Um disco indispensável: Canções de Apartamento - Cícero (Vigilante/Deckdisc, 2011)

Um carioca estudante de Direito, acaba por colocar em seu apartamento um estúdio simples e de lá sai um resultado que acaba agradando a todos os fãs da nova cena MPBista e esse álbum é o aclamado Canções de Apartamento, do cantor e compositor carioca Cícero, que aos 25 anos viu seu sucesso se engrandecer graças a este disco num momento em que se dividia entre duas profissões: músico e advogado, e foi com a primeira que ele se deu bem. Nascido em 7 de abril de 1986, Cícero Rosa Lins cresceu ouvindo música através de seu pai, que tocava violão e por meio dos discos da banda britânica The Beatles, e após o divórcio de seus pais ele acabou pegando mais esse gosto não só pelo quarteto de Liverpool e pelas músicas de seu pai tocadas ao violão, começava a gostar também de Nirvana, em especial do álbum Nevermind (1991) que sabe tocar todas as canções da banda até hoje. Já nos anos áureos da adolescência, formou com alguns colegas a banda Alice (sim, essa banda existiu), que rendeu um EP intitulado Casa Vazia (2004) e os álbuns Anteluz (2005) e posteriormente, Ruído (2007). Para o próximo disco, ele foi até os Estados Unidos para poderem adquirir novos equipamentos com o baixista de sua banda, sua jornada que começou no Alabama fritando hambúrgueres no McDonald's e depois seguiria rumo a New York, descobrindo um lado da cidade que não era muito visto porém tinha sua arte e cultura valorizada e o próprio Cícero viu com seus próprios olhos que os artistas de lá, e voltando do Brasil, ele pensa em desistir do seu curso de Direito, porém vida que segue. Seguiu fazendo o curso de Direito até que volta a realizar mais uma viagem para os EUA e de lá trouxe uns equipamentos para gravar um material já sem a sua banda, mas já como solo, porém, volta ao País dividido entre querer ser artista e querer ser um advogado, mas mesmo assim se sentia desempregado - conforme dizia o cantor no começo de carreira solo. 
Já morando sozinho, pois deixara de morar com os pais aos 22 anos, Cícero decidiu começar a pegar alguns equipamentos que usaria para gravar o próximo trabalho de sua já extinta banda e com Bruno Scholz no acordeon, pianos e vocais e Paulo Marinho na bateria: dessa cozinha realizada no seu próprio apartamento, nasceria aquele que viria a ser considerado como um dos melhores trabalhos nacionais lançado nessa década de 2010: seu primeiro disco chamad Canções de Apartamento, lançado em junho de 2011 e que carrega influências que vão de Tom Jobim, Caetano Veloso, bossa nova - em especial João Gilberto - passando até pelo Radiohead, mostra-se recheada de sutilezas e alguns momentos com peso nas canções, uma originalidade musical como não se via há pouco tempo até então. O disco traz a produção do próprio Cícero e de Bruno Scholz, que ajudou desde nos instrumentos até nos arranjos do disco e com a mixagem de Igor Ferreira, além da simples e original capa aonde mostra uma simples biblioteca com uma foto de Tom Jobim no meio de um papel vermelho com o nome Cícero, o título do disco em uma placa datada de 1957, os discos Revolver (The Beatles) e In Rainbows do Radiohead e livros como Leite Derramado, de Chico Buarque, a Antologia Poética de Vinícius de Moraes, o Ensaio Poético de Tom e sua esposa Ana Jobim mais Noites Tropicais, a autobiografia de Nelson Motta além de um balãozinho que virou sua marca registrada até hoje. Esse disco conecta ele a uma suavidade na forma de cantar e fazer música, algo já mais pra MPB do que pra rocks pesados e barulhentos e os acordeons executados por Schulz nos remetem a Luiz Gonzaga e o grande Adelar Bertussi, músico gaúcho que segue a exercer a missão de divulgar a música do Rio Grande do Sul pelos quatro cantos deste País Tropical, e ainda que carrege algo da chanson française até em alguns momentos.
Quando o disco começa, o momento é sagrado, a concentração é necessária para ouvir os primeiros acordes da faixa Tempo de Pipa é, que abre o disco, cada acorde entoado do violão inicia uma bela aventura recheada de versos maravilhosos e um belo solo de acordeon complementando a base musical desta canção maravilhosa por demais; já em Vagalumes Cegos, a suavidade segue a reinar e isso é essencial pois ele consegue unir o simples com as múltiplas chances de fazer coisas mais tranquilas e ainda pede para "...ver um filme, ter dois filhos, ir ao parque, discutir Caetano, planejar bobagens e morrer de rir" como uma declaração de amor totalmente singela e deixando um gosto mais doce a cada escuta da canção; na sequência temos Cecília & os Balões, bem mais bossa nova nos primeiros tons mas que vai ganhando um peso a mais com a presença de guitarras no final da canção, uma espécie de evolução instantânea da música e o tom vocal de Cícero não muda muito não; já em João E O Pé de Feijão, aqui notamos muito a levada rítmica que lembra a música tradicional árabe e a mesma melodia de You Don't Know Me, de Caetano Veloso, e isso soaria como uma excelente referência musical, com uma letra sensacional e um solo de guitarra que morre no final da música de uma forma misteriosa até; os ares de bossa nova seguem rolando por aqui em Ensaio Sobre Ela, que acaba ganhando tons pesados assim como nas outras canções, e acaba ganhando um destaque enorme no repertório do disco, não só pelos arranjos de Cícero e Schulz que não soam chatos ou redundantes demais; na sequência temos Açúcar ou Adoçante?, outro grande destaque principal deste disco e que mostra ser original e rica em arranjos e poesias e ainda temos a pergunta "que tal mais um café?" deixando uma sensação de que a música não divide opiniões quando agrada a todos; já a próxima música não faz nem feio e nem decepciona tanto pelo arranjo quanto pelo nome: Eu Não Tenho Um Barco, Disse a Árvore prova que ainda temos um pouco de melodismo, sem deixar passar batido e ainda é o que podemos considerar uma típica canção do Cícero, é claro; já em Laiá Laiá, mais outro grande destaque deste disco e que carrega um quê de ritmo de marcha-rancho e de frevo e que nos traz um pouco de volta um espírito festivo, de carnaval e também um pouco mais de gás no som do carioca; e na faixa a seguir, Pelo Interfone, já marca aqui um ponto forte do disco que são as breves citações de Tom Jobim e com uma bela sequência rítmica nos deixando apaixonar-se mais por cada verso entoado nesta canção; o final do disco é com Ponto Cego, o que pode ser o marco apoteótico do disco anunciando "é sexta-feira, amor" com palmas marcando o ritmo sobre a chegada do dia mais esperado da semana e do final de semana, com um coral entoando "gira mundo cão" que faz terminar o ciclo das Canções de Apartamento que Cícero vem a nos apresentar em sua estreia discográfica como artista solo.
Set do disco:
1 - Tempo de Pipa  (Cícero Rosa Lins)
2 - Vagalumes Cegos (Cícero Rosa Lins)
3 - Cecília & os Balões (Cícero Rosa Lins)
4 - João E O Pé de Feijão (Cícero Rosa Lins)
5 - Ensaio Sobre Ela (Cícero Rosa Lins)
6 - Açúcar ou Adoçante? (Cícero Rosa Lins)
7 - Eu Não Tenho Um Barco, Disse a Árvore (Cícero Rosa Lins)
8 - Laiá Laiá (Cícero Rosa Lins)
9 - Pelo Interfone (Cícero Rosa Lins)
10 - Ponto Cego (Cícero Rosa Lins)


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