Top 10 Indispensável: Especial 1968

Se 1967 foi o ápice da Revolução Sonora, 1968 foi a expansão da mesma com a psicodelia reinando solta, mas o soul foi também responsável por grandes inovações, dentre elas o que se tornou o funk. Nenhum movimento civil parou enquanto rolavam os protestos contra a Guerra do Vietnã, ainda pipocando e levando jovens estadunidenses para combaterem o país comunista do Oriente Médio. O cinema vibrava a estreia do clássico da ficção científica 2001: Uma Odisseia no Espaço, a magnum opus da ficção científica de Stanley Kubrick divisora de águas no estilo, os grandes preparativos dos EUA para uma grande e real viagem à Lua que aconteceria no ano seguinte e isso ajudou a terra do Tio Sam a conquistar a corrida espacial. No México, ocorriam os Jogos Olímpicos, e neste, o movimento dos Panteras Negras foi bem representado por atletas que fizeram gestos reverenciando eles e isso provou o poder negro. Enquanto isso, no Velho Continente, manifestos em Paris no mês de maio tornaram a importância deste ano, movimentos estudantis protestavam bravamente contra uma série de reformas no setor educacional, acabou se tornando uma greve de trabalhadores, dando uma chacoalhada no governo do então presidente Charles De Gaulle. Portugal ainda respirava os ares do regime do Estado Novo, embora António de Oliveira Salazar saísse do cargo em 27 de setembro, um mês após cair de uma cadeira de lona enquanto aproveitava as férias - em seu lugar, um novo chefe de governo assumia seu cargo, Marcello Caetano para encerrar o ciclo da era salazarista, que foi até 24 de abril seis anos depois. Em um 25 de julho deste ano, os estudantes mexicanos protestaram contra os jogos olímpicos e contra a ocupação dos estabelecimentos do Ensino Superior e mais de um mês depois, um massacre acabou por dizimar entre 300 e 400 estudantes, em pleno governo de Gustavo Díaz Ordaz, tio de um comediante que lançava sua nova empreitada na televisão após o fim dos dois programas que tinha envolvimento - o primeiro Cómicos y Canciones, protagonizdo pela dupla de humoristas Viruta & Capulina, e o El Estudio de Pedro Vargas, mas, que demorou apenas um ano devido a um período difícil: fim dos programas no qual escrevia e atuava, sua mãe faleceu vítima de um câncer de pâncreas, 1968 não foi o ano do sobrinho de Ordaz, o comediante Roberto Gómez Bolaños - saudoso Chespirito, que depois deu a volta por cima criando Chaves e Chapolin, seus maiores legados na comédia. O musical que tornara-se fenômeno e chamando a atenção por aproximar-se das críticas à já citada guerra e também pelo flower power onipresente foi Hair, embora criado em 1967, começou a acontecer logo ao estrear na Broadway em abril, e logo foi tornando-se sucesso mundo afora, com as histórias da Tribo e a Era de Aquarius. Enquanto isso, no Brasil, o cerco se apertava mais ainda - graças ao poder autoritário que os militares estavam tendo, atos contra o regime/ditadura ocorriam e a repressão acontecia sempre, a luta pela liberdade de expressão e democracia ainda resistia aos chamados "Anos de Chumbo", o assassinato do estudante paraense Edson Luís de Lima Souto em um confronto entre estudantes e militares no restaurante Calabouço, no Rio - isso originou mais atos contra o regime, como a célebre Passeata dos 100 Mil onde políticos, artistas e intelectuais se uniram para manifestar como num clima de luto. Se o golpe de 64 foi o pontapé definitivo, o grande golpe da época foi em 13 de dezembro de 1968 - quando Costa e Silva instaurou na sua administração o Ato Institucional Número 5,  o pavoroso AI5 - o que marcaria os tais "anos de chumbo" e mais repressão para piorar. Porém, a música salvaria muitos daqueles momentos de tensão, pois haviam acontecido lançamentos importantes: a volta dos Stones às raízes do rock em Beggars Banquet, a grandeza dos Beatles em seu célebre Álbum Branco provando o quão podiam ir longe demais, os Kinks e os valores e perfeccionismos de The Village Green Preservation Society, a volta por cima de Johnny Cash em um importante show gravado diretamente de uma prisão, a de Folsom - rendendo um dos mais importantes registros ao vivo da história, a comprovação de que Jimi Hendrix era uma mente brilhante ao criar pérolas como Electric Ladyland bem antes de seu concerto em Woodstock, um pouco de Cream em estúdio e ao vivo no seu célebre Wheels of Fire lançado antes da separação, uma grande sacada psicodélica dos Zombies em Odessey and Oracle - um trabalho que não foi esquecido com o tempo, a força feminina de Aretha Franklin na música negra com Lady Soul - o título de LP que rendeu o seu célebre apelido. Sem esquecer o puro deboche dos Mothers of Invention com o psicodelismo e os valores americanos em We're Only In It For The Money, liderados por um genial Frank Zappa regendo as maluquices sonoras. E também sobra tempo para falar de Big Brother & The Holding Company, que trazia seu blues puramente ácido e viajandão com Cheap Thrills, na qual trazia uma voz completamente enérgica e vital de Janis Joplin, uma branca que cantava como uma grande negra. Estes foram os 10 álbuns escolhidos a dedo para fazerem parte deste Top 10 brilhante que vão garantir a você uma excelente viagem sonora, let's go!


