Um disco indispensável: Blood Sugar Sex Magik - Red Hot Chili Peppers (Warner Bros. Records, 1991)

Em 1988, o conjunto musical Red Hot Chili Peppers estava conquistando um grande salto: com o terceiro álbum, intitulado The Uplift Mofo Party Plan, a banda começava a ser mais reconhecida do que nunca, com vários shows agendados, o sucesso em fervorosa, o vocalista Anthony Kiedis mais o baixista Flea e o baterista Jack Irons não imaginavam que um grande baque iria acontecer fazendo a banda quase estar sem rumo: o guitarrista israelense criado na Califórnia e que estava nos primeiros anos de banda, Hiliel Slovak, faleceu em 25 de junho de 1988 aos 26 anos em decorrência de uma overdose de heroína, e Irons estava não conseguindo lidar com aquilo, e deixou a banda ainda no clima de luto. Mas, quem seria o guitarrista substituto que tomaria o lugar de alguém, que para Flea e Kiedis até então, era considerado insubstituível por ter feito parte da história da banda, ainda mais dos primeiros anos? Um dos primeiros a se oferecerem ao cargo foi um jovem de 18 anos que conhecia alguns músicos da cena, tocava de forma incrível guitarra e estava afim de mostrar ser o grande guitarrista: ele se chama John Anthony Frusciante, mas ainda houve um impasse: pois DeWayne McKnight, um guitarrista conhecido como Blackbird havia aceitado o cargo como sucessor de Slovak, mas durou apenas 3 shows em setembro e Frusciante foi logo chamado para assumir as guitarras do RHCP, deixando a chance de integrar o Thelonious Monster. Durante os testes de bateristas para sucederem Irons, eles acabam escolhendo um cara que acabou pegando o cargo e nunca mais saiu da banda, este é Chad Smith, que entrou a tempo de gravar com a banda Mother's Milk, o quarto álbum de carreira da banda. Este pode ter sido uma grande dor de cabeça para Kiedis, Flea, Smith e Frusciante: o produtor Michael Beinhorn sugeriu que Frusciante tocasse de forma mais pesada, além de ter tentado convencer Kiedis a escrever músicas mais viáveis e que atravessassem as rádios. Este acabou sendo também o último álbum gravado e lançado pela EMI através do selo Capitol Records, pois o contrato com a banda estava acabando. E tendo a oportunidade de assinarem com a Sony Music, um negócio que acabou durando meses, até que decidem ir para a Warner Bros. Records, e foi preciso que o executivo Mo Ostin tivesse conversado com um amigo da EMI Music para negociarem de imediato a transferência de gravadora.
Com essa mudança, a banda iniciaria a produção de
um novo álbum, e com isso uma mudança de produtores, eles acabam sugerindo o nome de Rick Rubin, um cara mais liberal que já era conhecido como produtor de nomes do rap como LL Cool J, Beaastie Boys, Run-DMC entre outros. Rubin era o cara certo que eles encontraram a confiança para poderem ajudar a descobrir o caminho certo na sonoridade, ajudando a banda na organização de batidas, melodias de guitarras e letras. As gravações aconteceram em uma casa que parecia assombrada nas imediações de Los Angeles, que um dia pertenceu a Harry Houdini (1974-1926), a The Mansion, aonde eles também acabaram se hospedando. O único que acabou não se hospedando na mansão foi Smith, que sempre ia de motocicleta à mansão gravar, e Frusciante concordava com ele, mas, ao mesmo tempo, achava legal. Foram trinta dias de gravação, cada um em seus quartos separados - e esse período teve diversos momentos registrados em vídeo que se converteram no documentário Funky Monks, dirigido por Gavin Bowden, mostrando como nasceu o quinto disco da banda - intitulado Blood Sugar Sex Magik, editado em 24 de setembro de 1991 - coincidência! - no mesmo dia em que saía Nevermind, o segundo álbum de uma banda de rock alternativa vinda de Seattle de nome Nirvana, vinda de um movimento que trazia músicas ora calmas, ora barulhentas - todos de Seattle, camisas xadrez, camisetas de bandas quase desconhecidas pelo público e guitarras gritantes. A capa do álbum, o projeto gráfico todo - desde as fotos passando