Um disco indispensável: Born in the U.S.A. - Bruce Springsteen (Columbia Records, 1984)

Com dez anos de sucesso aclamado por crítica e público, vindo a se tornar logo de cara um dos maiores fenômenos do pop rock dos anos 70, o neo-jerseiano Bruce Springsteen conseguiu um salto maior em meados da década de 1970 logo após editar seu terceiro álbum Born to Run de 1975, considerado a consagração definitiva do ícone. Embora tivesse dois álbuns que até passam despercebidos, pois são lembrados raras vezes, e ambos de 1973 - a estreia com Greetings From Asbury Park, NJ em janeiro de 1973, e 11 meses depois veio com The Wild, The Innocent & The E Street Shuffle, o álbum que mostrava algumas pérolas como a longínqua New York City Serenade (e seus mais de 9 minutos), 4th of July, Asbury Park (Sandy) e também Rosalita (Come Out Tonight) e Incident on 57th Street mostravam o peso do Boss em estúdio, que seria maior ainda em palco acompanhado de sua lendária The E Street Band - músicos que cumpriam a missão de fazerem a melhor alquimia sonora regida por Springsteen, e dentre seus fiéis escudeiros, o saxofonista Clarence Clemons, o baterista Vini Lopez (depois substituído por Ernest Carter e Max Weinberg), o tecladista Danny Federici, o baixista Gary Tallent entre outros que passaram pela maior backing band de um dos nomes do rock que não cansa de trabalhar até hoje (É MOLE!?). Após o jornalista e crítico Jon Landau assistir um show, ele publicou que viu o futuro do rock e que este era o próprio Bruce - no mesmo 1975 - mais precisamente num dia 27 de outubro, ele estampou duas capas importantes de revistas, a Time (uma das conhecidas revistas do mundo) e a Newsweek - e aí sim, era consgrado como um astro mundial do rock. Passados três anos, ele gravou o LP que mantinha a fórmula de banda mandando ver na cozinha, letras que faziam um grande sucesso entre crítica e público, e sem perder a sua essência - com Darkness on The Edge of Town, ele ainda segue a mostrar para o que veio, e Landau, antes apenas um jornalista musical, se tornou seu empresário até hoje, seu fiel escudeiro - e, com mais sucessos, vinha também os problemas pessoais que o colocariam em uma crise pessoal em boa parte dos 80. Ainda promovendo seu álbum duplo editado no início da década, o aclamado e insuperável The River - um dos melhores duplos já feitos na história da música, ele não tinha a melhor fase de sua vida pessoal. Morando no estado da Califórnia - o que ele detestava era morar lá, viciado em álcool e em depressão - esta última, inimaginável, para quem sempre via um rapaz sempre enérgico tocando sua Telecaster e arrastando multidões por onde passa, a realidade é que nada estava fácil para ele. Nada. E, em janeiro de 1982, gravou uma fita demo com uma série de canções em sua casa que rendeu um álbum, o mais pesado, sombrio e dark de sua carreira - o que era para ser apenas um conjunto de gravações para um disco de rock, se tornou o simples e quase incompreendido, porém excelente Nebraska - totalmente caracterizado por uma atmosfera voltada ao folk e com Springsteen tocando violão, guitarra, glockenspiel, gaita, bandolim, percussão, órgão Hammond e sintetizador e fazendo a produção, ou seja: o disco de one-man band que deu certo. Aquela fita contava muito mais do que somente o material que virou as faixas de Nebraska, se querem saber mais. Estamos no ano de 1984, e o estouro do pop 80 ainda causou impacto no cenário musical, e isso graças à Thrillermania, fenômeno causado pelo clássico álbum e divisor de águas Thriller, de um Michael Jackson - e não era só ele quem ditava as regras no cenário, e com a falta de uma rainha no pop, eis que surgia como um furacão, causando impacto e dividindo opiniões, a jovem Madonna, que, apesar do seu álbum de estreia ter alguns sucessos que já eram tocados nas danceterias de alguns lugares do mundo, ela só conquistou o espaço com a célebre Like a Virgin, editada em 1984 - enfim, a rainha era consagrada de vez através da magnum opus. Prince, no mesmo ano de 1984, conseguiu atingir seu grande ápice através da célebre obra Purple Rain - um filme, que divide-se também opiniões, com uma bela trilha sonora que fez sucesso - e até hoje, um dos mais reverenciados álbuns dos anos 80.
