Um disco indispensável: Back in Black - AC/DC (Albert Productions/Atlantic Records, 1980)

Em seus sete anos de pura estrada e cinco de sucesso, o conjunto musical australiano de hard rock AC/DC - cujo significado original é alternate current/direct current (leia-se corrente alternada/corrente direta, derivados da Física) - desfrutava com o maior prazer de um sucesso dominante, com seis álbuns bem-sucedidos e uma multidão de fãs sedentos por um rock puramente saudável e de qualidade, de puro peso sonoro e que fazia arrastar multidões por onde passa - seja em festivais de rock, arenas ou casas de espetáculo de capacidades até bem maiores do que 5 mil. Nada mal. Para um grupo que não fazia parte do circuito britânico ou estadunidense, não parecia existir barreiras do mainstream artístico, e visto que era impossível, foram aonde quase não conseguiam acontecer e agradaram a um determinado público que já era de ouvir Kiss, Black Sabbath, Deep Purple, Led Zeppelin, Aerosmith e bandas de sonoridade mais grossa e crua, ou o metal clássico dos anos 70 até comecinho dos 80. Com uma super banda carregando a imensa responsabilidade máxima de fazer rock de qualidade, formada pelos irmãos Angus (solo) e Malcolm Young (base) nas guitarras, o baterista Phil Rudd mais o baixista Cliff Williams e a voz inesquecível de Bon Scott - embora a primeira formação, a de 1973 era já os Young nas guitarras, Dave Evans nos vocais, Larry Van Kriedt no baixo e Colin Burgess na bateria - o primeiro saiu, já Evans ficou até o comecinho de 1974, com uma dificuldade para conseguirem mais shows, decidiu pular fora deixando uma vaga para um tal de Ronald Belford Scott, que já tinha um trabalho dentro do AC/DC que era o de motorista da van, com um currículo de bandas locais como The Spektors, Valentines e Mount Lofty Rangers - por coincidência do destino, ele seria inicialmente o baterista da banda, porém, pegou o cargo de vocalista com a justificativa de ser o integrante da banda que mais pegava garotas e fazia sucesso entre estas, e não é que deu certo? Com isso, Scott se tornava o vocalista da primeira e clássica formação, e logo no ano de 1975 entram o baixista Mark Evans e o baterista Phil Rudd, pronto, aí começa a primeira formação clássica - que grava o primeiro LP nomeado simplesmente de High Voltage, derivação de dois álbuns lançados anteriormente na Austrália, o primeiro também chamado High Voltage e o outro de nome T.N.T., lançado no final do mesmo ano de 75 - o High Voltage que conhecemos só apareceu em 30 de abril de 1976 através da Albert Productions com distribuição da ATCO/Atlantic Records - e dali em diante, o mundo veio a conhecer o verdadeiro peso sonoro da banda dos irmãos Young que rola nos shows e rádios e playlists nos serviços streaming até hoje. Com isso, outra mudança que não afeta muito a banda - apenas a troca de baixistas, sai Mark Evans e entra Cliff Williams, logo após as gravações do terceiro LP intitulado Let There Be Rock e esta formação foi intocável por um período, com isso, mais outro álbum de grande sucesso que fez a diferença naquele 78 embalado ainda pelo luxo balanceado da disco music e o vômito, a rapidez e o jeito alternativo do-it-yourself do punk rock propagado por bandas como Damned, The Clash, Wire, Buzzcocks e Sex Pistols na Inglaterra enquanto nos EUA bandas como Dead Boys, Television, Talking Heads, Johnny Thunders & The Heartbreakers e em especial os Ramones e a rainha do punk Patti Smith agitavam a cena principalmente em New York, para ser mais preciso. Com o sucesso de Powerage, o grupo parte em tournée e gravam em 30 de abril daquele 1978 em Glasgow, na Escócia, no teatro Apollo o primeiro álbum ao vivo com o título If You Want Blood You Got It - um compilado dos sucessos dos três álbuns, exceção de Dirty Deeds Done Dirt Cheap - o segundo LP editado em 1976, com uma energia empolgante do público, e o bolachão é editado primeiro na Europa no final de outubro, e já nos últimos dias de novembro era lançado no resto dos países (Austrália/Nova Zelândia/América do Norte) - é considerado por muitos especialistas um dos melhores álbuns ao vivos já gravados na história.