10º) FRANK ZAPPA & THE MOTHERS OF INVENTION - We're Only In It For The Money
Quem seria capaz de, em sã ou não tanta consciência, de realizar um álbum tão cabeça e debochado com a onda do flower power? Só o Zappa mesmo, à frente dos Mothers of Invention, ele criou um dos mais impressionantes álbuns desta fase, na qual houveram diversas brincadeiras - após o projeto Lumpy Gravy, onde Zappa criava uma peça sinfônica de mais de 20 minutos, ele decidiu usar uma forma de demonstrar que os hippies tinham toda aquela história de clamar por revolução e dominar o mundo era pretexto dos jovens desfrutarem a vida nos extremos movido a sexo e drogas. As críticas aos modo de vida dos americanos burgueses de classe média são notáveis em "The Idiot Bastard Son", "Let's Make The Watern Turn Black", "Concentration Moon" e uma certa ironia presente com figuras femininas do mesmo tipo em "Lonely Little Girl", uma figura feminina típica em "Harry You're a Beast", na qual um dos versos insinuaria uma prática de abuso "don't come in me, don't come in me..." foi censurada para evitar problemas. No que não falta tirações de sarro à turminha do paz e amor, eles atacam com tudo em "Who Needs The Peace Corps?" e a molecagem de "Flower Punk" na qual eles usam uma base de "Hey Joe" de Jimi Hendrix, o personagem se chama Punk e sai a frase "Flower Power sucks"! E não esquecendo o deboche com a capa de "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" onde Elvis, Big Mama Thornton, Lyndon Johnson, Albert Einstein, Llloyd Price e David Crosby além do próprio Jimi Hendrix em pessoa, só podia dar nisto!



9º) THE ZOMBIES - Odessey and Oracle
O grupo estava decidido a darem uma trégua em 1968, mas não sem antes de deixarem uma última cartada como pretexto para se despedirem do público, pois estavam três anos em tournée e decidiram se separar, após estarem desiludidos com a indústria fonográfica. Mas, o baixista Chris White decidiu ter uma ideia de realizarem mais um álbum como despedida, vendo que não estavam em obrigações comerciais, viram tempo e liberdade criativa para conceberem. Eles aproveitaram o ano de 1967 para entrarem nos estúdios Abbey Road logo após os Beatles terem gravado ali um dos álbuns mais importantes da história, o clássico "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band", e ali foi feito um belo trabalho, talvez uma das grandes viagens sonoras de 68. Editado em abril, pouco mais de cinco meses depois do encerramento das gravações, o resultado é algo inacreditável mesmo: mal começamos a pegar os primeiros acordes de "Care of Cell 44", um tema onde acertam em cheio com uma energia solar e colorida, assim como também não podemos deixar de destacar a canção que encerra este LP com "Time Of The Season", o grande hit deste repertório, com um tom mais profundo, mas sem tirar as cores das melodias presentes neste LP. Não esquecendo também "A Rose for Emily" com um belo arranjo vocal, "Butcher's Tale (Western Front 1914)" com sua letra anti-guerra inspirada nos primórdios da Primeira Guerra Mundial, "Maybe After He's Gone" com uma beleza sonora na parte instrumental marcada pela levada de violão e pelo vocal de Colin Blunstone e o piano que marca o refrão, e "This Will Be Our Year" com seu tom característico de balada, também marcada por um piano que se destaca. Foi preciso a banda ter dissolvido-se em 1967, lançar o álbum em 1968 e no ano seguinte o músico Al Kooper sugerir à CBS o lançamento de "Time Of The Season" como single para o álbum ter realmente uma importância na história da música na década e vender mais de um milhão de cópias.


