Um disco indispensável: Várias Variáveis - Engenheiros do Hawaii (RCA/BMG Music, 1991)

Talvez alguns comecem a me julgar por aqui, mas como fã de música eu sempre fui um tremendo admirador de Humberto Gessinger e da banda que o consagrou popularmente na cena nacional, os Engenheiros do Hawaii, ainda que este que vos escreve tenha nascido no Rio Grande do Sul e o fato do meu estado sempre ter sido uma verdadeira máquina de exportação para o Brasil, desde os nossos jogadores de futebol, a comida, a erva-mate (chimarrão), alguns de nossos produtos que vão para o mundo todo e inclusive a música do RS é exportada para um público além do eixo Sul, desde a cantora Elis Regina passando pelo instrumental nativista de Renato Borghetti, Luiz Carlos Borges e Yamandú Costa passando pelo rock de bandas como Nenhum de Nós, Replicantes, Cascavelletes, Graforréia Xilarmônica e os próprios Engenheiros em especial. Na época, o conjunto de Humberto Gessinger, Augusto Licks e Carlos Maltz estavam lançando sucessos atrás de sucessos e o disco O Papa É Pop havia sido considerado um dos maiores discos nacionais daquela época, em que o rock estava perdendo boa parte de seu espaço nas rádios para o sertanejo, a lambada e o axé mas ainda sobrava um lugarzinho para o trio entoar canções como Era Um Garoto Que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones, regravação de um sucesso do conjunto Os Incríveis e clássico da Jovem Guarda na década de 1960, além de Pra Ser Sincero, O Exército de Um Homem Só, a faixa-título e Olhos Iguais aos Seus não paravam de tocar nunca no dial das rádios brasileiras. O grupo havia lançado o quinto álbum de carreira e quarto de estúdio no final do ano e já estava semanas depois no estádio do Maracanã para tocarem na segunda edição do festival Rock in Rio, uma vez que na abertura da primeira edição, muito longe da Cidade Maravilhosa, uma banda com um nome estranho misturando engenheiros e o Hawaii que contava com os então estudantes de Arquitetura e Urbanismo tocavam em Porto Alegre na UFRGS e um sujeito loiro de nome Humberto vestindo uma camisa quadriculada e bombacha tocava uma guitarra Gianninni semiacústica, estava fazendo a sua primeira apresentação com a banda e que brevemente veio a entrar para a história do rock gaúcho e do rock brasileiro em geral.
Mas, no Maracanã eram milhares de vozes cantando todos os sucessos do power trio gaúcho ao invés de uma simples e humilde plateia e um auditório como foi em 11 de janeiro de 1985, agora já eram dominadores de multidões por onde passavam e já haviam conquistado até a antiga União Soviética tocando 5 vezes em Moscou mais de um ano antes e o 19 de janeiro de 1991 separou uma banda ainda novata no cenário gaúcho que ainda passava despercebido dos olhos do público de um trio que já estava indo além do Sul e livrando dos clichês como rock pampeano, rock pilchado entre outros, de uma bem sucedida e popular banda de enorme destaque nacional na virada da década. O grupo vendia disco feito água em tempos de vacas magras, cada disco trazia mais do que três sucessos pois era fácil reconhecer o imenso papel que a banda estava fazendo para que o rock brasileiro se mantivesse ativo nas rádios do país, e o sexto disco de carreira e quinto de estúdio, chamado Várias Variáveis, ainda tinha os elementos de rock progressivo mas também se mantendo equilibrado nas influências sonoras seguindo a mesma proposta de unir o útil ao agradável e reciclando até mesmo a sonoridade da música nativista, é o segundo disco com a produção da banda, tendo uma forte presença de peso sonoro, originalidade nos arranjos e nas letras e diga-se de passagem com um quê a mais de referências pop na sonoridade do disco, o que ajudou e muito na popularidade deste trabalho.