O lendário vocalista Bon Scott (1946-1980) em ação nos anos 70,
quando a banda surgiu: sua morte pegou a banda AC/DC de surpresa
Mas, vamos diretamente mesmo ao ano de 1979 e é nesse ano que rola uma importante mudança nos álbuns da banda - eles acabam deixando de ter totalmente as mãos de Harry Vanda e de George Young - irmão de Angus e Malcolm, e eles começam a trabalhar com um novo produtor inglês nascido na Zâmbia, Robert John "Mutt" Lange - e os álbuns deixariam de ser gravados totalmente na Austrália, indo para estúdios ingleses e americanos onde haviam os mais inovados e tecnológicos recursos de gravação - com isso, gravaram o sexto LP que se tornou tão emblemático e tão conhecido pelo público, que é uma das suas obras-primas de fácil assimilação popular - Highway to Hell, editado em fins de julho de 1979 e com um excesso de agressividade sonora e a voz de Scott provavam que eles estavam mantendo a essência sem buscar inovar na sonoridade, mantendo-se influenciados pelo blues em especial. Com o estouro da faixa-título nas paradas de rock, e as controvérsias sobre a banda ter algum envolvimento com grupos satânicos, outras canções também ajudaram a popularizar este álbum, como Girls Got Rhythym, If You Want Blood (Ypu've Got It) - canção surgida no meio da tour de 78, Beating Around The Bush, Touch Too Much e também Night Prowler - um blues-rock bem arrastadão no final com seus seis minutos. E iniciaram uma nova tour em 17 de agosto na cidade de Bilzen, na Bélgica, onde tocaram em um festival de jazz, seguiram com mais shows em países como Irlanda (a Éire e a do Norte), Inglaterra, Escócia, França, Alemanha, Holanda e Suíça e nos EUA onde foi um sucesso por onde passou - o encerramento desta foi em um concerto na cidade inglesa de Southampton, no Mayflower Theatre, dia 27 de janeiro de 1980. O último show da tournée e provavelmente de Bon Scott, que, pouco menos de um mês depois, após uma noite de bebedeiras em Londres, mais precisamente em East Dulwich, e visitando alguns amigos, trabalhando em novas canções para o próximo trabalho da banda, estando sob o consumo de heroína, e depois disso, foi dormir no auto de um amigo no banco de trás, e dormiu para nunca mais acordar - na manhã do dia 19 de fevereiro de 1980, ele foi encontrado morto com aspiração pulmonar do vômito como causa definitiva, e a banda estava concebendo seu próximo trabalho - era hora de dar uma volta por cima após a perda do icônico e lendário crooner. Poderia parecer o fim da banda, o momento de seguirem carregando um peso da culpa e responsabilidade, mas não era isso e nem seria: o jeito era seguirem mantendo a banda na ativa com outro vocalista, e, pelo jeito, a missão parecia difícil com as audições: dentre os candidatos, um rapaz que tinha na Inglaterra dos anos 70 uma banda chamada Geordie, de pouco sucesso, e com alguns discos gravados, o rapaz se chamava Brian Johnson e surpreendeu os Young que acompanhavam a busca por uma nova voz, e entrou definitivamente para a banda assumindo o cargo deixado por Scott e buscando o desafio de cumprir a missão de agradar os fãs e dar voz ao cancioneiro rock n' roll que a banda desenvolvia. Com uma nova renovação na banda, era a hora de entrarem em estúdio e produzirem um novo trabalho, no qual expressasse ao mesmo tempo esse sentimento do luto e da saída desse estado, era a hora de mostrar em um novo disco a volta por cima. Para isso, eles novamente contaram com a ajuda de Mutt Lange na produção e o álbum não seria gravado em nenhum estúdio da Austrália, dos EUA ou da Inglaterra como foi em Highway to Hell - e desta vez o QG das gravações seria num estúdio sitiado dentro de uma ilha caribenha, mais precisamente as Bahamas, na capital Nassau, havia o estúdio Compass Point, criado pelo jamaicano Chris Blackwell, dono do selo Island Records, e dali saíram trabalhos incríveis - como o caso do sétimo álbum, o sexto de estúdio, gravado nas Bahamas no período de abril a maio de 1980, estamos mesmo nos referindo a Back in Black, editado em 25 de julho do mesmo ano, e que é uma pedrada garantida.