8º) CREAM - Wheels of Fire
Sabemos a injustiça daquele que é considerado um dos maiores power trios da história com relação à este disco, porém, não havia mais como segurar a barra no meio do climão tenso entre o baixista Jack Bruce e o baterista Ginger Baker, que viviam às turras desde o começo, e o guitarrista/vocalista Eric Clapton tendo que suportar toda a treta até não poder mais. A banda fizera uma série de shows em 1968 promovendo o seu lançamento, considerado na época, um sucesso da música pop "Disraeli Gears" que contava com o grande hit "Sunshine Of Your Love", um hino das guitarras e que saltou direto ao topo das paradas em 68. Com a tournée deste álbum, ao mesmo tempo, tinham material demais para mais outro trabalho, e com gravações feitas de julho a agosto de 1967 no IBC Studios em Londres, depois nos meses de setembro e outubro até dezembro do mesmo nos estúdios da Atlantic Records em New York, com retomada em fevereiro, e em março o trio mais o produtor Felix Pappalardi saíram na estrada pela Califórnia, mais precisamente em San Francisco e gravaram ali material ao vivo no lendário templo do rock na cidade, o Fillmore no dia 7 e depois Winterland Ballroom nos dias 8 e 10. O resultado foi um álbum duplo com um conteúdo viajandão e agradável, um blues elétrico totalmente alucicrazy - mezzo estúdio, mezzo ao vivo - a começar por "White Room", o hit da banda que o colocou em voga e com um senhor riff do "God" das mãos lentas, além de uma releitura de "Sitting on the Top of The World" um tema dos anos 30 popular na versão de Howlin Wolf e aqui marcada por uma dose ácida na interpretação, sobra também tempo para inéditas como "Politician" e "Those Were The Days" mais a recriação de "Born Under a Bad Sign", de Albert King e que ajudou o guitarrista a ser reconhecido. Já na parte ao vivo, temos uma adaptação à moda Cream de um clássico do pioneiro do rock e ícone máximo do delta blues Robert Johnson (1911-1938), justo "Crossroads" e aqui com outro tiro certeiro de Eric no que diz respeito às melodias psicodélicas executadas em sua guitarra, além de "Spoonful" de Willie Dixon bem mais chapante do que na versão do álbum de estreia "Fresh Cream" (1966) mais a inédita "Traintime" de Bruce e a épica brincadeira instrumental de Baker "Toad" com o mais solo longo de bateria da história até então. Depois deste álbum, a banda seguiu na estrada, encerrou suas atividades ainda em 26 de novembro de 1968 com um conceto no Royal Albert Hall já com um disco pronto, o "Goodbye" - e dali cada um já seguiria seu destino.