Da esqu. para a dir.: Carlos Maltz (de branco), Humberto Gessinger (sentado, com o baixo)
 e Augusto Licks (de preto). Uma das mais clássicas  formações da banda
 Engenheiros do Hawaii com seu sexto álbum, intitulado "Várias Variáveis"
lançado em outubro de 1991.  (Dario Zalis/Divulgação)
O disco começa com O Sonho É Popular, totalmente acústica, usando a mesma linguagem de misturar versos de outras canções, desta vez das canções Alívio Imediato e Ilusão de Ótica tiveram alguns de seus versos citados aqui e com uma brincadeira das mais famosas do Humberto, aonde ele canta uma estrofe em cima da outra, soando como uma mensagem subliminar mas muito bem-entendida até; na sequência a regravação de Herdeiro da Pampa Pobre, composta por Gaúcho da Fronteira unindo o ritmo das canções nativistas com o peso sonoro do trio Gessinger, Licks & Maltz reconstruindo um laço muito forte do cancioneiro sul-riograndense com os solos de guitarra de Augustinho e as batidas massacrantes de Carlos Maltz e o groove do baixo mais a voz rascante de Humberto pra completar o caldo; já em Sala VIP a pegada mais pop e agressiva aparece aqui de impressionar mais pela vibe que carrega, cruzando entre um hard-prog e um rock mais oitentista mesmo e com um efeito de voz sintetizado falando no meio do riff "toma lá, dá cá/ninho de cobra, cobranças/o som do gelo num copo de uísque/uma cascavel preparando o bote" e ainda com os versos de O Sonho É Popular rebobinados na fita encerrando a música num tom equilibrado; já a balada Piano Bar se destaca não só pelo equilíbrio nos arranjos ou pela suavidade que reina nesta canção, mas a forma de cada verso cheia de jogo de palavras e unindo Julio Iglesias num rádio mal-sintonizado de um táxi com Paul Simon em um clipe, tornando a música mais interessante quando se ouve pela primeira vez; no bailado do repertório, temos Ando Só com um pouco de acidez no som, trazendo um pouco de psicodelia na guitarra de Augustinho e o baixo de Humberto ganha o suporte de MIDI Pedalboard e trazendo uma excelente letra com influências de John Fante, autor do livro Pergunte ao Pó além de falar sobre andar solitariamente sem saber até quando; na sequência temos a canção Quartos de Hotel, na qual Humberto fala sobre a solidão, as bobeiras na noite e com um tom meio heavy metal com sintetizadores e uma excelente linha instrumental que complementa a sonoridade da canção; em seguida, uma espécie de "intervalo" do disco chamada Várias Variáveis, aonde simula uma rádio sendo sintonizada e na qual são usados samples dos trechos instrumentais de duas músicas, A Verdade A Ver Navios (1988) do disco Ouça O Que Eu Digo: Não Ouça Ninguém, e também Vozes (1987) do disco A Revolta dos Dândis - fato coincidente é que as duas têm a mesma instrumentalidade, sendo que foi de Vozes que essa instrumental surgiu originalmente; depois do intervalo, o som segue rolando a solta em Sampa no Walkman, uma homenagem a São Paulo e à música Sampa, de Caetano Veloso com a mesma introdução da música Quartos de Hotel, sendo não uma colcha de retalhos mas uma estratégia típica de Humberto com as músicas que é usar citações, acordes de outras canções provando o quanto ele ainda consegue usar fórmulas que agradem o público de cara; já na faixa seguinte, Muros e Grades, uma das poucas canções que Gessinger fez em parceria com Licks, aqui temos a excelente prova de que a cozinha sonora do trio não tem um tipo de perfeccionismo muito parecido com de outras bandas sejam daquela época, sejam da geração de hoje; já em Museu de Cera, a banda parece se aproximar muito do peso sonoro do rock progressivo, sem tentar tropeçar no momento em que dão o tiro certeiro e ainda com a voz de Cid Moreira, na época, o âncora do Jornal Nacional, que se ouvia de fundo anunciando notícias como a queda do comunismo na antiga U.R.S.S e também um verso cantado de forma baixa "quem quiser remar contra a maré, tem que remar muito mais forte..." encerrando a faixa de uma forma discreta; a faixa seguinte chamada Curtametragem, traz uma pegada mais acústica, e uma faixa bem mais curta, com Humberto no piano, Augusto no violão e Maltz tocando percussão e mostrando um simples erro na hora de tocar corretamente a música, logo ouvimos um "Curtametragem, quinto take" e o reinício já soa mais certeira na hora de entoar cada verso da música; já na outra acústica deste disco, Descendo a Serra, já é bem mais lentinha, falando sobre o inverno na serra gaúcha, especialmente em Gramado e no momento final aparece uma levada instrumental na qual a banda improvisa uma parte da quase conhecida Vozes (1987) antes citada como sampler em Várias Variáveis do qual já falamos; ainda tem gás de sobra no disco na faixa Não É Sempre, ainda com aquela pegada de sempre, um pop rock bem cheio de originalidade e arranjos, além dos solos de guitarra do genial Augusto Licks, uma forte presença do Roland PK-5, o pedalboard usado por Gessinger durante os anos 80 e 90 complementam todo o caldo musical da banda; o final é bem juntinho da faixa anterior, enquanto o peso e a agressividade sonora vão diminuindo e dando lugar para um som bem acústico que lembra o começo do disco pela melodia, chamada Nunca É Sempre, sendo a última peça desse quebra-cabeça que forma definitivamente o repertório do sexto álbum e um dos maiores discos do nosso rock nacional.