até pelas pinturas - ficou por conta do futuro polêmico cineasta Gus Van Sant, que criou a icônica imagem da capa, na qual os quatro integrantes posicionados em torno de uma rosa com suas línguas em formas de galhos cheios de espinhos. O encarte apresenta letras das músicas escritas a mão em fundo preto, tudo da parte de Kiedis as letras escritas e ainda fotos das tatuagens dos integrantes. Dito isso sobre a arte do álbum, vamos às faixas desta obra-prima que começa com The Power of Equality, que mostra toda aquela levada funk-metal, aonde a banda não erra feio e deixa um sinal do que eles nos oferecerão, e ainda com um momento do baixo de Flea que arrepia nossos ouvidos e já mostra o melhor da banda também na sonoridade - vide bateria e guitarra; a faixa seguinte inicia com um power chord de Frusciante mandando ver na guitarra dando a deixa para If You Have to Ask, um tema na qual o RHCP não perde a essência e fala sobre se divertir e muito mais, com muitas influências de Sly & The Family Stone, Funkadelic e Sabbath em especial; em seguida, temos uma faixa bem desplugadaça com um violão reinando nas melodias de Breaking The Girl, aonde nos versos, fala sobre um rapaz que conhece uma garota e se tornam amigos por um tempo até que se apaixonam e tudo muda na vida deles - quando Anthony escreveu a canção, ele estava em um namoro com Carmen Hawk, que estava fazendo alguns trabalhos como modelo e isso serviu até como inspiração para compor; na sequência, a banda ainda segue mostrando como arregaçar num som e o resto é só conversa, Funky Monks, aonde na letra fala sobre um cara que fala com uma garota e pergunta se este tem alguma chance de dormir com ela - ele gosta e acaba retribuindo o favor sexual e deixa claro sobre os monges e santos serem celibatários, enquanto nenhum membro da banda é monge ou santo, melhor definindo: os caras podem curtir sexo à vontade e fazerem com frequência, assim como parte da indústria é focada no sexo - agora, vamos ouvir o instrumental dessa música e sentir todo o balanço do baixo de Flea, mostrando o porquê de ele ser um dos melhores instrumentistas de sempre, ouçam e entendam; mais adiante, a banda não pára de jeito nenhum e com Suck My Kiss eles conseguem cumprir o desafio de agradarem a gente - na letra, Kiedis compartilha seus desejos pra que uma garota o beije intensivamente por meio de versos explosivos - mais uma das canções carregadas de puro sexo nas letras e os destaques ficam não só para Flea, mas também para Chad e Frusciante, que mandam muito no som que fazem; já na próxima música que surge, há uma dose de suavidade ao ouvirmos o violão que marca a canção I Could Have Lied, a história de como um cara se sente pela mulher, mas esta não sente algo do mesmo jeito - há quem diga que é sobre seu namoro com a cantora irlandesa Sinead O'Connor, mas esta já veio a desmentir sobre o namoro, há controvérsias quanto a isto; logo após essa série de dúvidas sobre o amor, vamos à fraternidade dos integrantes retratada logo em Mellowship Slinky In B Major, com várias referências que vão do escritor Mark Twain até mesmo Jimi Hendrix, uma das influências dos Chili Peppers e aqui seguem a não fazerem feio na sonoridade, o baixo dá uma incrementada bem groove ao ouvirmos e a guitarra de John Frusciante faz um belo trabalho ao dar cor à música; na sequência, podemos ainda ter outra pérola que carrega toda a essência funk-metal da banda através da levada de The Righteous and The Wicked, uma letra que fala sobre a incompreensão de o mundo, com o passar dos anos, o mundo estar ficando mais negativo, violento, e quando foi escrito, o país não estava vivendo um momento bom e a América ainda têm problemas com guerras, com a economia e outras facetas da sociedade, estas que ficam um pouco de fora - ainda sobra tempo para citar o álbum What's Going On (1971) de Marvin Gaye, que trazia críticas à uma América quase deseperançosa no meio da Guerra do Vietnã que ainda teve alguns anos de duração e já falamos sobre este