Um disco indispensável: Sueños Líquidos - Maná (WEA Music, 1997)

Se pegarmos um quadro geral sobre o estouro do Maná antes de 1997, vamos ver uma grande evolução da banda surgida em Guadalajara, no estado mexicano de Jalisco em meados da década de 1970 como Spies of Green Hat e que foi inicialmente formada pelos irmãos Calleros: Ulises na guitarra, Abraham na bateria e Juan no baixo, contando com Gustavo Orozco na guitarra e Fher Olvera nos vocais, na virada dos 70 para os 80 mudam de Green Hat para Sombrero Verde e lançam dois discos com repercussão apenas no país. Em 1984, sai o baterista Abraham Calleros e no seu lugar um jovem de apenas 15 anos filho de pai colombiano e mãe cubana, este era Alex González, mais conhecido como El Animal e que está até hoje, e mais outra mudança - saía o nome Sombrero Verde e entrava de vez o nome que nós conhecemos - Maná. Em 1987 lançam seu primeiro disco já como Maná por um selo da PolyGram, mas sem um retorno de peso comercial, apesar de ter rendido alguns singles e videoclipes, apresentações na TV, mas não agradou a eles. Foi aí que eles trocam a multinacional holandesa pela WEA Music, da Warner, cujo núcleo latino era presidido por André Midani a partir de 1990, ano em que a banda lançava seu segundo álbum intitulado Falta Amor - um grande salto que os levou a estourarem na América inteira (Brasil ainda não conhecia eles) com o pop caribenho Perdido En Un Barco (com um clipe totalmente zoado pois lembra de um grupo qualquer, sem ser rock) e a balada Rayando El Sol, com aquele peso de balada roqueira que estávamos acostumado desde os 80. Novamente, a banda sofre outra baixa e desta vez é a de Ulises, que troca a guitarra pelos bastidores, se tornando empresário da banda, e entram para o grupo César "Vampiro" López para assumir as guitarras e Iván González nos teclados e com esse efêmero quinteto o grupo gravou ¿Dónde Jugarán Los Niños? de 1992, com um jeito mais aberto às causas sociais e humanas, eles ainda lançaram temas como Oye Mi Amor, a clássica Vivir Sin Aire que reapareceu anos depois no MTV Unplugged com um arranjo fiel à versão original, mais Como DiablosTe Lloré Un Río e logo vira um grande sucesso mundial. Partem para uma turnê que dura até 1994, e marcada, infelizmente, por outras baixas: Vampiro e Iván não ficam por muito tempo - deixando por motivos artísticos e profissionais. Isso faz com que Fher, Alex e Juan cumpram a agenda de shows como trio por um período, registrando parte da tour neste ano com os músicos de apoio Sheila Ríos nos vocais de apoio, Juan Carlos Toribio nos teclados e um velho conhecido de Sombrero Verde: o guitarrista Gustavo Orozco, que assume o cargo a tempo das apresentações em San Diego, Los Angeles, Chicago, Barcelona, Santiago de Chile e Buenos Aires - as cidades cujos momentos foram captados e registrados para converterem no duplo Maná En Vivo, editado no final daquele 1994. Eles decidem fazer novos testes para encontrarem o guitarrista ideal e com mais de 80 instrumentistas de diversos países como México, Estados Unidos, Chile e Argentina, e encontram em um jovem de Aguascalientes, do estado mexicano de mesmo nome, o nome definitivo que precisavam: com 22 anos, Sergio Vallín teve a sorte grande sem ganhar na loteria e entra de vez para o grupo, a tempo de produzirem o álbum Cuando Los Ángeles Lloran - um álbum que abre-se também para causas ambientais e a faixa que também leva o nome do álbum fala sobre o líder dos seringueiros Chico Mendes (1944-1988) assassinado por defender contra os interesses da exploração da Floresta Amazônica brasileira. O álbum surgiu também em meio à criação de um Instituto que ajudasse a conscientizar na preservação do meio-ambiente, a Fundación Selva Negra, e também a inauguração do website da banda, os mexicanos foram um dos primeiros artistas a terem um website na América Latina naqueles tempos.
