Um disco indispensável: The Doors - The Doors (Elektra, 1967)

Em 1965 na dourada Califórnia do cinema e do surf - mais principalmente em Hollywood (que chique!), um jovem chamado James Douglas Morrison, filho de funcionários da Marinha, havia largado a casa e decidido a tentar seguir em seu curso como estudante de Cinema na lendária UCLA, e ali nas aulas conhecera Ray Manzarek, que dividia seu tempo entre o curso e a banda com seu irmão Rick: a banda se chamava Rick and the Ravens, aonde Ray tocava órgão elétrico. Outra banda que surgiu ali no meio se chamava The Psychedelic Rangers, na qual tinha os membros Robby Krieger na guitarra e John Densmore na bateria. James, ou melhor, Jim Morrison, não tinha vontade de cantar, tinha mais veia pra poesia, e influenciado pela cultura beatnik, ele começou a escrever letras que se tornariam base de seus maiores sucessos nos anos seguintes. Ainda com o baixista Patty Sullivan, o conjunto gravara uma demo de seis faixas em setembro, e já com Densemore na banda, assim nascia os The Doors, nome que saiu de um famoso livro de Aldous Huxley (1894-1963) intitulado As Portas da Percepção, e basicamente iniciara-se uma breve jornada do grupo até o estrelato definitivo. Fugindo do conceito de uma música mais do mesmo, a banda pulou de vez numa sonoridade mais experimental, e o público não entendia muito no começo. Pois bem, como já era uma banda californiana de renome na cena, eles já agitavam casas com suas apresentações esporádicas, você tinha ali Morrison mais louco que o Batman, em palco se sentia um deus no seu estado de vanglória e tinha Densemore fazendo ritmos na bateria, Manzarek entre o piano Rhodes e o órgão, e Krieger mandando pra valer nas seis cordas da guitarra. Ficaram conhecidos também por apresentações esporádicas em lugares como o Whiskey A GoGo, aonde Jim acabou fazendo uma interpretação (ou seria adaptação?) no meio da música The End, com seus quase 12 minutos, e ele acabou colocando o poema Édipo Rei, com uma dose extrema de vulgaridade (como já diz o Tadeu Schmidt, que isso rapaz?!), mas foi ali onde ele mais Krieger, Densemore e Manzarek viram rapidamente as coisas mudarem de rumo: haviam produtores da Elektra Records chamado Jac Holzman, que fora indicado por Arthur Lee (1945-2006), do conjunto musical Love - contratados da mesma, a conferir juntamente de um prod Paul A. Rothchild (1935-1995) a ver uma das mais incríveis bandas que estavam ouvindo e assistindo. Era o tiro certeiro para o grupo, assinarem um contrato e gravarem um disco: no final de agosto e início de setembro daquele 1966, a banda estava no estúdio Sunset Sound Recorders gravando seu álbum, e como eles não tinham um baixista fixo, algumas faixas era Robby que tocava, outras eram feito pelo teclado de Manzarek, aqui quem toca os baixos de algumas faixas é Larry Knetchel, músico de estúdio que não está creditado na ficha técnica do álbum, mas em algumas reedições futuras foi acrescentado. Apesar de ter sido gravada em uma máquina de quatro canais, o som soa excelente, e apenas três dos quatro canais foram usados na gravação: um para baixo e bateria, o outro para órgão e guitarra e o último para a voz de Jim.
Lançado em 4 de janeiro de 1967, o álbum que levou apenas o nome da banda The Doors aclamou mundialmente o grupo e ajudou-os a se projetarem como uma grande banda de rock naqueles anos. O grupo conseguiu conceber através deste disco uma estratégia que resumia em promover videoclipes, formato até então pouco usado de forma independente, uma vez que muitos destes eram feitos especialmente para programas de televisão. Para começar a falar do álbum The Doors, precisamos falar do tema que abre este, Break on Through (To the Other Side), com uma introdução bem brasileira, pois segundo Densmore, carregava uma influência de Antonio Carlos Jobim (aqui é BR, meu! HUEHUEHUE HUEBR PORRA), mas na letra sofreu um veto na frase "she's so high" e o teclado de Manzarek dá um show nas melodias, e traz esse lance de "abrir as portas da percepção" que a banda estava querendo fazer; a próxima faixa é Soul Kitchen, ela oferece uma pegada bem R&B e que acaba caindo feito uma luva nos nossos ouvidos; se acha que é pouco, então é porque para alguns o gingado deste grupo está no começo, pois na faixa seguinte,The Crystal Ship, com pegada de balada pop dos anos 1960, ela tem uma perfeita combinação entre melodia e poesia, tranquila e suave demais, e agradável por sinal; e como dissemos na primeira faixa, a faixa Twentieth Century Fox também traz ares de bossa nova na levada, aqui Jim canta para uma mulher fina, estilosa e sensível, além de fazer uma alusão à Fox, empresa