álbum aqui no blog (confira no link); e logo adiante, o grande hit deste disco, que rendeu um dos mais icônicos videoclipes dos anos 1990 e entrou para a trilha sonora da telenovela global Perigosas Peruas (1992) - estamos falando aqui sobre Give It Away, que além de ter um baita instrumental e uma guitarra matadora, ainda apresenta uma citação de Sweet Leaf, do Black Sabbath, e o refrão carrega um pouco de altruísmo, Kiedis inspirou-se no namoro com a alemã Nina Hagen, e fala sobre como é importante dar o que você tem para a pessoa que ama, ainda movido por muito peso e groove agressivo na sonoridade, a gente percebe que até o baixo chega a ter quase mais destaque que a guitarra nessa música.
No repertório do álbum, contamos ainda com a faixa que leva o nome do álbum - Blood Sugar Sex Magik, que lembra até um pouco o grunge se formos ouvir direito, nos primeiros versos fala que toda mulher têm um pouco de Afrodite - a deusa grega da beleza e do amor, e Kiedis canta os versos com uma voz sedutora antes do refrão e fala sobre - sexo e as experiências sexuais do próprio, como se pode notar; na sequência temos aqui um outro grande clássico vindo deste álbum, intitulado Under The Bridge, que foi inspirada no momento em que o vocalista estava vivendo uma angústia vindo da cocaína e da heroína e acreditou que sua vida tinha chgado ao ponto mais baixo enquanto estava consumindo drogas embaixo de uma ponte, no meio das gravações, encontraram o poema e Rubin sugeriu que convertessem em uma canção, no dia seguinte, trabalharam por horas na música até ela ficar completa e se tornar esse hino com muita suavidade na parte musical que ganha peso no final com um coro feito por amigos e por Gail Frusciante, mãe de John que foi cantora gospel - é emocionante a gente ouvir essa música e pensar em não se imaginar no lugar do vocalista; e ainda sobra tempo para pedradas, como esta que vêm a seguir - com muita dosagem extrema de barulho sonoro, Naked in The Rain ainda apresenta o melhor dos 4, ainda pede conselho a um Dr. Doolittle sobre qual o segredo para poder falar com os animais, aqui o destaque fica para Chad Smith e seu jeito nervoso e pulsante de tocar bateria que anuda a dar ritmo ao tema; pensa que acabou? Nada! O que ouvimos na faixa seguinte é uma bela viagem para New Orleans, o lugar onde o eu-lírico assume que gostaria de estar na música Apache Rose Peacock, tema em que, além de reverenciar desde Louis Armstrong e o conjunto de funk The Meters, ainda temos o momento de Flea mostrar como em várias canções do RHCP o seu lado trompetista, muito conhecido; mais adiante, ainda temos também uma música mais acelerada e nervosa pela levada, e essa é The Greeting Song, surgida durante as sessões de The Power of Equality e quando Rubin foi perguntado se estava por dentro das músicas mais sociopolíticas, o produtor disse que não, e Anthony queria fazer uma música mais diferente - tempos depois, o próprio cantor admitiu em sua autobiografia Scar Tissue que detestava a música toda e os vocais; ainda sobra mais tempo no disco para prestarem homenagem a Hiliel Slovak, morto 3 anos antes, na música My Lovely Man - um belo tributo que abrilhanta o repertório com um suingue bem matador na sonoridade sem perder o brilho; e sem deixar de falar das letras inspiradas nas experiências sexuais de Kiedis, a faixa seguinte, Sir Psycho Sexy é, digamos, quase autobiográfica e picante, ela é mais um tipo de personagem fictício que têm uma baita pegada sonora que reina nos mais de 8 minutos - tendo um mellotron executado pelo engenheiro de gravação Brendan O'Brien e tende a parecer um pouco metal e um pouco grunge até com influências de funk e psicodelismo até ao ouvirmos; e este álbum encerra de verdade com uma versão da banda para um tema do bluesman Robert Johnson (1911-1938) de forma mais punk e hardcore californiano uma de suas canções dos anos 1930, They're Red Hot - e com mais de 1 minuto, soa como o bis definitivo de encerramento dessa belezinha de disco.
