o mundo veio a conhecer de vez aquele grupo de rapazes que mostravam uma imagem de bons moços com um som influente e que trazia todo um conceito temático na obra: aventuras de surfe, garotas e carros, além de uma pegada totalmente similar à dos anos 50, influenciados por nomes como Johnny Otis e o próprio Berry (esse fez escola): os quatro primeiros álbuns foram um acerto em cheio, com diversas canções nas paradas americanas e vendendo bem, sendo logo de cara um novo fenômeno americano do pop. Surfin' Safari (1962) foi uma estreia simples, mas que conquistou a todos, assim como Surfin' U.S.A. (1962), cuja faixa-título é, até hoje, um dos maiores clássicos da banda, do rock e da década de 1960. A sequência discográfica é bem linear com os sucessores Surfer Girl (1963) e Little Deuce Coupe (1963), que esteve por 46 semanas entre os mais vendidos e que mostrava uma forma diferente de ouvir o álbum: tinha todo um dentro das faixas que envolvia carros e altas aventuras. Mas, em 1964, tudo começaria a ficar diferente: com Jardine de volta ao grupo, após um desentendimento entre Marks e o pai dos Wilson, que empresariava a banda ainda, e o momento da vez era amadurecer musicalmente - Brian era o que o cenário musical buscava desde Buddy Holly ou Elvis, um cara que distribuía muito mais que sua imagem, mas sua aura criativa, o que aprendeu e queria colocar no estúdio. A partir de então, ele iniciara seu breve afastamento dos palcos para dedicar-se a compor fervorosamente, e em junho de 1964 iniciara as gravações do que viria a ser o álbum da maturidade dos garotos da praia: com mais dois álbuns lançados, e uma agenda lotada, o grupo chegou a contar com o countrystar Glen Campbell no lugar de Brian em alguns concertos. Quanto mais Brian buscava se aperfeiçoar com suas canções, mais ele sonhava alto com as ideias das canções perfeitas, e, a partir disto, com All Summer Long tendo sua última música de surfe, a banda começaria a preparar Today!, o oitavo álbum de estúdio, gravado entre junho de 1964 a janeiro de 1965, e que teve o auxílio de músicos sessionistas aclamados,  como o baterista e percussionista Hal Blaine, a baixista Carol Kaye, o pianista Leon Russell, o percussionista e futuro produtor Russ Titleman, o lendário guitarrista Barney Kessel - muitos destes músicos faziam parte do The Wrecking Crew, conjunto de músicos sessionistas que acompanhavam diversos nomes da música e sitiados em Los Angeles, onde a banda estava preparando o seu álbum - mais precisamente em Hollywood, nos estúdios United Western Recording, Gold Star e no da RCA Victor - embora o primeiro estúdio foi onde as gravações foram acontecendo mais - Brian cada vez mais tenso e buscando manter-se no auge criativo e tentando mudar a identidade sonora do grupo, ele sofre um colapso nervoso de tanto trabalhar, no dia 23 de dezembro de 1964 - e é aí que começa seu afastamento do palco, e em seu lugar, entra Bruce Johnston, músico do conjunto The Ripchords e um admirador da banda. Mesmo assim, Brian ainda participava em alguns shows, de aparições midiáticas como fotos e poucos programas televisivos. O resultado acabou por chocar os fãs mais apegados ao estilo praieiro, porém, com pouca notoriedade e raro valor pela crítica à época, o tempo fez justiça a este clássico, que ajudou esses garotos da praia a mostrarem sua nova faceta, e, com uma forte influência da suite, uma derivação do jazz que estava evidente, além de flertar com um estilo nascente, o rock orquestrado e o estilo de canções do produtor Phil Spector - unindo elementos de música clássica, jazz e até R&B nas 12 faixas presentes.