Da esquerda para direita: Cliff Williams, Malcolm Young,
Brian Johnson, Angus Young e Phil Rudd: nas Bahamas,
criaram um dos melhores álbuns de rock já feitos na história.
Quando vamos ouvir o álbum, logo na primeira faixa, sentimos o soar de sinos ecoados que dão a deixa definitiva para Hells Bells, a música que demonstra os primeiros sinais da situação do luto e da nova vanglória de um grupo recuperando a moral, e a voz de Johnson manda muito na voz, enquanto a guitarra diabólica de Angus não decepciona e eleva o grau máximo de riff master aqui com seus acordes, os sinos foram gravados no momento em que uma tempestade tropical devastou as Bahamas e isso fez com que mandassem trazer equipamentos ingleses para continuarem a gravação, e eles mandam ver muito na sonoridade; na sequência, eles emendam uma pedrada atrás da outra, e Shoot to Thrill faz parte daquelas canções do grupo que não fazem ninguém ficar parado quando tocam nos concertos - tendo uma letra na qual fazem referências sexuais ao órgão masculino, Johnson usa uma metáfora da arma para referir-se a tal parte do corpo, deixando um tom mais sexual na canção - e ainda mostra a força vocal que combina com a base, nervosa e vibrante; como muitos devem saber, o AC/DC sabe fazer histórias contadas em canções cheias de estilo e atitude bem impressionante, em certos momentos, tomam cuidado para não fazerem feio, e é o que eles fizeram em What Do You Do For Money Honey, na qual um cantor de rock encontra uma mulher fina e misteriosa, tentando descobrir como ela ganha tanto dinheiro, aliás, algumas das canções da banda trazem histórias que quase sempre envolvem mulheres - e o som rola total, com uma batida muito marcante que deixa rastros impactantes nos nossos ouvidos; embora haja sempre uma conexão forte entre o estilo roqueiro e o sexo, vai entender o que passa na hora da banda compor coisas como a próxima música, que é Given the Dog a Bone, na qual - acreditem - fala sobre sexo oral, de quando o eu-lírico (masculino) recebe de uma mulher, com a simples metáfora de dar um osso ao cachorro, mas destaco novamente aqui o riff de guitarra de Angus Young, que dá um show literalmente, como se estivesse recebendo inspiração dos deuses da guitarra na hora de gravar; embora hajam canções com doses apimentadas de puro sexo nas letras, tem momentos em que o exagero é imenso na hora do desejo, e Let Me Put My Love Into You traz um Brian Johnson cantando intenções exageradas, e questiona se está flertando agressivamente com o objeto do seu desejo ou se impondo sobre ela? E no refrão soa impressionante quando considera um tom "polido" na qual pede a ela que deixe que faça tais coisas, a letra é picante, porém, o conjunto deixa uma certa dose picante na parte instrumental, fazendo o que sabem fazer de melhor: um barulho de qualidade.
A banda em ação: saindo do luto para entrarem na história
com mais de 27 milhões de cópias vendidas mundo afora (Foto: Ross Halfin)
Continuando a análise faixa-a-faixa, o lado B já nos traz o tema que leva o nome desta obra de arte, é marcada logo pelo início como se fosse a contagem para começar o rockão, contendo a marcação rítmica dos timbales e da guitarra tocada como se fosse fazer um toque por baixo do braço do instrumento - e bum!, nós temos Back in Black, a canção que mostra um conjunto renascido do luto após perderem Scott, enquanto o então novo vocalista cumpre à risca seu desafio de mostrar um potencial cantando, e sem esquecer de destacar Angus mostrando por que ele é considerado um dos melhores guitarristas da história do rock através de seus riffs potentes e marcantes; em diante, ainda podemos contar com outro megahit desse álbum - You Shook Me All Night Long dá sinais de que a banda não perdeu o pique aqui e traz uma energia sonora incomparável, e uma poesia que envolve sexo e motos, nada de tão diferente no sentido poético, mas deixe o rock rolar; na sequência, a banda consegue ir além nos seus teores etílicos do rock através de Have a Drink on Me, que é nada mais, nada menos do que um tributo digno ao ex-colega de banda que era chegadão numas pingas das marvada, explicando melhor, uma celebração alcoólica