7º) JOHNNY CASH - At Folsom Prison
Depois de um período totalmente complicado em sua carreira, envolvendo vícios em anfetaminas e barbitúricos, selvageria, casamento frustrado e discos sem muito sucesso, Johnny Cash parecia estar num caminho sem volta, num túnel sem luz para mostrar o fim: relembrou dos tempos em que assistiu um documentário sobre a prisão de Folsom, gerando um dos seus maiores sucessos e sugeriu à Columbia Records a proposta de gravar este álbum célebre. Considerado até como um dos melhores registros ao vivo da história da música na qual, além de Bob Johnston pilotando em uma grande casa de detenção presidiária, uma mega banda que o acompanha: Marshall Grant no baixo, W.S Holland na bateria mais Luther Perkins na guitarra e seu irmão Carl Perkins - ele mesmo, um dos ídolos de George Harrison e velho conhecido de Cash dos tempos de Sun Records, mais os Statler Brothers nos vocais. Com a célebre saudação "Hello, I'm Johnny Cash" é que ele dá a deixa para "Folsom Prison Blues" seu clássico de 1957 surgido após ver tal documentário. Sobra momentos para "Dark As a Dungeon" de Merle Travis onde ele fala das condições de trabalho dos mineradores, o conto de um homem que mata sua companheira após consumir whsky e cocaína em "Cocaine Blues", a cinematográfica narrativa de um detento que está indo do corredor da morte para a cadeira elétrica em "25 Minutes to Go", com a voz de trovão do Arkansas dando um toque bem arrepiante. Momento de destaque também fica para os duos com June, sua amada e inseparável parceira em "Jackson" de autoria do Homem de Preto na qual conta sobre alguém que deseja voltar para a capital do Mississippi, e "Give My Love to Rose" uma das melhores canções deste registro e que traz essa perfeição do casal juntos (e shallow now!). O disco não podia fechar de outro jeito, com a composição de um dos detentos chamado Glen Shirley fecha com chave de ouro o repertório, e "Greystone Chapel" fala de uma capela na prisão, contrariando quem nunca achou que Deus tivesse um lugar em Folsom, e depois disto, se despede do público. O álbum rendeu uma boa vendagem de 3 milhões, colocou o cantor de volta ao topo dos nomes do country, visitas a outras prisões, como a de San Quentin no ano seguinte - mas aí já é uma outra história.


6º) THE ROLLING STONES - Beggars Banquet
A banda já até queria esquecer o quase decepcionante ano de 1967 - com as prisões da dupla Mick Jagger & Keith Richards por posse de drogas, uma série de problemas nas tournées e até no programa de Ed Sullivan (essa gerou uma "bomba" mesma que caiu nas mãos do apresentador) onde este fez chiado por causa de "Let's Spend The Night Together", e, pra piorar mais as coisas, o psicodélico álbum "Their Satanics Majest Request" ajudou a banda a ver que estava tudo indo para o ralo, e este trabalho encerra a parceria da banda com o produtor Andrew Loog Oldham. Com isso, Jagger, Richards e cia. decidem retomar às origens da música americana, iniciando uma série de brilhantes álbuns e canções calcadas no roots rock, marcado pelas raízes como o blues, o folk e o country - o primeiro em especial por conta dos diversos discos do gênero - desta vez, o novo produtor seria Jimmy Miller (1942-1994), que trabalhara com eles até "Goats Head Soup" de 1973. O álbum estampava inicialmente um banheiro com paredes e canos rabiscados, depois substituída por um letreiro mais comportado e soando como um convite para o "banquete dos mendigos" (tradição livre para o título Beggars Banquet), e foi gravado entre março a junho de 1968 em Londres no Olympic Studios e em Los Angeles no Sunset Sound Recorders, sem uma megaparticipação de Brian Jones, que, segundo Miller, só gravava quando queria e se comportava de maneira irregular devido ao consumo de drogas e problemas mentais. Mesmo assim, Richard conseguiu trabalhar bem mais como guitarrista e se mostrou bem inspirado. Dentre as canções do álbum, a politizada "Street Fighting Man" inspirada numa manifestação contra a Guerra do Vietnã em que Jagger esteve, mas fora reconhecido, mesmo assim, sofreu banimento das rádios. Uma homenagem aos ídolos do blues em canções como "No Expectations" onde essa atmosfera blueseira é notada como uma ode à Robert Johnson, o blueseiro que teria feito pacto com o Capiroto em meados dos anos 30 em troca do sucesso, enquanto "Parachute Woman" haja uma referência ao estilo de Muddy Waters, ídolo e motivo do grupo a usar uma de suas canções como o nome do conjunto. O grande tema de destaque fica mesmo por conta de "Sympathy For The Devil", inspirado em um livro chamado "The Master and The Margarita" escrito por Mikahil Bulgakov e narrava a passagem de Satã por Moscou nos anos 30 para ver os efeitos da revolução russa, e diferente de toda a polêmica em torno da letra, nada a ver com pactos satânicos, como muito se dizia por aí - a levada rítmica afrolatina feita por uma bela percussão tocada por Rocky Dijon e o piano de Nicky Hopkins dão esse toque mais eclético, sem esquecer o riff de guitarra executado por Richards, o processo de gravação rendeu um documentário sobre os bastidores da canção dirigido por Jean-Luc Godard. Richards ainda fecha com tudo o disco mandando ver em "Salt of the Earth" saudando a classe operária de Los Angeles tendo inclusive a presença de um coral gospel da cidade. É de satisfazer nossa fome de música boa esse banquete.