E pensam que o Boss ia ficar de fora? Nada! Ele também conseguiu fazer seu melhor trabalho nos anos 80, e que mostrou uma jovialidade e ajudou-o a manter o status de rei dos concertos de arena até hoje, prova do porquê não ostentar os quase 70 anos na cara. Nos princípios de 1982, enquanto gravava as canções do que se tornou Nebraska, ele havia juntado um monte de canções para poder criar o seu sétimo álbum, a considerada obra-prima a nível de Born to Run, Darknes... e de The River - com um material que soasse diferente, totalmente pop e a cara dos anos 80, que, enquanto os países latino-americanos buscavam sair do sufoco que eram os governos militares, os EUA viviam sob um governo autoritário, mas nem tanto, sob o comando de Ronald Reagan, ex-ator e conservador ferrenho. Reagan foi decisivo para não somente em uma nova esperança no país, mas na tentativa de manter os valores e fazer o país ir pra frente - opa, esse discurso lembrou alguma coisa... mas, em estúdio, Springsteen novamente não estava sozinho, ele contava com o auxílio da sua E Street Band - além do velho companheiro de estrada, o saxofonista Clarence Clemons, ainda tinham o baterista Max Weinberg, o baixista, Gary Tallent, o organista Danny Federici e o guitarrista Steve Van Zandt - atuando também na produção ao lado de Bruce e Landau mais Chuck Plotkin. Com uma capa estampando a típica imagem de um americano, vestindo camiseta mais calça jeans e boné no bolso traseiro, em um clique de Annie Leibovitz. Abrindo o álbum, temos a emblemática canção que leva o nome do álbum, e que antes se chamava Vietnam -Born in the U.S.A. foi inspirada na história de um norte-americano que voltava ao país após servir o Exército na Guerra do Vietnã, ou seja, a narrativa de um veterano da guerra e os problemas a enfrentar - a canção acabou sendo vista como patriótica e chegou a ser usada na campanha presidencial de Reagan para a reeleição, o que não agradou muito Bruce não, com um arranjo moderno, é um rock oitentista pra sacudir as cabeças e os mullets imaginários - seja de quem viveu ou dos jovens que querem se sentir nessa década; em seguida, o repertório conta também com Cover Me, que também carrega uma base sonora impressionante, uma bateria vibrante e que remete até a virada dos 1960 para os 70, com uma breve ligação a Gimme Shelter dos Stones, e da reação dos veteranos com as mudanças do país, a evolução socio-politico-econômico de uma América que não sentiu nenhum efeito com a derrota na guerra, e isso é notado até na voz do Chefe ao repararmos a interpretação; sem perder todo o pique, ele ainda apresenta mais pérolas neste álbum, e uma delas é Darlington County, que narra uma jornada de dois caras de New York até as Carolinas e ficam em uma cidade do interior tentando impressionar algumas garotas em pleno feriado 4 de Julho, o famoso Dia da Independência estadunidense, com uma base que lembra canções roqueiras dos 70, e o sax de Clemons mostra se destacar muito junto da guitarra e da levada rítmica da bateria de Weinberg, o que é bom por sinal; na próxima canção, temos aqui um revival puro do bom e velho rockabilly dos anos 50 em plenos 80 em um tema que mantêm essa visão sombria do american dream, e esta é Working on the Highway, onde fala-se sobre um cara que trabalha em uma estrada na concepção de um asfalto e acaba fazendo o mesmo em uma prisão - ele atravessa o muro para se envolver com uma moça, provavelmente menor de idade, e entra em conflito com seus pais e irmãos - a levada de rockabilly funciona muito bem aqui, e a E Street Band manda muito bem na sonoridade; na sequência, uma sequência de melodias e um ritmo mais pra baixo que lembra rock alternativo dos 80, especialmente Smiths, a atmosfera musical é perfeita para Downbound Train, tratando sobre o declínio de um cara que começa a ver sua vida em um rumo diferente após ser despedido, e o clima ajuda muito, sem tanta empolgação como é de se esperar - há uma versão diferente que foi gravada à época de Nebraska; com um toque bem voltado ao country na introdução, I'm on Fire abre um caminho para Springsteen demonstrar influências do Nashville Sound, e contar sobre os desejos amorosos com uma jovem garota em apenas 2 minutos e 35 segundos, em um country moderno com presença de sintetizadores - vale tudo, só não vale decepcionar os ouvidos; e aqui ainda contamos com um tema forte pela sonoridade e por cada verso entoado, No Surrender tenta contextualizar sobre as fugas de cada ser humano dos confinamentos