e nostálgica em forma de canção, que traz um senhor épico solo de Angus, mostrando seu melhor ao longo deste álbum; e ainda sobra muito tempo para falarmos de rock 'n roll, sem mudar em nada na sonoridade, e Shake a Leg faz muito mais do que colocar aos nossos ouvidos um conjunto em sintonia, conectado musicalmente, mostra bem essa essência roqueira, descreve uma pessoa em sua juventude cuja vida está indo pelo pelo caminho errado e busca no rock o caminho certo, mostrando quem ele era, e Johnson manda muito aqui na hora de soltar a voz; para encerar este trabalho, nós temos aqui uma outra pedrada que garante ainda mais o discurso de que o rock é muito mais do que um estilo/gênero, o encerramento não poderia soar mais digno de um álbum deles, Rock And Roll Ain't Noise Pollution mostra o porquê do rock seguir rompendo barreiras do preconceito, e, com isso, um senhor barulho roqueiro como teste final de Johnson - que é aprovado em todas as faixas deste álbum, enfim, ele acertou em cheio e a banda mostrou estar realmente superada do luto e do vazio deixado por Scott. Nada mais justo que louvar as novas vanglórias da banda após a entrada de Johnson, que permaneceu no grupo até 2016 quando foi afastado (em seu lugar Axl Rose, fã declarado da banda) e voltará ainda este 2019 - diferente de Cliff que saíra por causa da aposentadoria, já Rudd ficou até 1983 e voltou em 1991, permanecendo até a tournée de Rock or Bust, editado em fins de 2014. Uma pena mesmo é Malcolm Young ter sido afastado também em 2014 em decorrência do Mal de Alzheimer e demência, falecendo em 18 de novembro de 2017 aos 64 anos. O álbum não fez feio na hora de ser lançado, pois conseguiu até hoje a proeza de ter vendido mais de 27 milhões de cópias mundo afora, sendo este um dos álbuns mais vendidos da história - nada mal MESMO. Mas o rock do AC/DC não deixou de rolar ao longo dos anos, eles seguiram lançando álbuns incríveis, lotando espetáculos mundo afora, e figurando sempre em listas importantes dos álbuns de rock e dos anos 80 em geral - na americana Rolling Stone, figura a posição de número 26 da lista dos 100 Maiores Álbuns dos Anos 80, já na célebre lista dos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos ocupa a 77ª posição - enquanto isso, a emissora televisiva VH1 colocou-o em 82º lugar na lista dos 100 Maiores Álbuns, e em 2005 foi feita uma lista organizada pelo jornalista Robert Dimery dos 1001 Álbuns Para Ouvir Antes de Morrer, e é claro, esse também marcou presença - indispensável mesmo pra quem gosta não somente de rock, mas de música.
Set do disco:
1 - Hells Bells (Brian Johnson/Angus Young/Malcolm Young)
2 - Shoot to Thrill (Brian Johnson/Angus Young/Malcolm Young)
3 - What Do You Do For Money Honey (Brian Johnson/Angus Young/Malcolm Young)
4 - Given the Dog a Bone (Brian Johnson/Angus Young/Malcolm Young)
5 - Let Me Put My Love Into You (Brian Johnson/Angus Young/Malcolm Young)
6 - Back in Black (Brian Johnson/Angus Young/Malcolm Young)
7 - You Shook Me All Night Long (Brian Johnson/Angus Young/Malcolm Young)
8 - Have a Drink on Me (Brian Johnson/Angus Young/Malcolm Young)
9 - Shake a Leg (Brian Johnson/Angus Young/Malcolm Young)
10 - Rock And Roll Ain't Noise Pollution (Brian Johnson/Angus Young/Malcolm Young)

Comentários

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  2. Excelente resenha para um dos maiores discos de todos os tempos, daqueles que marcam as nossas vidas após uma audição apenas e que são realmente indispensáveis em qualquer coleção musical. Gostaria só de acrescentar duas coisas importantes nessa resenha de Back in Black: a primeira é que o disco já está na casa das 60 milhões de cópias vendidas mundialmente (tornando-se assim o LP de rock mais vendido de todos os tempos até hoje), e a segunda é que "Shoot to Thrill" um dos vários hits contidos nesta bolacha, ganhou destaque na trilha sonora do filme "Homem de Ferro 2" de 2010 (estrelado por Robert Downey Jr. - que faz o papel principal), lançado pela Marvel Comics. Longa vida ao AC/DC e parabéns pelo Back in Black, álbum quarentão do mês que vem (dia 25 de julho).

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