5º) ARETHA FRANKLIN - Lady Soul
Inspiração para cantoras como Janet Jackson, Whitney Houston, Beyoncé, Adele, Janelle Monáe, Adele, Mary J. Blige, Alicia Keys entre outras tantas, a nossa eterna rainha do soul americano conseguiu mostrar sua força perante o universo da música negra dominado por nomes como James Brown, Stevie Wonder, Isaac Hayes dentre outros - não que ela não estivesse no mesmo patamar, porém, o fato de ser uma das poucas artistas mulheres de destaque na época, ainda que conjuntos vocais como The Marvelettes e The Supremes - ainda com Diana Ross nos vocais, Aretha conseguiu romper o tabu de que mulher fazia música com a alma, juntamente de Nina Simone e suas antecessoras Dinah Washignton, Sarah Vaughan entre outras. Ela gravara em meio às sessões finais de "I Never Loved A Man The Way I Love You" mais um conjunto de canções incríveis que iriam entrar nos repertórios de "Aretha Arrives", "Lady Soul" e "Aretha Now". O segundo álbum citado consegue mostrar uma Aretha inspirativa, brilhante e sem fugir da verdade cantada em canções como "Chain of Fools" sobre uma pessoa acorrentada a um relacionamento abusivo, a falta de fé na humanidade em "People Get Ready" de Curtis Mayfield, a sensação de alguém que volta após deixar o marido em "Sweet Sweet Baby", a belíssima criação poética da mana Carolyn "Ain't No Way" na qual ela decide fazer uma beleza de mistureba blues e jazz com um toque de gospel, as raízes da cantora. Sem esquecer de destacar a criação do casal criadores de clássicos Gerry Goffin & Carole King "(You Make Me Feel Like) A Natural Woman", na qual canta sobre se sentir bem com um companheiro de relação e ajudando a definir a felicidade de uma mulher bem comprometida - 50 anos depois deste álbum "Aretha" deixou o mudo do soul, mas eternizou sua voz para sempre registrado em discos como este.


4 - THE JIMI HENDRIX EXPERIENCE - Electric Ladyland
O mestre das melodias ácidas da guitarra buscava construir um universo sonoro onde misturava rock com jazz, blues e até sons de outros cantos do planeta, ou seja: um som universal, tal como os tropicalistas estavam fazendo por aqui, tal como muitos ainda fazem atualmente. E ele conseguiu, oito meses depois de sua belíssima "Axis: Bold As Love", com a missão de desenvolver um excelente trabalho no qual ele expandiria ainda mais os seus experimentos e não decepcionaria seus ouvintes sedentos pela sonoridade viajandona feita por um rapaz de 25 anos - acompanhado do seu duo de apoio, o baixista Noel Redding e o baterista Mitch Mitchell para o acompanharem em seu novo trabalho, intitulado "Electric Ladyland", que antes ostentava a capa de 18 mulheres totalmente nuas com coisas do guitar hero nas mãos, e depois substituída por uma espécie de pintura somente de Jimi, como acabou sendo definitiva no mundo todo. O álbum inicia com uma vinheta de 1 minuto e 15 segundos chamada "...And The Gods Made The Love", e dali em diante, só filezão: a alucicrazy "Crosstown Trafic" com sua marcação rítmica incomparável, a célebre jam session convertida na mágica "Voodoo Chile" com a presença de Steve Winwood (Traffic) e Jack Cassidy (Jefferson Airplane) participando nos 15 minutos mais marcantes que você irá ouvir, e pensem num baita classicão que proporciona ir a outras dimensões sem perder o rumo. Ainda sobra tempo pra mandar ver em "Gypsy Eyes", "Burning of The Midnight Lamp" e "1983 (A Merman I Should Turn Be)" e seus 13 minutos incendiários de pura lisergia com um belo som de baixo tocado por Redding, "Rainy Day, Dream Away" e "Still Raining, Still Dreaming" que contaram com as presenças de Buddy Miles, Freddie Smith, Larry Faucette e Mike Finnigan ajudando a mutiplicarem camadas cheias de tons mágicos.O melhor fica logo para o final, primeiro uma senhora releitura de "All Along The Watchtower" na qual Jimi faz uma incrível releitura para um senhor tema de Bob Dylan lançada em 1967 no diferentão "John Wesley Harding", e que deu um novo ar poético-sonoro, tornando-se em hit. E o final fica por conta de "Voodoo Chile (Slight Return)", uma excelente canção que mostra o quão a genialidade de Hendrix alcançava plenamente seu nirvana musical - e depois disso, ele montou outras bandas, mesmo que com apenas Mitchell na formação.