Alex, Juan, Fher e Sergio em 1997: mais latinos
e rock and roll do que nunca
Passado a tournée do álbum, a banda encontra um período para comporem mais novas canções e entram em estúdios logo em 1996, e com produção dos próprios membros Fher e Alex, se dividem em 4 estúdios de Hollywood, o A&M Studios, o Classic Recording Rental e o Conway Studios mais o Mad Hatter e no México decidiram fazer parte do trabalho em Puerto Vallarta. Já o nome seria um tanto que inspirado na questão da água, e temos aqui o quinto CD da banda chamado Sueños Líquidos, editado em 14 de outubro de 1997, com um single lançado no mês anterior. Falando logo na capa, onde traz uma sereia mutante no meio do mar com quatro braços, dois cobrindo seus seios, e no encarte uma reprodução de uma pintura de Waldo Saavedra, que se inspirou em um retrato feito com Letizia Ortiz, muito antes de ser rainha de Espanha ao lado do rei Felipe - ela trabalhava em um jornal de Guadalajara e conhecia o quarteto mexicano, e numa dessas pinturas que serviu de inspiração para a capa, ela com os seios à mostra segurando um avião cuja imagem lembrava a capa do até hoje único álbum do Blind Faith de 1969. E vamos aqui começando a falar do álbum com a faixa que abre este álbum, logo Hechicera, que remete à música árabe os primeiros acordes da faixa, que fala dos encantos de uma mulher com pele cigana e que Fher pede para seduzir com um floreio do violão de Vallín imitando Paco de Lucía, um dos maiores instrumentistas e guitarristas de sempre, um tema que a banda acaba fazendo uma coisa mais aproximada do pop, e Un Lobo Por Tu Amor não deixa passar batido, e aqui Fher conta a história de alguém sedento pelo amor à procura de sua companheira no sábado à noite e garante que não será difícil achá-la para poder sentir prazer com ela, será? E tendo um outro destaque no repertório de Sueños Líquidos, a faixa Cómo Dueles en Los Labios, aqui com uma pegada acústica carregada de bolero, Fher canta a sensação de ausência da pessoa quando está longe, basicamente a saudade da pessoa amada e traz uma flauta que ajuda no tom mais melódico da canção e uma batida programada que reconhecemos de cara a única cara eletrônica; em diante, ouvimos nos primeiros acordes da canção Chamán a forte presença do baixo de Juan Calleros e mostrando um grande destaque instrumental, assim como a guitarra tocada por Sergio, na história de um casal que chegam no povoado de Manaus, na selva amazônica e encontram um xamã num santuário que diz para nunca deixar de amar e aparenta influências de pop rock da época na levada; na sequência, os mexicanos ainda seguem a desfilar canções boas, como esta que vêm a seguir, Tú Tienes Lo Que Quiero, com uma pegada bem latina mesmo, só ouvir a percussão tocada por Luis Conte e sentir um pouco de ritmos do Caribe - em especial a salsa, a rumba, o mambo e a conga só de ouvir a percussão na música, e a letra é sobre alguém descobrir as coisas que a pessoa amada tem que ele quer e sobre a vontade de amar mais - nada mal; e o álbum apresenta aqui mais uma grande faixa que se destaca no repertório deste e da obra da banda em todo, esta é Clavado En Un Bar e conta sobre alguém que se apaixonou e acaba em um bar bebendo todas para esquecer, além de ter um refrão fácil de decorar e cantar, tem um belo destaque para a bateria de Alex González e a guitarra de Sergio Vallín que faz um dos seus melhores solos de guitarra aqui, esta é uma canção puramente rock and roll no idioma hispânico que vale a pena; ainda mantendo o bom da sonoridade e das letras no álbum, o grupo ainda aproveita para mandar mais coisa boa, como no caso de Róbame El Alma, numa letra aonde Fher canta sobre implorar que a amada roube sua alma até o desejo de elevá-la e desnudá-la, e tudo isso com uma energia roqueira muito forte na parte musical, destacando novamente a bateria e a guitarra que fazem um bom trabalho, obviamente; e ainda têm mais, existem certas histórias reais que viraram canções, e como no caso de En El Muelle de San Blas, não podia ser outro - a história é de uma