Quando escutamos a primeira faixa, Do You Wanna Dance?, sentimos que há uma mudança nos arranjos das canções e deixando uma riqueza de harmonias presentes neste rock empolgado, e, torna mais popular a canção de Bobby Freeman composta em fins dos anos 1950, e, cuja letra sobre um convite para dançar pode ser vista de duas maneiras - uma é literal e a outra apresenta muita dança, e já foi gravada por Cliff Richard, Johnny Rivers, Bette Midler, Sonny & Cher, John Lennon entre outros; na próxima faixa que se faz presente no álbum, Good to My Baby, existe uma forma concreta de se entender das recompensas e benefícios da monogamia, o instrumental da canção é rico de melodias e os vocais soam plenos, Mike e Brian acertaram em cheio na letra onde alguns pensam que o eu-lírico é um mau namorado para sua garota e acham que poderiam ser melhor, sendo que este eu-lírico assume ser bom com ela, é a famosa inveja alheia presente na letra; adiante, o grupo segue a desfilar belas canções com arranjos fascinantes, mais alto-astral com letras pessoais e cheias de sentimentos, Don't Hurt My Little Sister foi feita após se inspirar na relação de Brian com as irmãs Rovell: Diane, Marilyn - esposa de Brian, e Barbara, mostrava se conflitante e temia em captar os sentimentos conflitantes e torturados com os quais lidava nesse período, e o tom dessa canção faz parecer que um conjunto de R&B está interpretando-a, uma vez que Wilson havia feito e mandado para Phil Spector, que faria as Ronettes gravarem com a condição de que a letra sofresse uma alteração com uma letra diferente sob o nome de Things Are Changing (For Better) e sendo regravada por nomes como The Supremes e Jay and The Americans; na sequência, ainda temos aqui letras falando sobre amadurecimento masculino, Brian trouxe em When I Grow Up (To Be a Man) o que pode soar como a sensação da ansiedade em ser adulto, num rock que traz um cravo e um coro ao melhor estilo dos Beach Boys, claro; sem perder o primor, a banda ainda apresenta aqui o grande hit do álbum, estamos falando de Help Me, Ronda - sobre um rapaz apaixonado por uma mulher que encontra outro homem, e, que para chamar atenção, implora por uma mulher chamada Rhonda, aqui a faixa ainda nos remete aos arranjos dos discos anteriores, mas com mudanças fortes; com uma guitarra empolgante e que ainda traz aquela vibe roqueira tanto dos 50 quanto da primeira metade dos 60, a banda oferece um convite a dançar em Dance, Dance, Dance onde fala do amor de um jovem por dançar, não importando a ocasião; se o lado A era mais alegre e com canções mais agitadas, o lado B é mais melódico com arranjos doces, e Please Let Me Wonder carrega uma beleza nos arranjos e um lirismo poético que surpreende, cheios de versos que tratam de saudades e incertezas, a canção ainda tem Glen participando no violão de 12 cordas; ainda nas baladas doces e belas, eles ainda trazem sentimentos puros na hora de interpretarem I'm So Young, canção conhecida por ter sido gravada pelo The Students e fala de um amor de adolescentes, que na visão os adultos acham não ser duradouro, porém, insistem que este amor deles é real, sem perder o total primor do estilo sonoro nos arranjos; ainda desfilando belas canções, o grupo ainda traz Kiss Me, Baby como um grande destaque no repertório, onde o eu-lírico fala sobre tentar resolver-se com sua amada através de um beijo, mesmo depois de brigas e discussões, ainda traz um dos mais belos arranjos presentes no repertório; adiante, a banda não deixa passar batido e ainda contamos aqui com She Knows Me Too Well, sobre um homem ciumento e cruel, mas que sabendo o quão errado ele está, admitindo que não merece a mulher que o ama, aqui o tom baladista é morno, mas os vocais ajudam a expressar os tais sentimentos;  ainda no repertório, temos aqui uma pérola do grupo de arranjos que fazem parecer uma canção melódica estilo Sinatra ou congêneres, In The Back of My Mind é perfeita para o baterista Dennis Wilson dar voz, e fala de um homem cuja esposa é o relacionamento mais íntimo que possa ter, irradiando as complexidades da vida interior de Brian, a orquestra realmente ajuda no instrumental deixando-a mais perfeita possível; para encerrar o disco, algo bem aleatório no repertório, uma conversa mais distraída do grupo em Bull Session With Big Daddy, que nada mais é do que uma entrevista do grupo com Earl Leaf, sem Jardine presente, mas Marilyn Wilson participa da conversa, que, originalmente tem mais de 20 minutos, e aqui só temos 2 minutos e 10 segundos, fechando de vez este álbum.
Com isto, o grupo começou a trilhar de vez o caminho diferente, apresentando um repertório totalmente inovador para o conjunto da obra deles, mas, sem deixar a beleza poético-sonora presente. Brian estava antenado no que precisava, e, quando um conjunto aí chamado The Beatles lançava Rubber Soul em dezembro de 1965, pronto! - era tudo o que Brian precisava, tomar dianteira e compor uma obra-prima de valor simbólico na carreira, e Pet Sounds surgiu bem em maio de 1966 fazendo-se valer de vez agora de uma trilha sonora mais colorida e psicodélica, mas aí já é uma outra história. Com Today!, o grupo se viu preparado para conquistarem mais uma vez o topo das paradas, com o álbum ficando em 4º lugar no Hot 200 da Billboard, e entrando para a lista dos 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, que destacou essa influência de Spector. Em 2012, uma nova versão da lista dos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos organizada pela revista Rolling Stone colocou este na 271ª posição, porém, nunca é tarde para dar tamanha notoriedade à este clássico.
Set do disco:
1 - Do You Wanna Dance? (Bobby Freeman)
2 - Good to My Baby (Brian Wilson/Mike Love)
3 - Don't Hurt My Little Sister (Brian Wilson/Mike Love)
4 - When I Grow Up (To Be a Man)(Brian Wilson/Mike Love)
5 - Help Me, Ronda (Brian Wilson/Mike Love)
6 - Dance, Dance, Dance (Brian Wilson/Carl Wilson/Mike Love)
7 - Please Let Me Wonder (Brian Wilson/Mike Love)
8 - Kiss Me, Baby (William Tyus Jr.)
9 - I'm So Young (Brian Wilson/Mike Love)
10 - She Knows Me Too Well (Brian Wilson/Mike Love)
11 - In The Back of My Mind (Brian Wilson/Mike Love)
12 - Bull Session With Big Daddy (entrevista com Brian, Carl, Mike e Dennis mais Marilyn Wilson feita por Earl Leaf)

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