3º) BIG BROTHER & THE HOLDING COMPANY - Cheap Thrills
O grupo californiano de acid blues, surgido ainda em 1965, aconteceu momentaneamente para ajudar a aclamar não somente eles em si, mas uma moça que entrou em 1966 para ocupar o cargo de vocalista: a texana Janis Joplin, que cantava como uma negra do Mississippi ou do Tennessee, e era dona de uma beleza que encantava. E em 1967, após apresentarem-se em eventos como o Mantra-Rock Festival e até no lendário Monterrey Pop aonde foi embalado por performances marcantes como a dos Who quebrando tudo no final e Jimi Hendrix queimando sua guitarra - a apresentação do Big Brother & The Holding Company chamou a atenção de vários artistas presentes, com aquela moça fazendo o canto da sereia psicodélica. O destino os favoreceriam mais ainda, com a venda do catálogo da gravadora Mainstream Records para a Columbia, agora poderiam fazer um álbum mais repercutido no mainstream - e fizeram, como contratados de uma grande gravadora, e empresariados pelo mesmo manager de Bob Dylan, Albert Grossmann, o negócio era fazer um registro - ao vivo e no estúdio. Para isso, usaram o auditório Fillmore East do lendário Bill Graham na hora de registrarem o melhor do grupo em palco, enquanto alguns sons rolavam em estúdio, e o resultado saiu como "Cheap Thrills", com a célebre capa do ícone do underground comix, Robert Crumb - um humor alternativo e psicodélico ao mesmo tempo. Ouvindo a abertura "Combination of The Two", já sentimos que a coisa vai ser boa logo de cara, ainda temos a releitura de "Summertime" dos irmãos Gershwin onde Janis grita com a alma dando voz a um dos maiores standards, ainda soba tempo para "Piece of My Heart" o grande sucesso deste álbum, e encerrando com "Ball and Chain" uma interpretação de deixar Big Mama Thornton orgulhosa só de ouvir - depois disso, Janis saiu vendo que o grupo era pequeno demais para seu grande talento vocal e continua sendo lembrado como uma das maiores cantoras da história.


2º) THE KINKS - The Kinks Are The Village Green Preservation Society
O grupo se vangloriava dos seus discos com temas fortemente ligados aos valores e costumes britânicos, eram as crônicas de Ray Davies que todos gostariam de ouvir - gravado após o lançamento de "Face to Face" e princípios de 68, a banda conseguiu gravar o seu último trabalho com toda a clássica formação - os irmãos Ray e Dave Davies nos vocais e guitarras, Pete Quaife no baixo e Mick Avory na bateria, e já sendo o primeiro sem a produção de Shel Talmy, a banda decidiu seguir mostrando seu melhor em álbuns como este. O álbum que inicia com "The Village Green Preservation Society" louva uma Inglaterra ainda pré-urbanizada, citando desde "God Save The Queen" até o Pato Donald, reflexões sobre como registramos momentos da vida e colocamos dentro de um álbum de fotos em "Picture Book" faz a gente refletir sobre esse mundo com sua melodia remetendo à "(Oh) Pretty Woman" de Roy Orbison (sim!) - e "People Take Pictures Of Each Other" segue essa linha, realista, sobre a gente registrar pessoas e coisas em fotografias, cabe notar que aqui soa como se referisse aos tempos atuais, em especial sobre o Instagram (rede social de fotos). Sobra momentos para falar sobre vida no campo e escapar do caos urbano em "Animal Farm", os momentos compartilhados ao lado de alguém sentado à beira de um rio em "Sitting by The Riverside", um Deus chateado com a forma como as pessoas tratam umas às outras em "Big Sky" com guitarra e baixo fazendo um belo casamento melódico. Resta tempo ainda para antecederem o goth rock e o metal em canções como "Wicked Annabella", sobre uma mulher misteriosa e possivelmente bruxa, com um baixo arrepiante. Há quem não veja este como um excelente álbum para ocupar a medalha de prata, mas há quem também defenda a posição e saiba da importância para a trilha sonora de um 1968 tenso, polêmico, cheio de conflitos, mas também marcado pelas inovações poético-musicais da época, e os Kinks aqui deram valor às raízes com um álbum totalmente britânico e pop para aqueles tempos.

