Um disco indispensável: Led Zeppelin II - Led Zeppelin (Atlantic Records, 1969)

Não fazia pouco mais de dez dias logo no início de 1969 que um grupo novo chegava com um disco tão ousado, abalável e rupturador: com o apogeu da revolução sonora propagada desde 1965 chegando ao seu eclipse, ainda começamos aquele ano com o lançamento de uma grande banda, e este era o Led Zeppelin, inicialmente um projeto de Jimmy Page que, por pouco, não se chama The New Yardbirds, uma recriação do seu antigo grupo com músicos novos. Aqui, Page conseguiu unir quatro elementos essenciais para a fórmula perfeita da música do grupo: as batidas nervosas e fortemente marcantes de John Bonham, o baixo chapado de John Paul Jones, a voz rouca e puramente blues/soul de Robert Plant, e, claro, a guitarra mágica e delirante do próprio Page. Estamos em 1969, a cena musical da época estava ditando a liberdade de poder fazer um som da forma que quisessem, sem se preocupar com seguir uma sequência melódica, usar o tempo que quisessem para criar uma viagem sonora sem fim. E o Zeppelin era especialista nessa arte, assim como Jimi Hendrix, os grupos Love, Cream, os Booker T. & The MG's, Jefferson Airplane e por aí vai. Enquanto os aclamados Beatles estavam tentando se reconstruir em meio a um cenário de desconstrção da banda (disco abortado, mudança de empresário, questões internas), os Stones se reerguiam sem Brian Jones e produziam Let It Bleed como um dos grande álbuns do ano, porém, protagonizaram nos EUA o vexaminoso episódio do festival de Altamont na qual contrataram a gangue de motoqueiros Hell's Angels como seguranças, causando um desconforto enorme - matando um negro e ainda arranjando confusão com alguns artistas que participavam. Bob Dylan voltava a chamar atenção discretamente com Nashville Skyline, o disco country que o fazia soar como um Johnny Cash ou até mesmo a um Glen Campbell, reapareceu nos palcos na Ilha de Wight, uma das suas únicas aparações como artista no ano, além da apresentação no programa televisivo de Cash - ainda demoraria para retomar aos palcos de vez. Sem perder o primor na hora de consagrarem eventos de tamanhas proporções, alguns rapazes decidiram levar o clima de paz e amor para a consagração do festival Woodstock em uma fazenda da cidade de Bethel (New York) - que teve além de Grateful Dead, Janis Joplin com sua então nova companhia, a Kozmic Blues Band, a sensação da época Creedence Clearwater Revival, Sly & The Family Stone - promovendo o divisor de águas da música negra da virada da década, o aclamado LP Stand!, a mistura de sons afro-latinos com jazz e blues de Santana - a banda e o guitarrista Carlos Santana, os já citados Jefferson Airplane, Crosby Stills Nash & Young, Canned Heat, Ten Years After, e fechando o festival, o lendário concerto de Jimi Hendrix no amanhecer do dia 18 de agosto com sua releitura para The Star Spangled Banner, o hino estadunidense como forma de protesto contra a Guerra do Vietnã, que ainda prosseguiu por mais seis anos. E cadê o Zeppelin nesse festival? A banda ainda era uma novata que chamava a atenção do público com um som que difundia os caminhos do heavy metal e do rock progressivo ao mesmo tempo, os inventores do metal - tais como os Kinks, conterrâneos que lançavam no mesmo 1969 Arthur (Or The Decline and Fall of British Empire), mantendo a linha de discos conceituais que tinham um conceito de narrar uma história da primeira a última faixa. Mas, 5 anos antes, os Kinks apareciam ao mundo com uma canção que parecia vômito, com guitarras gritantes e um som mais agitado - You Really Got Me parecia ter inventado uma nova linguagem roqueira na época. E cinco anos depois, o Zeppelin fecharia os anos 60 como a grande revelação lançando dois discos de grande impacto, com um rock pesado, viajandão e chapante sem decepcionar os ouvidos sedentos por algo diferente - se o primeiro álbum do LZ já mostrava até como seria as direções do que seria o rock dos anos 70, o segundo não passaria batido com sua eficiente fórmula de clássicos recheados de uma sonoridade monstruosa influente.
