Um disco indispensável: Rubber Soul - The Beatles (Parlophone, 1965)

Em 1965, a febre britânica do rock and roll se expandia para além do eixo EUA-Europa e o grupo responsável pela famosa "invasão", os Beatles, já com cinco discos lançados além do filme A Hard Day's Night (1964) e do recém-lançado Help!, estavam conquistando um sem-número de fãs ao redor do mundo e fazendo o máximo possível para se manterem ativos, seguido de outras bandas que também pegariam carona no sucesso, desta vez fora da Inglaterra. Enquanto isso, os próprios John Lennon, George Harrison, Paul McCartney e Ringo Starr seguiam batalhando para fazerem um material que pretendia inverter de vez os papéis e deixando os críticos falarem o que quiserem, e as suas composições foram feitas num período que separava o turbilhão de shows e a temporada americana daquele ano. Mas, falando desta temporada americana, vamos relembrar que foi num encontro que aconteceu bem antes em 1964, quando antes de lançarem Beatles For Sale, os britânicos acabaram se cruzando de vez em encontros inesperados com grandes personalidades como Groucho Marx e o próprio Bob Dylan, que segundo a lenda, foi ele que apresentou a maconha aos músicos e foi a partir daí que a mente deles se abriu para novas ideias e tudo começou a fluir de uma forma diferente para os quatro de Liverpool e muita coisa mudou a partir de então. Voltando aos Estados Unidos em 1965, mais precisamente em agosto no dia 15, a banda viria a fazer um dos shows históricos da carreira que se tornou pioneiro no chamado rock de arena no Shea Stadium batendo o recorde de público, que fica entre 55 e 70 mil pessoas que foram ver a banda, com dez músicas e ainda promovendo o recém-lançado filme Help!, que também levava o nome do disco com o lado A todo dedicado as faixas presentes no filme. Do Shea Stadium de New York para a mansão Graceland de Memphis, a casa de um dos rockstars mais aclamados na história, que nos anos 50 foi um estouro mas já na década de 60 não estava tão presente na música, se dedicando a uma carreira cinematográfica: o próprio Elvis Presley. Junto de Lennon, Harrison, McCartney e Starr vinham Brian Epstein, Mal Evans e Alf, o motorista e enfim, os músicos realizavam sonhos de adolesentes que eram encontrarem em pessoa o músico em que buscavam tanta inspiração na música naqueles tempos. Após a temporada norte-americana, o momento mesmo era entrar nos estúdios Abbey Road na capital britânica, aonde dali sairia o sexto álbum de estúdio dos Beatles, intitulado Rubber Soul, uma brincadeira de Paul com a soul music que estava em voga na época graças aos artistas de selos como Motown, Atlantic, Stax dentre outros e acabou sendo também uma nova fase poética-musical que deu uma nova visão muito diferente dali em diante, deixando de lado o estilo muito pegajoso e desta vez indo para novas influências e mais soltos pra comporem grandes canções.
Capa americana, da gravadora Capitol. A diferença é que algumas faixas
ficaram de fora, sendo substituídas por músicas do álbum anterior,
"Help!". No Brasil, o disco seguiu com as 14 faixas da versão original.
Então, os Beatles fizeram de Rubber Soul uma nova identidade sonora, certo? Certo, mas afinal, quem foram as mentes que influenciaram o quarteto de Liverpool a conceberem este disco genial? Desde que os Beatles tenham causado furor, há quem saiba que tenham ouvido muito folk, em especial Dylan, já George descobriu a música indiana por meio de um dos integrantes dos Byrds e logo aconteceu o grande lançamento do disco em 3 de dezembro do ano de 1965, recebendo vários elogios à época de seu lançamento. Só no início de 1966 é que os outros países como o Brasil puderam ter em mãos esse disco, mas sem o setlist da versão americana que contava com algumas faixas do Help!, e com apenas 12 canções, e um fato estranho é que foi um dos casos em que a capa era a mesma, uma vez que a Capitol sempre utilizava um repertório diferente e como em outros países sempre era o mesmo formato dos álbuns americanos: alguns singles e capas muito diferentes, como o caso da Odeon aqui no Brasil, tendo exceção de A Hard Day's Night, que aqui virou  Os Reis do Iê-Iê-Iê cujo o repertório seguia o setlist da versão original assim como em outros países. A capa traz um tom mais sério dos Beatles, quase similar ao de With The Beatles (1963) aonde eles não riem e fazem uma cara mais discreta mostrando que não estavam para brincadeira: as fotos clicadas por Robert Freeman, que clicou os Beatles durante a década de 1960, haviam sido mostradas aos quatro em um carrossel de slides fotográficos acabou meio que tombando e criando um efeito impressionante, definindo assim a capa de um dos melhores trabalhos da banda e que marcou com outros discos o início de uma fase brilhante e áurea do bom e velho rock and roll na época.
Os quatro em um dos momentos mais apoteóticos da carreira em 1965: mais
maduros a partir de então e também com novas ideias para mostrar ao mundo.
