Um disco indispensável: Ten - Pearl Jam (Epic Records, 1991)

Como a história pode provar, cada virada de década representa a transação de um nova era que muda o comportamento das gerações: nos anos 50 para os 60 foi a saída do rock tradicional que revolucionou e entrava o twist, e uma nova forma de fazer rock. Dos 60 para os 70, foi o fim da era psicodélica movida a sexo e muitas drogas, além de sons viajandões, para o progressivo e no meio da década eram o punk e a disco que ditavam moda. Dos 70 para os 80 era o fim da era luxuosa e dançante da discothèque e do vômito cheio de rebeldia do punk para dar espaço ao new wave e ao metal e também ao pop com influências da disco, do soul e do funk com uma incrementada de rock, além do rock alternativo carregado pela influência do pós-punk e do metal além do emblema do-it-yourself (faça você mesmo). E o pop perde seu espaço grandioso no começo dos anos 1990 para uma rapaziada de Seattle, vestindo camisetas de artistas desconhecidos pelo grande público, guitarras barulhentas, gravações de qualidades mais ou menos, cabelos longos bagunçados e com letras que tratavam sobre problemas juvenis, depressão, angústias da vida e desilusões amorosas e pessoais. Bandas começaram a chamar a atenção do cenário musical e do mercado fonográfico americano, como no caso do Nirvana - que graças à uma mãozinha da baixista Kim Gordon, do Sonic Youth, conseguram um contrato com a Geffen e lançou a magnum opus dos anos 90, o clássico Nevermind que está aqui no blog para conferirem. As principais bandas do grunge eram também Mudhoney, Soundgarden - voltado também para uma onda mais metal altetnativo, o Stone Temple Pilots, Alice in Chains, Hole - liderada por Courtney Love, The Melvins e o Mother Love Bone - formada bem no fim dos anos 80 por três membros do Green River, logo o baixista Jeff Ament e os guitarristas Stone Gossard e Bruce Fairweather, que se juntam ao baterista Greg Gilmore e o vocalista Andrew Wood (1966-1990) para formarem a banda com muita influência do rock dos anos 1970, em especial de bandas como Led Zeppelin, Deep Purple e Aerosmith e dos embriões do punk como MC5 e os Stooges e gravam em 1989 o EP de nome Shine, produzido por Mark Deanrley e editado pelo selo Stardog com parceria da Mercury Records (da PolyGram) e viram a década com o álbum prontíssimo Apple, mas um baque acaba interrompendo a trajetória da banda - em 16 de março de 1990 falecia aos 24 anos o vocalista Andrew Wood de overdose de heroína, enterrando ali a trajetória do Mother Love Bone de vez, mas com material inédito que viria à luz do sol em 1992. Nesse breve período após o fim trágico da banda com a perda repentina de Wood, Gossard pratica guitarra com Mike McCready, recém-saído do conjunto Shadow e foi o mesmo que encorajou Stone voltar a tocar com Jeff, então nascia 1/3 de mais uma nova banda de grunge. Logo em diante, eles começam a gravar demos em estúdio com letras de Gossard e tendo dois bateristas participando das gravações: Matt Cameron, do Soundgarden e um velho conhecido de McCready dos tempos de Shadow, Chris Friel, com quem gravaram algumas instrumentais - tudo em sessões separadas. O impressionante foi que a compilação de demos tiveram algumas cópias, e uma delas parou nas mãos de um jovem que ouviu após receber de Jack Irons, ex-baterista dos Red Hot Chili Peppers - o rapaz se chama Edward Louis Sevenson III- que adotou o sobrenome de solteiro da mãe e converteu-se em Eddie Vedder, e foi dando letra a alguns temas da demo que encontraram O CARA, e quando Stone e Ament ouviram aquilo, convidaram ele para uma audição em Seattle e chegou na cidade do estado de Washington em 13 de outubro de 1990 e ensaiou com o restante do grupo, já com Dave Krusen na bateria - pronto, assim surgia a banda que se chamava Mookie Blaylock. Ainda em outubro e novembro de 1990 os membros da Blaylock mais Chris Cornell, vocalista do Soundgarden e Matt Cameron fizeram um disco-tributo em homenagem a Andrew Wood em espécie de projeto paralelo chamado Temple Of The Dog - banda e disco, gravado no London Bridge Studios em Seattle e editado ainda em 16 de abril 1991 pela A&M Records vendendo um milhão de cópias, ou seja: um novo cenário roqueiro estava dominando e prestes a desbancar Michael Jackson, Madonna entre outros figurões do pop que dominaram nos 80 até um pedaço do início dos anos 90. Em janeiro de 1991 a banda volta ao estúdio London Bridge para poderem gravarem mais conteúdo inédito com base nas demos, ao lado do produtor Rick Parashar, e de contrato assinado com a Epic - que, preocupados com os direitos de propriedade intelectual com o nome do jogador de basquete e trocaram por Pearl Jam - eureka! Assim surgiu a mudança de nome de uma das maiores bandas do rock da geração 90 que ainda marcou gerações e segue a marcar até hoje. A maioria das gravações principais continuaram em março e abril de 1991, Ament relembrou que sabiam que estavam muito longe de ser uma banda de verdade nesse ponto, e com muitas músicas ainda prontas desde o final de 1990, o restante do trabalho foi muito rápido, durando até maio, quando Krusen deixa a banda para entrar em reabilitação - em alguns clipes e na turnê foi substituído por Dave Abruzzese, que ficou nos dois discos seguintes.