1º) THE BEATLES - The Beatles/Álbum Branco
Ok, eu sei que é pedir demais numa lista tão impressionante sobre álbuns do ano de 1968 e dar essa posição para os Beatles, que muitos se cansam de dar o primeiro lugar a eles para tudo: melhor banda, melhor disco de todos os tempos, melhor acontecimento musical do século XX depois do jazz e blah blah blah... Retomando aqui, é preciso reconhecer a devida importância que este álbum têm para a trilha musical daquele ano, eles tinham começado o ano em uma temporada de retiro na Índia para meditarem com Maharishi Maheshi Yogi, na qual estavam também a atriz Mia Farrow (recém-saída de um casamento com Sinatrão), o beach boy Mike Love e o cantor Donovan entre outros. Recaídas com a temporada indiana da parte de Ringo e depois de Paul e John, a banda decide iniciar uma fase mais self-made-men, abrindo o selo Apple e produzindo um disco duplo, algo totalmente inovador para uma banda com cinco anos de sucesso e onze de estrada (vale lembrar que começaram como The Quarrymen e com uma formação beeeem diferente). O resultado não podia ser outro: 30 canções que poderia explicar com louvor cada HINO presente nestes dois bolachões unidos em um só. Desde o momento multi-instrumentista de Paul McCartney em "Back in the U.S.S.R." e em "Dear Prudence" onde toca bateria no lugar de Ringo - que ficou fora da banda por um curto período. A flertada com o ska, gênero que derivou o reggae em "Ob-La-Di, Ob-La-Da" mostra essa irreverência que a banda carregava na hora de variarem um pouco a sonoridade, e nessas de variarem um pouco cada coisa, George chamou Eric Clapton para gravar um riff de guitarra em "While My Guitar Gently Weeps", uma de suas melhores criações. Ainda sobra tempo para uma homenagem e declaração de amor canino em "Martha My Dear" com ares retrô na parte instrumental, o bucolismo de "Blackbird" - que por pouco não vira releitura de "Asa Branca" como teria dito Carlos Imperial, a brilhante mistura de country de saloon e folk em "Rocky Raccoon" com o produtor George Martin, a sacada de Starr como compositor na perfeita "Don't Pass Me By" e as lembranças de John sobre sua mãe em "Julia", com quem teve pouco convívio, e também faz referências sobre sua nova companheira Yoko Ono. Enquanto na parte dois do álbum, um clima eufórico e festivo em "Birthday" inspirado após assistirem um filme dos anos 50, a confissão de John sobre angustiar a ausência de Yoko em "Yer Blues", o bucolismo poético de "Mother Nature's Son" mais a crítica ao Maharishi em "Sexy Sadie" na qual John acusa o mesmo de dar em cima de Mia e sua irmã, a épica mãe do heavy metal em "Helter Skelter" com um peso sonoro insano, uma versão eletroacústica de "Revolution 1" com uma mensagem politizada de Lennon e diferente do compacto lançado como lado B de "Hey Jude" - sem esquecer George e sua brincadeira sobre doces em "Savoy Truffle", o momento porra-loca experimentalista de John e Yoko em "Revolution 9" com Martin e Harrison em uma colagem de sons e vozes que foge do tipo de canção, e Ringo se despedindo do público neste disco com "Good Night" escrita por John e com um primor belo no arranjo orquestral que dá o tom. Tá bom ou quer mais? A capa, concebida por Richard Hamilton, também ajudou a fugir do padrão, mostrando o nome da banda em alto-relevo, e um encarte recheado de fotos e letras. É um dos melhores álbuns duplos já feitos, e mostra o quão a banda conseguiu mostrar-se tão revolucionária, amadurecida e pronta para mostrarem ainda mais o seu melhor - embora esse álbum também seja o início do fim de uma banda que mal imaginava que os tempos já seriam diferentes.

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