famosa de cinema e televisão, a guitarra de Krieger consegue soar precisa aqui nesta música; a primeira cover neste disco é um clássico de verdade, e nós estamos falando de Alabama Song, composta por Kurt Weil e Bertold Brecht, que têm cara de canção de cabaré, com uma pitada de ácido sonoro, e aqui o grupo não fez feio nesta interpretação; para fechar o lado A deste disco, o maior sucesso da banda está presente neste disco e estamos falando de Light My Fire, composta originalmente na guitarra por Krieger e depois Manzarek acrescentou-a um órgão alucinante que, ao ouvirmos no rádio a gente reconhece de cara e nem precisamos destacar e enaltecer esse hino, uma vez que em setembro de 1967 o grande Ed Sullivan ficou enfurecido ao ver a banda tocando, e Jim fugiu da proposta exigida para não cantar o verso "girl, we couldn't get much higher" pelo fato de ser inapropriado pela audiência (e ele cantou mesmo assim), e nunca mais pisaram em seu programa, mas seguiram fazendo fama pelo mundo e seguem até hoje (mesmo que separados); e o lado B do disco abre com um outro cover, desta vez de um figurão do blues, Willie Dixon: é Back Door Man, que na linguagem do sul dos EUA significa "um homem que tem um caso com a mulher enquanto o marido trabalha", ou seja, o típico Ricardão aqui para nós, e aqui a interpretação mantêm o astral presente no disco inteiro; a faixa seguinte é simples, trata de sintonias, cumplicidades e semelhanças, um pouco agressiva a sonoridade de I Looked at You, a pegada da bateria no começo lembra os compassos improvisados do jazz, escola de Densmore como baterista, e é um tema que vale a pena prestar atenção nessa pegada meio jazzística, tanto da bateria quanto do órgão inclusive; ainda podemos contar com pérolas impressionantes aonde fala sobre a noite em um tom obssessivo em End of the Night, lembra um pouco as cantigas de ninar pela melodia, carrega essa suavidade ao longo da faixa, bem interessante falar sobre o arranjo desta; adiante, nós também temos aqui uma outra sonzeira, que é Take as It Comes, um pouco mais acelerada pelo ritmo no refrão, e fala sobre Jim e sua experiência com sentimentos, bons ou ruins, e foi escrita após uma palestra com o Maharish Mahesh Yogi, futuramente o guru dos Beatles - olha que inspiração, gente! E fechando com chave de ouro, um tema que dá o que falar ao discutir sobre The Doors, estamos falando de The End, que é uma ópera, uma ode, um épico, e aqui trazemos um destaque sobre esta faixa: quando Morrison a interpretou no Whisky A GoGo, a gente tinha falado que ele fez uma interpretação de Édipo Rei com uma pegada vulgar: aí entra o verso que trazia uma dose de vulgaridade, ele falava "Father? Yes, son! I want to kill! Mother? I want to fuck you!" (Pai? Sim, filho! Eu quero te matar! Mãe? Eu quero te fuder! - tradução livre), e assim encerrando uma belíssima obra-prima da música que iniciou o ciclo da revolução sonora promovida naquele ano de 1967.
O disco até hoje segue superando recordes: só nos EUA vendeu mais de 10 milhões de discos, é o álbum que não pode faltar em diversas listas influentes da música, estando no topo dos melhores álbuns da década de 1960, temos ainda ele lá nos 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer organizada por Robert Dimery e também naquela listinha da Rolling Stone que você já deve estar cansado de eu ver citada aqui, a dos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos - sim, esse disco figura lá na 42ª posição, caríssimos leitores e leitoras deste blog. Meses depois, a banda já estava promovendo o disco em turnês e programas televisivos (como no caso de Ed Sullivan inclusive), voltaram ao estúdio no verão daquele mesmo 1967 para presentearem seus fãs com Strange Days em dezembro. Mas isso aí já é uma outra história.
Set do disco:
1 - Break on Through (To the Other Side) (Jim Morrison/Ray Manzarek/Robby Krieger/John Densmore)
2 - Soul Kitchen (Jim Morrison/Ray Manzarek/Robby Krieger/John Densmore)
3 - The Crystal Ship (Jim Morrison/Ray Manzarek/Robby Krieger/John Densmore)
4 - Twentieth Century Fox (Jim Morrison/Ray Manzarek/Robby Krieger/John Densmore)
5 - Alabama Song (Kurt Weil/Bertold Brecht
6 - Light My Fire (Jim Morrison/Ray Manzarek/Robby Krieger/John Densmore)
7 - Back Door Man (Willie Dixon/Chester Burnett)
8 - I Looked at You (Jim Morrison/Ray Manzarek/Robby Krieger/John Densmore)
9 - End of the Night (Jim Morrison/Ray Manzarek/Robby Krieger/John Densmore)
10 - Take as It Comes (Jim Morrison/Ray Manzarek/Robby Krieger/John Densmore)
11 - The End (Jim Morrison/Ray Manzarek/Robby Krieger/John Densmore)

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