A banda excursionava pela Europa e pelos Estados Unidos no período de janeiro a agosto, com uma rotina excessiva de recitais, e eles sempre achavam um jeito de poder para para gravar alguns materiais - foram estúdios como o Olympic e Morgan em Londres, pois as gravações foram mais concentradas na América. Só em Los Angeles, a banda aproveitou o A&M Studios, Quantum, Sunset, Mirror Sound e o Mystic, enquanto em Memphis foi no Ardent Studios que a banda conseguiu uma sessão, e uma cabana em Vancouver, no Canadá, foi usada para os registros. A partir deste trabalho, o Zeppelin começa a contar com o engenheiro de som Eddie Kramer, que já desenvolvia um trabalho com Jimi Hendrix - e seria um aliado de peso na hora de ajudar a registrar a sonoridade monstruosa do conjunto que estava fazendo muito sucesso. A capa do álbum apresentava os quatro integrantes em uma colagem fotográfica em cima de uma imagem do Jagdgeschawer 1 (Esquadrão de Combate n° 1) da I Guerra Mundial, conhecido como O Circo Voador, liderado pelo Manfred Von Richtofen - o popular Barão Vermelho, considerado um dos melhores esquadrões de caça da I Guerra - os rostos de Page, Bonham, Jones e Plant foram inseridos, assim como o da atriz Glyns Johns e do manager Peter Grant mais o astronauta Neil Armstrong, e sob a capa, um esboço do dirigível Zeppelin que rendeu ao álbum o célebre apelido de Bombardeiro Marrom. Vamos às faixas: quando ouvimos a risada que dá a deixa para o riff inicial de Whole Lotta Love, segura que aí vem coisa boa do grupo - inspirado e surrupiado de You Need Love do grande bluesman Willie Dixon, a banda apresenta aqui a sua melhor canção do conjunto da obra e Plant mostra como a sua voz soa plena e com muito eco, a guitarra de Page e a bateria de Bonham não decepcionam e fazem o hino acontecer; ainda pra não perder o costume, o Zeppelin nos apresenta outra monstruosidade sonora que é What Is and What Should Never Be intercalando o nervosismo pesado da canção com uma suavidade bucólica que nos remete a um climão psicodélico com o solo inspiradaço de Page imitando uma guitarra havaiana até, segundo o biógrafo Stephen Davis, Plant estaria refletindo sobre um romance com a irmã mais nova de sua esposa - um pouco suspeito até; como um avião de chumbo, a melodia inicial de The Lemon Song, novamente, é a prova de que estamos diante de um álbum greatest hits porque LZII é só filé - e esse blues-rock matador mostra a combinação perfeita dos quatro elementos que formam a alquimia sonora, a letra com muitas insinuações sexuais acabou sofrendo após a editora responsável pelos direitos das canções de Howlin' Wolf cobrar os direitos, e isso fez com que a banda o creditasse nas edições posteriores do álbum anos depois; sem muito mimimi, podemos dizer que o que temos adiante é hino atrás de hino: com um bucolismo do violão e um tom que lembre até Procol Harum, a banda coloca Thank You como uma das mais belas letras de gratidão e agradecimento, e, segundo o que consta em alguns artigos da internet, Plant fez essa canção para sua então esposa Maureen Wilson, e não temos como não parar um pouco para apreciar essa beleza de canção e agradecer pela existência desse conjunto; entrando de cara no lado B do álbum, temos um clássico de primeira do bolachão com um dos mais marcantes riffs de guitarra do mestre Page, logo Heartbreaker - indispensável em muitos dos concertos realizados pela banda, fala sobre uma mulher (possivelmente uma mulher da vida, da noite), que parte o coração do eu-lírico - aqui temos mais momento guitar hero do que somente da voz aura e rouca de Plant, pois Jimmy aqui manda muito assim como o seu xará de Seattle - e nem preciso citar o nome deste; uma canção que acaba por