O nome deste álbum se chama Ten, em homenagem ao número da camiseta de Blaylock (coincidência?!) e foi lançado em 27 de agosto de 1991 pela Epic, e, mesmo gravado no QG do grunge, a mixagem não foi em Seattle - mas sim na Inglaterra, em Dorking no Ridge Farm Studio - um estúdio dentro de uma fazenda aonde o Queen gravou A Night At The Opera (1975), e o trabalho ficou a cargo de Tim Palmer em junho, e, segundo a banda, a mixagem não agradou muitos e que não tinha nada a ver com o som apresentado pela banda. A capa do álbum apresenta os cinco em uma pose em pé em frente a um logotipo de madeira com o nome da banda, criação de Ament no estilo "um-por-todos-e-todos-por-um" com design gráfico de Lisa Sparagano e Risa Zaitschek e a fotografia de Lance Mercer - mas a foto da banda era para ser preto-e-branco com o fundo de tom bordeaux e a acabou ficando rosa, mas que, segundo o baixista "havia cabeças com o departamento de arte da Sony no momento" mas, ficou do jeito que ficou e na edição CD reduziram a imagem apenas para as mãos e o logo com o rosa atrás - a imagem inteira só via abrindo o encarte. Abrimos aqui Ten com uma faixa que já mostra para o que a banda veio, com uma vibe meio macabra e uma percussão que arrepia, Once - feita em cima das demos de Gossard aparenta duas das grandes características sonoras da banda, a potência vocal de Vedder e a guitarra de McCready numa canção que depois o vocalista explicou fazer parte de uma trilogia da história da descida de um homem à loucura que o faz se tornar um serial killer e dá as pistas através do jeito que Vedder canta; em seguida vamos para outro tema de destaque do disco e um dos grandes clássicos dos 90, falo aqui de Even Flow que fala jornada de um morador de rua, possivelmente iletrado, que dorme em um travesseiro de concreto, com uma guitarra tocada em afinação havaiana e inspirada em Stevie Ray Vaughan segundo McCready e mostra Krusen mandando ver na bateria total - embora tenha deixado eles ainda antes de sair o disco; continuando com aquela trilogia iniciada lá em Once, a sua continuação permanece na faixa seguinte chamada Alive, com um dos melhores solos de guitarra da história executado por Mike e com uma história de um jovem descobrindo que seu pai na verdade é seu padrasto, enquanto a sua mãe o acha mais parecido com seu pai biológico - parte da história é autobiográfica na vida de Eddie, uma parte já é mais ficcional, chegando a ser um desabafo pessoal de sua vida, mas como tem ênfase na trilogia, é um passo da loucura do homem que vira assassino (como contado na primeira faixa); em seguida, temos uma personagem que é uma jovem pega pela mãe fumando um cigarrão suspeito - e é bem isso do que se trata Why Go - e a mãe acaba por colocá-la em um hospital e ficando lá por dois anos, pois, para isso, foi forte recusando as acusações da mãe de que tinha feito coisas horríveis, quando, na verdade, não tinha feito nada demais - e o arranjo soa bem heavy por aqui na escuta da faixa; na sequência, temos aqui uma das primeiras músicas da banda ainda feitos somente com Stone naquelas demos em busca de um baterista e vocalista, e aquela E Ballad da demo dele virou uma balada grunge chamada Black, um dos clássicos da banda, a história do homem com um coração partido, que está se lembrando da sua amada ausente, o trabalho melódico aqui soa excelente e a guitarra capta muito bem o sentimento fazendo uma união com os versos cantados por Vedder e com direito a um piano tocado por Parashar que segue até o final da faixa; e ainda com histórias sérias e inspirada em fatos, como o caso de um jovem que se suicida com os colegas assistindo - tirado de uma nota de jornal sobre isto, Vedder compôs Jeremy numa narrativa cinematográfica, um tanto detalhista sobre a vida de Jeremy Wade Delle que jogou a sua vida fora aos 15 anos numa manhã de 8 de janeiro de 1991, e uma incrível notícia torna-se uma espécie de relato musical sobre bullying e também inspirado em um caso que Eddie conhecera quando estudava em San Diego de um garoto chamado Brian - o peso agressivo da música consegue soar como uma sensação de tudo o que o jovem vivia e sofria, de arrepiar mesmo e o baixo da introdução ajuda a dar o tom da narrativa ao ouvirmos. 