Contracapa original do LP, note-se símbolos em engrenagens como o
do movimento anárquico, o pentagrama, um par de óculos Ray-Ban
modelo aviador, a estrela de Davi (símbolo do judaísmo e da bandeira de Israel)
e também da gravadora RCA do qual a banda fez parte, e da Rede Globo
Cada disco da banda Engenheiros do Hawaii sempre traz um conceito que define o disco em geral, e quanto ao o Várias Variáveis, ele consegue soar urbano, pesado, retrô - pelo fato da reutilização de sintetizadores e acrescentando um pouco de sonoridade pop moderna que estava em voga pra banda. O disco pode ser uma continuidade de O Papa é Pop, porém com a cara de São Paulo e mais aproximado ao som regionalista de Gaúcho da Fronteira, além de trazer uma das mais geniais capas de discos sempre concebidas por Gessinger e Maltz, com uma possível inspiração na capa de Internacionais (1968) da banda Os Incríveis, aonde estão dentro de uma engrenagem os mais variados símbolos como os escudos dos times Grêmio e Inter, o do Illuminatti que você encontra nas notas de dólar, o famoso símbolo radioativo, o relógio com o desenho de Mickey Mouse que aparece em um clipe do Pink Floyd - logo a música Another Brick in The Wall (Part II), da Organização das Nações Unidas, telefone a disco e no centro uma engrenagem de cobra mordendo o próprio rabo com a foto do trio no centro e na contracapa uma cobra com uma língua em forma de tomada e uma bandeira simulando ser a de São Paulo além de outros símbolos em engrenagens, como o aviso de proibido fumar, o da gravadora RCA do qual a banda fazia parte, um plug amarelo e até mesmo uma engrenagem em forma de logotipo da Rede Globo e a Estrela de Davi que estampa o judaísmo e a bandeira de Israel, além do fundo ser verde, o que encerra uma espécie de trilogia com as cores da bandeira do RS, que começou em A Revolta dos Dândis (1987), depois foi continuando em Ouça O Que Eu Digo: Não Ouça Ninguém (1988) e que encerra aqui em Várias Variáveis, uma obra indispensável para quem quer conhecer melhor o trabalho da banda Engenheiros do Hawaii, que por 23 anos levou o melhor do que sabem fazer musicalmente para longe demais das capitais.
Set do disco:
1 - O Sonho É Popular (Humberto Gessinger)
2 - Herdeiro da Pampa Pobre (Vainê Darde/Gaúcho da Fronteira)
3 - Sala VIP (Humberto Gessinger)
4 - Piano Bar (Humberto Gessinger)
5 - Ando Só (Humberto Gessinger)
6 - Quartos de Hotel (Humberto Gessinger)
7 - Várias Variáveis* (Humberto Gessinger/Augusto Licks/Carlos Maltz) - instrumental
8 - Sampa no Walkman (Humberto Gessinger)
9 - Muros e Grades (Humberto Gessinger/Augusto Licks)
10 - Museu de Cera (Humberto Gessinger/Augusto Licks) - participação de Cid Moreira
11 - Curtametragem (Humberto Gessinger/Augusto Licks)
12 - Descendo a Serra (Humberto Gessinger) 
13 - Não É Sempre (Humberto Gessinger)
14 - Nunca É Sempre (Humberto Gessinger)

*SAMPLERS
Vozes (Humberto Gessinger), gravado originalmente pelos Engenheiros do Hawaii no disco A Revolta dos Dândis (1987)
A Verdade A Ver Navios (Humberto Gessinger) gravado originalmente pelos Engenheiros do Hawaii no disco Ouça O Que Eu Digo: Não Ouça Ninguém (1988)

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