Aqui falaremos da versão original, da Parlophone, com 14 faixas, dando o mesmo espaço para George Harrison em termos de canções, mas com uma forte presença de Ringo colaborando também no álbum, o que é raro por sinal. A música que abre o disco, Drive My Car ainda carrega aquele astral de sempre, uma coisa mais alegre e também com uma letra mais simples, porém sem perder o primor que são onipresentes nas canções da dupla Lennon e McCartney; já em Norwegian Wood (This Bird Has Flown), aqui temos a influência de Dylan na poesia e também da música indiana e a primeira vez em que um instrumento não-tradicional nas músicas da banda acaba sendo acrescentado - sim! - uma cítara tocada por George Harrison inverte os papeis mostrando uma outra face sonora; já em You Won't See Me, a levada de balada pop ainda vive rondando pelos arranjos em uma letra aonde Paul fala sobre seu romance com Jane Asher e o piano tocado por John mostra porque ele é o multi-instrumentista à frente do quarteto; já em Nowhere Man, a história do homem de nenhum lugar que faz seus planos inexistentes para ninguém, com Macca e George dando suporte para John contando a história desse homem de lugar nenhum e conclui que o mundo está sob o seu comando, quem será mesmo o Nowhere Man que John Lennon estaria se referindo? Dúvida no ar; já o "quiet Beatle" segue a desfilar seu show de belas canções como Think For Yourself, que não faz feio em termos de arranjos como sempre e ainda dá tempo pra mostrar seus dotes como guitarrista, é claro deixando um gostinho de quero mais que ainda tem pela frente; já a música The Word carrega influências da maconha, comprovado pelo próprio John e também por Paul, dá pra se notar até a forma em que John está cantando ao longo da música, ainda com um órgãozinho chapante no meio da canção; enquanto isso, Paul começa a se soltar de uma forma romântica e entoa os versos de Michelle, com um quê de francês e até de bossa nova (???!!!) pela levada, mas tendo mais cara de chanson française até pelos versos iniciais da canção, é o estilo mais clássico também das love songs feitas na época; já Ringo aparece em What Goes On, que lembra um pouco Act Nacturally do álbum anterior, até pela levada que soa bem country mas também com um quê de rock dos anos 50, como uma espécie de passagem no tempo, aonde sonhavam em ser Elvis ou Buddy Holly e a fama ainda era muito para eles; ainda com as novas referências sonoras, em Girl eles acabam trazendo um quê de romantismo ainda e de músic a grega, inclusive pelos típicos pizzicatos e pela levada de violão que tem no intervalo dos versos, há um quê de Grécia no cancioneiro beatle, e muitos fãs hão de concordar em respeito a isso; e Paul ainda consegue trazer aquele mesmo espírito pra cima e com todo o gás em I'm Looking Through You, que têm uma atmosfera sonora semelhante de I Feel Fine, com um órgão executado por John e bem mais acústico pela forte presença de violões e um pouquinho de guitarra pra complementar; na sequência temos uma balada bem suave, In My Life, na qual John declarou ter composto totalmente sozinha, porém com a ajuda de Paul McCartney, segundo este, ajudou o próprio na composição do começo ao fim, a canção reflexiva de modo filosófico acaba nos emocionando a cada vez que ouvimos e com direito a um piano no estilo barroco tocado pelo George Martin, que já mostrou várias vezes seus dotes como arranjador e não é à toa que ele é considerado um "quinto beatle"; já em Wait, a coisa ainda não deixa passar batido, e ainda dá pro gasto como sempre ainda com direito a Paul cantando solo em alguns trechos da músicas e meio que também dividindo um espaço, mesmo que curtinho nessa canção; já Harrison ainda dispara a sua última cartada neste disco com If I Needed Someone, que tinha um ar tribal na levada rítmica-sonora mas que também soa curiosa pelo fato da introdução de guitarra nos remeter mais uma vez à sonoridade grega até numa canção do guitarrista principal (1943-2001) deixando a dupla um pouco invejada pela criatividade e virtuosidade de George; o final mesmo é com Run For Your Life, aqui com aquele gostinho de "quero mais" e que conforme Lennon tinha declarado, teve como inspiração a música Baby Let's Play House, de Elvis Presley, coincidência é que Lennon deve ter voltado de Memphis mais inspirativo e feito a música que encerraria Rubber Soul com estilo.
Set do disco:
1 - Drive My Car (John Lennon/Paul McCartney)
2 - Norwegian Wood (This Bird Has Flown) (John Lennon/Paul McCartney)
3 - You Won't See Me (John Lennon/Paul McCartney)
4 - Nowhere Man (John Lennon/Paul McCartney)
5 - Think For Yourself (George Harrison)
6 - The Word (John Lennon/Paul McCartney)
7 - Michelle (John Lennon/Paul McCartney)
8 - What Goes On (John Lennon/Paul McCartney/Ringo Starr)
9 - Girl (John Lennon/Paul McCartney)
10 - I'm Looking Through You (John Lennon/Paul McCartney)
11 - In My Life (John Lennon/Paul McCartney)
12 - Wait (John Lennon/Paul McCartney)
13 - If I Needed Someone (George Harrison)
14 - Run For Your Life (John Lennon/Paul McCartney)

SETLIST DA EDIÇÃO AMERICANA:
1 - I've Just Seen a Face (John Lennon/Paul McCartney)
2 - Norwegian Wood (This Bird Has Flown) (John Lennon/Paul McCartney)
3 - You Won't See Me (John Lennon/Paul McCartney)
4 - Think For Yourself (George Harrison) 
5 - The Word (John Lennon/Paul McCartney)
6 - Michelle (John Lennon/Paul McCartney)
7 - It's Only Love (John Lennon/Paul McCartney)
8 - Girl (John Lennon/Paul McCartney)
9 - I'm Looking Through You (John Lennon/Paul McCartney)
10 - In My Life (John Lennon/Paul McCartney)
11 - Wait (John Lennon/Paul McCartney)
12 - Run For Your Life (John Lennon/Paul McCartney

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