em escolas e bairros, fazendo comparações aos soldados lembrando as tantas referências da Guerra do Vietnã presentes aqui, e argumenta que a amizade e a união sejam essenciais na fuga, a bateria e a guitarra constroem um belo conjunto de melodias no arranjo desta; além do mais, sobra tempo para fazer letras divertidas, ao mesmo tempo, que falassem de amizade - Bobby Jean é algo totalmente diferente do que se pensa, é sobre a despedida do amigo de longa data e parceiro de banda Steve Van Zandt, que retornaria à E Street Band anos depois, carrega uma letra emocionante e um ritmo alegre na melodia, sem perder o brilho da sonoridade do álbum; outra canção que carrega um clima meio pessoal do cantor aqui, apresenta uma narrativa (ao meu ver) de quem está curtindo a noite com seu amor, mas numa depressão que parece o atormentar - I'm Goin' Down soa bem assim se for pegar a letra, mas, com um clima roqueiro empolgante na parte musical, cheia de riffs de guitarra, órgão e palmas complementando aqui; em seguida, temos um outro rock bem na pegada mais animada, com uma temática focada na nostalgia do cantor, refiro-me à Glory Days e que é um dos grandes clássicos presentes neste álbum - um conto seriocômico de um eu-lírico que relembra com tristeza dos seus chamados dias de glória, e do convívio com os amigos dos tempos de colegial, a base capricha no estilo e não erra feio não; na sequência, temos outra canção que é uma das mais conhecidas deste álbum, com um arranjo totalmente enérgico, uma levada que nos contagia, Dancing in The Dark soa como um aceno ao estilo de vida dos operários com quem Bruce cresceu - em geral àqueles que trabalham no terceiro turno, mas têm muito mais a ver com a rotina de um astro do rock - noites sem dormir, shows, sessões de gravação, compromissos artísticos (imprensa em geral), e o refrão trata-se das dificuldades de compor um hit, e fecha com um encontro sexual envolvendo alguém que possa o ajudar - a energia musical também ajudou a conquistar as paradas, e o hit vingou mesmo; para fechar o LP com tudo, mais uma letra cheia de realismo social, sem perder o forte discurso crítico e sempre afinado nas palavras, Springsteen coloca My Hometown não somente como memórias da cidade-natal de um personagem fictício, descrevendo a violência racial e a depressão econômica vivenciadas enquanto jovem e adulto, terminando com a proclamação relutante do locutor de que planeja mudar-se de cidade com sua família, mas não antes sem levar seu próprio filho em uma viagem e poder expressar o mesmo orgulho comunitário que foi incutido nele pelo pai - com um toque mais baladista e sofisticado, dando um clima que combine com a narrativa - e fechando com tudo essa bela obra de arte.
Um patriotismo que visa não fazer vanglórias rejeitando as atrocidades, os crimes praticados e os preconceitos dentro de uma sociedade americana que Bruce não via com bons olhos a falta de sensatez perante a classe operária que lutava pelos direitos e ajudava a construir um país junto do resto da nação, ganham aqui voz e vez. Com esse álbum, a prova de que os dez anos da grande consagração artística valeram a pena, e, todos aqueles fantasmas que o atormentaram, foram superados, Born in the U.S.A. chegou ao topo dos álbuns mais vendidos na Billboard, foi eleito o Álbum do Ano pela revista Rolling Stone, e a mesma revista aclamou 19 anos depois na célebre lista dos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos dando a 85ª posição - merecida. A Juno Award também deu a este álbum o título de álbum do ano em 1985, e figura nas diversas listas dos melhores álbuns dos anos 80 e dos 1001 Álbuns Para Ouvir Antes de Morrer, nem é difícil explicar tamanha importância deste álbum. Em shows, ele já tocou o repertório na íntegra, e mostra o orgulho americano sem parecer algo pró-Trump ou totalmente republicano, já que Bruce é um americano ufanista que conhece a nação e sua realidade, mas um ufanista democrata.
Set do disco:
1 - Born in the U.S.A. (Bruce Springsteen)
2 - Cover Me (Bruce Springsteen)
3 - Darlington County (Bruce Springsteen)
4 - Working on the Highway (Bruce Springsteen)
5 - Downbound Train (Bruce Springsteen)
6 - I'm on Fire (Bruce Springsteen)
7 - No Surrender (Bruce Springsteen)
8 - Bobby Jean (Bruce Springsteen)
9 - I'm Goin' Down (Bruce Springsteen)
10 - Glory Days (Bruce Springsteen)
11 - Dancing in The Dark (Bruce Springsteen)
12 - My Hometown (Bruce Springsteen)

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