Logo depois deste disco, a banda entrou em tournée, saíram estampando várias revistas como a própria Rolling Stone - cuja capa icônica foi clicada por Mark Selliger, porém, na capa foi borrado Frusciante, pois havia largado a banda no auge do sucesso deste disco e logo foi substituído por Arik Marshall até 1992 quando entrou Jesse Tobias, e depois Dave Navarro como guitarrista até 1997. Em janeiro de 1993, as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo receberam a quinta edição do festival Hollywood Rock e dentre as atrações internacionais, Nirvana e os próprios Chili Peppers que trouxeram as tournées dos seus álbuns de 1991 para o território brasileiro. A banda inclusive ganhou muito destaque fazendo uma aparição no desenho animado The Simpsons na época do álbum, o que rendeu popularidade maior ainda. Bem, nem precisamos dizer que este álbum é prova de que, com muitas letras picantes e uma sonoridade incrível, eles conquistaram até mesmo as listas de discos importantes da história, a revista Spin os colocou entre os 100 melhores álbuns dos anos 90, no 58° lugar, ela também aparece nos 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer - o livro com a lista mais incrível que se imagina, e a Rolling Stone colocou em outra megalista importante - a dos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos, na posição de número 310, enquanto na lista dos 100 Melhores Discos dos Anos 90 aparece em 17° lugar, olhem só! Dito isso, essa bíblia dos Chili Peppers soa como atual e não parece ter sido lançada em 1991, mas que ainda agrada gente demais - ô, se faz!
Set do disco:
1 - The Power of Equality (Anthony Kiedis/Flea/Chad Smith/John Frusciante)
2 - If You Have to Ask (Anthony Kiedis/Flea/Chad Smith/John Frusciante)
3 - Breaking The Girl (Anthony Kiedis/Flea/Chad Smith/John Frusciante)
4 - Funky Monks (Anthony Kiedis/Flea/Chad Smith/John Frusciante)
5 - Suck My Kiss (Anthony Kiedis/Flea/Chad Smith/John Frusciante)
6 -  I Could Have Lied (Anthony Kiedis/Flea/Chad Smith/John Frusciante) 
7 - Mellowship Slinky In B Major (Anthony Kiedis/Flea/Chad Smith/John Frusciante)
8 - The Righteous and The Wicked (Anthony Kiedis/Flea/Chad Smith/John Frusciante)
9 - Give It Away (Anthony Kiedis/Flea/Chad Smith/John Frusciante)
10 - Blood Sugar Sex Magik (Anthony Kiedis/Flea/Chad Smith/John Frusciante)
11 - Under The Bridge (Anthony Kiedis/Flea/Chad Smith/John Frusciante)
12 - Naked in The Rain (Anthony Kiedis/Flea/Chad Smith/John Frusciante) 
13 - Apache Rose Peacock (Anthony Kiedis/Flea/Chad Smith/John Frusciante)
14 - The Greeting Song (Anthony Kiedis/Flea/Chad Smith/John Frusciante)
15 - My Lovely Man (Anthony Kiedis/Flea/Chad Smith/John Frusciante)
16 - Sir Psycho Sexy (Anthony Kiedis/Flea/Chad Smith/John Frusciante)
17 - They're Red Hot (Robert Johnson)

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