fazer conexão com a anterior é Living Like Maid (She's Just a Woman), apesar de ter um clima bem empolgante e uma cozinha funcionando muito que bem como sempre, é a menos favorita do Zeppelin segundo Jimmy - especula-se que a namorada do guitarrista, Charlotte Martin, teria se sentido ofendida (indireta?) e a bateria de Bonham é o que mais se destaca aqui pela sua sequência de variações rítmicas em algumas partes - é a mais curta do bolachão; na música seguinte, temos aqui um quê de country e folk na sonoridade de Ramble On, uma letra com toques bem místicos e inspirado na obra de J.R.R. Tolkien, em especial no livro O Senhor dos Anéis e no poema Namarië, de onde foi tirado uma paráfrase específica, o rock aqui rola sem problemas e o baixo de Jones desfila plenamente entre a guitarra matadora de Page, a voz rascante de Plant e o batidão insano de Bonham; para a próxima faixa, Plant descansa um pouco a sua voz e deixa o restante construir um tema instrumental de peso, o fato incrível Moby Dick surgiu no momento em que Jimmy Page ter flagrado Bonham tocando no estúdio - ele gravou a parte de Bonham e em seguida juntou somente a guitarra e o baixo de Jones para complementar - essa é a faixa em que tem um dos momentos mais brilhantes de Bonzo na bateria matando a pau em um solo de invejar qualquer instrumentista amador - e deu muito certo; para fechar o álbum de vez, temos um blues enraizadaço onde aqui nos sentimos como se fosse algo mais do roots rock: Bring It on Home foi inspirado e sendo até uma homenagem a Sonny Boy Williamson, porém, houve mais outra treta envolvendo Dixon e foi cobrado os royalties e os créditos, caso resolvido, dá pra dizer que de um blues calmo com Page matando a pau na gaita e partindo para uma pauleira é o que podemos chamar de fechar um disco com classe.
Dá para concluir-se que, com o segundo disco, a banda conseguiu novamente se superar na hora de fazer não somente simples álbuns, porém, obras de arte. No eclipse dos anos 60, os dois discos ajudaram a aclamar de vez o Led como uma das maiores bandas de todos os tempos, e nem foi preciso esperar muito tempo não - com isso, os anos 70 começaram com eles desbancando os próprios Beatles em vendas - sim, eles superaram Abbey Road na época do lançamento - e ajudando eles a tornarem-se o grupo da virada da década e de sempre. De cara, a tournée que eles levaram pela Europa e América do Norte fez com que a multidão fosse sedenta por um som diferente que eles faziam no palco, mais longo e viajandão - acontece é que nos concertos o som era quase diferente mesmo. No mais, a banda conseguiu estampar este trabalho em listas importantes - induzido para a lista dos 200 álbuns do Rock & Roll Hall of Fame ocupando o 47° lugar, presente na lista dos 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer e ainda listas de revistas como a Q, Mojo, Guitarist e da Rolling Stone - em especial a dos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos, ficando na 75ª posição - os gigantes do rock provaram que, assim como os Stones, o tempo estaria sempre do lado deles.
Set do disco:
1 -  Whole Lotta Love (Jimmy Page/John Bonham/Robert Plant/John Paul Jones/Willie Dixon)
2 - What Is and What Should Never Be (Jimmy Page/Robert Plant)
3 - The Lemon Song (Jimmy Page/John Bonham/Robert Plant/John Paul Jones/Howlin' Wolf)
4 - Thank You (Jimmy Page/Robert Plant)
5 - Heartbreaker (Jimmy Page/John Bonham/Robert Plant/John Paul Jones)
6 - Living Like Maid (She's Just a Woman) (Jimmy Page/Robert Plant)
7 - Ramble On (Jimmy Page/Robert Plant)
8 - Moby Dick (Jimmy Page/John Bonham/John Paul Jones)
9 - Bring It on Home (Jimmy Page/Robert Plant/Willie Dixon)

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