Um disco indispensável: A Mulher do Fim do Mundo - Elza Soares (Circus/Natura Musical, 2015)

Após ressucitar-se musicalmente e voltar a ser reconhecida, Elza foi eleita a cantora do milênio em uma pesquisa pela BBC em uma mesma pesquisa aonde estavam Ella Fitzgerald, Etta James, dentre outras tantas, e ainda houve tempo pra celebrar os quarenta anos de carreira no ao vivo Carioca da Gema (1999) e mais tarde lançar o grande Do Cócix Até o Pescoço, tendo Chico Buarque como seu ilustre convidado. Em mais de 55 anos de carreira, Elza da Conceição Soares ainda se mostra viva, firme e ativa, fazendo honra ao título de cantora do milênio, e recentemente fez um dos lançamentos mais surpreendentes da música brasileira, intitulado A Mulher do Fim do Mundo, totalmente com cara de São Paulo, e não é à toa que os principais cabeças por trás da concepção do álbum são dessa região; Kiko Dinucci, Rômulo Fróes, Rodrigo Campos e Marcelo Cabral, sendo o produtor Guilherme Kastrupp e um material distribuído pelo projeto Natura Musical e lançado em outubro de 2015.
O disco começa com Elza entoando o poema Coração do Mar, um canto que antecipa de vez o disco e sentimos que ela consegue se reerguer de uma forma triunfante a cada verso de Oswald De Andrade entoado; na sequência uma orquestra surge e eis que os primeiros acordes de Mulher do Fim do Mundo, um samba de Alice Coutinho e Rômulo Fróes, e que carrega uma energia que vai contagiando e no qual ela pede que a deixem cantar até o fim, soando totalmente autobiográfico como se fosse sobre a própria; na sequência temos Maria de Vila Madalena, com pegada eletrônica nos arranjos, na qual ela fala sobre os homens aproveitadores que vivem a agredir as mulheres e que são tantos por aí, e mostrando que a Lei Maria da Penha tem sua vez de verdade; a próxima faixa é Luz Vermelha, a sambista coloca sua voz pra disparar versos mirabolantes de Kiko Dinucci aonde se vê a respeito de um anão que previu que "o mundo ia acabar num poço cheio de merda" com elementos do hip hop e do rock nos arranjos; a próxima faixa já diz tudo, é Pra Fuder de vez as estruturas, com uma levada de sambão nos acordes de violão, a música mistura o linguajado contemporâneo com a pegada antiga do samba mais um quê de eletrônico, sendo um destaque principal do seu novo álbum; já na sequência temos Benedita, a canção que carrega um pouco dos ritmos africanos e também a presença de Celso Sim e do conjunto Bixiga 70 nos arranjos de metais, que se mostram surpreendentes por sinal, falando sobre um universo realista vivido nas periferias cheio de violência e drogas de uma forma crônica, comum em canções como esta; e quando parecia durar pouco, você ouve Firmeza!? e pensa como ela consegue se mostrar disposta a entoar qualquer coisa, neste caso, a linguagem contemporânea do subúrbio, e ainda contando com Rodrigo Campos - autor da música - dando aquela canja, dividindo os vocais com a lenda viva do samba pra deixar mais sensacional a música cheia das gírias dos dias atuais; enquanto em Dança, ela reacende aquela velha chama do bolero com elementos sonoros atuais, soando um pouco bizarro, mas não faz feio não e com outro figurão da nova cena da MPB fazendo duetos, desta vez é Rômulo Fróes que ganhou esse momento especial ao lado da cantora; em seguida nós temos O Canal, que não deixa rastros totalmente lastimáveis, mas também faz uma sintonia totalmente maravilhosa e retomando ao tempo de Alexandre O Grande e o canal de Suez com um pouco dos dias atuais nos versos; em seguida, temos Solto: uma canção totalmente maravilhosa, com um tom mais sutil movido por orquestrações e um violão e que acaba ganhando mais tonalidade sonora aos poucos e com uma letra belíssima, soando original e poética ao mesmo tempo; o final do álbum fica por conta de Comigo, que começa com uma orquestração instrumental que nos lembra algo mais experimental, mas depois de um minuto é que a música acontece mesmo, aonde Elza fala sobre carregar o que aprendeu com sua mãe pro resto de sua vida, apenas ela no estilo à capella e antes de encerrar de vez, um silêncio até que surge uma hidden track (faixa escondida) aonde ela canta "mas se eu me levantar ninguém irá saber e o que me fez morrer vai me fazer voltar" aonde se soa o descansar da cantora ou o último lamento antes que encerre o disco, de um estilo totalmente apoteótico.
Set do disco:
1 - Coração do Mar (Oswald de Andrade/música de José Miguel Wisnik)
2 - Mulher do Fim do Mundo (Rômulo Fróes/Alice Coutinho)
3 - Maria de Vila Madalena (Douglas Germano)
4 - Luz Vermelha (Kiko Dinucci/Clima)
5 - Pra Fuder (Kiko Dinucci)
6 - Benedita (Celso Sim/Pepe Mata Machado/Joana Barossi/Fernanda Diamant)
7 - Firmeza!? (Rodrigo Campos)
8 - Dança (Cacá Machado/Rômulo Fróes)
9 - O Canal (Rodrigo Campos)
10 - Solto (Marcel Cabral/Clima)
11 - Comigo (Rômulo Fróes/Alberto Tassinari)
Comentários
Postar um comentário
Por favor, defenda seu ponto de vista com educação e não use termos ofensivos. Comentários com palavras de baixo calão serão devidamente retirados.