Ao ouvirmos o tema que abre o lado B deste disco, podemos sentir pela sonoridade a influência de música havaiana e uma pegada mais séria no ritmo de Oceans - composta por Gossard e Ament e que Eddie cantou ao voltarem de um dia na praia e fala sobre a paixão de Vedder pelo surfe e, que além dos tímpanos feitos na bateria, Palmer acrescentou na mixagem sons de frasco de sal e extintor de incêndio como percussão - o que deixou a música um pouco mais sofisticada nessa parte; uma outra música que vale dar um destaque também - não somente pela parte musical é Porch, na qual Eddie Vedder parece que está falando sobre a visão do eu-lírico em um caos que vive após a separação do casal e dos sentimentos de vazio ao sentir ser amado, com uma pegada que remete muito ao metal ao ouvirmos guitarra e bateria logo de cara; para a próxima canção do disco, vamos pegar leve e tentar entender a letra de Garden - lendo e dando uma análise básica, pode ser que fale sobre a morte, pois fala de um jardim de pedras presente na letra - e falo com tranquilidade que o tal jardim de pedras seja um cemitério realmente, e acaba por deixar vestígios sombrios na letra e nas melodias, uma guitarra mais melancólica que deixa sua marca nos menos de 5 minutos da canção; e outra canção com pegadas fortes e sombrias que faz parte deste disco é Deep - provando que nem só de baladas e temas confessionais vive Ten, apresenta tocar nas temáticas de morte e de suicídio, tem uma pegada que lembre a sonoridade psicodélica de Jimi Hendrix nos anos 60 e a acidez pode ser notada na guitarra de Mike McCready ao ouvirmos e a bateria mostra uma pegada forte, o que ainda temos de Dave Krusen na banda por aqui; o encerramento deste disco fica por conta de um tema mais calmo e sem tanto peso, Release chega a ser um pedaço das confissões sobre o pai biológico de Eddie Vedder, que morreu ainda quando o vocalista era jovem: um desabafo sobre a ausência do verdadeiro pai que nos faz pensar sobre isso, e dos 5:20 até 9:06 de duração há uma faixa escondida, com tons sombrios, chamada Master/Slave que ajuda a fechar de vez a bíblia do grunge que fez a cabeça de muita gente e só alcançando números de vendagens dois anos depois, quando o movimento já tinha saltado para o mainstream com o Nirvana e sua obra-prima da década Nevermind - mas aí já é uma outra história. A partir deste momento, com este disco e também com a magnum opus do Nirvana lançada em menos de um mês depois, a cena alternativa dominaria o cenário e Seattle se tornaria a nova capital do rock, o disco entrou para a lista da emissora de música VH1 dos 100 Maiores Álbuns de Rock and Roll entrando no 83° lugar, e na famosa e sempre presente lista da revista estadunidense Rolling Stone dos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos, ele marca presença na posição de número 207 e sendo destaque dos álbuns dos 90 presente na lista dos 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, uma lista de grande importância para a música. Vinte e sete anos depois de seu lançamento, podemos comprovar que o grunge ajudou a romper tabus com temas discutidos, mas com rara frequência e agradecemos boa parte disso ao Pearl Jam e ao Ten que mostrou a cara de Seattle no mundo.
Set do disco:1 - Once (Eddie Vedder/Stone Gossard)
2 - Even Flow (Eddie Vedder/Stone Gossard)
- Alive (Eddie Vedder/Stone Gossard)
4 - Why Go (Eddie Vedder/Jeff Ament)
5 - Black (Eddie Vedder/Stone Gossard)
6 - Jeremy (Eddie Vedder/Jeff Ament)
7 - Oceans (Eddie Vedder/Stone Gossard/Jeff Ament)
8 - Porch (Eddie Vedder)
9 - Garden (Eddie Vedder/Stone Gossard/Jeff Ament)
10 - Deep (Eddie Vedder/Stone Gossard/Jeff Ament)
11 - Release (Eddie Vedder/Stone Gossard/Jeff Ament/Mike McCready/Dave Krusen)
12* - Master/Slave (Jeff Ament)

* faixa escondida

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