moça chamada Rebeca Méndez Jiménez, que, desde 1971 andava pela doca de San Blas, e na época, uma jovem, se despediu nas docas de seu amado, um pescador e ficou esperando ele, com quem se casaria quatro dias depois e nunca mais viu-o, pois morrera em um furacão e quem passava pelo porto a achava como louca, andando de vestido de noiva e com seus cabelos grisalhos, a história é bem detalhada nos versos da canção e ganha uma tonalidade sonora mais calma e não tão pesada nos seus menos de 6 minutos de duração; e no repertório deste álbum também tem a música que, possivelmente, faz uma ligação com a capa, é logo a faixa chamada La Sirena aonde a parte musical traz uma afinidade com o acústico, e na letra fala sobre uma mulher que ia ao mar atrás do amado no mar, levado pelas ondas e sonhou que o encontrava no mar, e que acordou convertida em uma sereia, uma letra que mistura amor e o universo da fantasia com forte presença dos violões e de sopros nos arranjos desta; sem deixar totalmente a essência de lado, a banda mostra uma daquelas canções que ambientam narrativas profundas, e Me Voy A Convertir en Una Ave dá esse tom aonde Fher conta sobre alguém preso por um crime que não cometeu e busca esperanças em ser livre, vive a perguntar onde anda sua mulher e tudo num começo mais lento, que depois muda o ritmo, parece ser a história de um preso nos tempos da ditadura militar de algum país latino-americano ao ouvirmos e pegarmos cada referência, possivelmente; em seguida a banda ainda se mostra com tudo, sem deixar se perder muito, os mexicanos ainda apresentam no repertório Cómo Te Extraño Corazón, uma das mais emotivas, remete às saudades do eu-lírico admitindo que foi seu melhor amor, carregado de latinidade na base e com algo com que nos tente remeter à bossa nova (seria a melodia do violão misturado com rumba e/ou conga?) que ajuda com isto e muito; encerrando o álbum, a banda nos deixa com a sua última cartada (de mestres) aqui, que é a doce Ámame Hasta Que Me Muera, também voltado às sonoridades latinas tradicionais, mostra aqui um Vallín bem afinado no violão, mandando muito aqui e na letra em que Fher dá voz sobre uma pessoa que convence sua amada a preenchê-lo de muito amor por 10, 100 vezes até morrer, numa mistura que chega a unir Espanha com Caribe na música, e 16 segundos depois ouvimos um som de violão rodando ao contrário e uma voz estranha, é a faixa escondida Mr. Gruf, e é apenas Vallín ao violão e cantando bêbado pelo que parece, e o que ouvimos ao contrário foi apenas "cada momento que te extraño mi amor, siento que muero pues no tengo calor", nada a ver com coisas satânicas como certas pessoas imaginam. Logo em seguida, veio a tournée do álbum, iniciando em março de 1998 no Chile e posteriormente visitando os países Uruguai, Bolívia, Colômbia, Peru, Costa Rica, Nicarágua, Venezuela, Porto Rico, Honduras, El Salvador e os EUA não iam ficar de fora. Um dos pontos mais altos da tour foi quando fizeram por sete vezes consecutivas na Cidade do México as apresentações no Auditorio Nacional, na qual eles romperam um recorde como a primeira banda de rock a lotar nesse número, e em diante, venceu prêmios Grammy, Billboard Latino e também Lo Nuestro - este que dividiu com a jovem colombiana Shakira e seu ¿Dónde Están Los Ladrones? logo antes também de partirem para outro grande trabalho do grupo, o MTV Unplugged editado em 1999. Mas, aí, vocês já sabem que é uma outra história.
Set do disco:
1 - Hechicera (Fher Olvera/Alex González)
2 - Un Lobo Por Tu Amor (Fher Olvera/Alex González)
3 - Cómo Dueles en Los Labios (Fher Olvera)
4 - Chamán (Fher Olvera)
5 - Tú Tienes Lo Que Quiero (Alex González)
6 - Clavado En Un Bar (Fher Olvera)
7 - Róbame El Alma (Fher Olvera)
8 - En El Muelle de San Blas (Fher Olvera/Alex González)
9 - La Sirena (Fher Olvera)
10 - Me Voy A Convertir en Una Ave (Fher Olvera) 
11 - Cómo Te Extraño Corazón (Fher Olvera)
12 - Ámame Hasta Que Me Muera (Sergio Vallín)
13 - Mr. Gruf (Sergio Vallín) - faixa escondida

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