Tribo da Lua - Dazaranha (Atração Fonográfica, 1998)

É difícil falar do rock brasileiro dos anos 1990 e não falar do que estava pipocando nos 4 cantos desse país multicultural é quase difícil não destacar o que estava acontecendo nos 27 estados, era o momento de caos na política com o governo Collor e o confisco nas poupanças dos milhões de brasileiros, e em pouco tempo sofreria uma rejeição enorme até chegar ao momento do impeachment que o derrubou do poder e daí viria mais uma nova etapa da redemocratização com o então vice Itamar Franco assumindo o cargo administrativo máximo do poder público, e com isso a mudança na economia do Brasil iniciava sua mudança a ponto de 1994 o Plano Real atualizar a moeda do país que permanece por 30 anos. Mas o rock contou com uma cena encabeçada com bandas por estados diversos, a começar por São Paulo onde estavam Okotô, Yo-Ho-Delic que lançou um dos álbuns que abriu portas pro novo cenário, Velhas Virgens (e suas canções no melhor estilo sexo-álcool-rock 'n' roll), bandas de metal como Dr. Sin e Angra, além de Professor Antena, Concreteness, Línguachula, Junk, Virgulóides, Os Ostras e Charlie Brown Jr. - esta última tomou de assalto o cenário jovem no final da década. E o nosso Rio de Janeiro continuava lindo exportando uma cena riquíssima, tendo os conjuntos Bel, O Rappa, Planet Hemp, Acabou La Tequila, Cidade Negra, Los Hermanos, Autoramas, Gangrena Gasosa. Os mineiros já contra-atacavam com a santíssima trindade Skank, Pato Fu e Jota Quest mais Virna Lisi, Yellowfante e Tianastácia mostravam um caminho muito além do Clube da Esquina. As ricas terras pernambucanas ofereceram o manguebit da galera do Mundo Livre S.A., o grupo principal Chico Science & Nação Zumbi, Jorge Cabeleira & O Dia Em Que Seremos Todos Inúteis, Carbuêra, Mestre Ambrósio, Sheik Tosado, Cascabulho e Otto (vindo do Mundo Livre) mostravam um Nordeste fusionado de tradição e modernidade. O cenário da Capital Federal já ia por esse caminho - basta ver que de lá saiu Raimundos, Pravda, Maskavo Roots, Little Quail & The Mad Birds, Nativus (futuro Natiruts), Rumbora e Second Come davam continuidade à expansão do cenário de Brasília iniciado por Renato Russo, Dinho Ouro Preto e companhia. Enquanto isso, o Sul tinha seu cenário curioso: no Paraná quem dava as caras eram Boi Mamão, Relespública, Beijo AA Força, Magog, Woyzeck e Pelvs. Sem esquecer também a gauchada do RS seguia bem representada com Acústicos & Valvulados, Tequila Baby, Ultramen, Comunidade Nin-Jitsu, Graforréia Xilarmônica, Papas da Língua, Colarinhos Caóticos, Acrentinice Me Atray ou seja: todos os estados estavam bem servidos.
O Dazaranha nos dias atuais (foto: Tóia Oliveira)
E os catarinas, os barriga-verde? Bom, pra lembrarmos bem, o cenário de Santa Catarina era raramente lembrado, mas havia bandas como as veteranas Eng
enho, Expresso (inicialmente Expresso Rural), Tubarão, Bandalheia, Olho D'Água e Alta Voltagem davam visibilidade ao cenário autoral em Santa Catarina nos anos 80, e a virada da década seria surpreendente. No início dos anos 1990, Floripa com sua cultura ligada às raízes oriundas dos descendentes de açorianos (Ilha dos Açores - Portugal) que se misturou à diversidade folclórica dentro do Brasil, e pelo fato de a capital Florianópolis estar bem diante do mar, a influência do reggae começou a dominar nas novas bandas - dentre elas Stonkas Y Congas, Tijuquera, Primavera Nos Dentes, Índice e a principal de todas - a banda que teve um rápido salto do underground de Floripa pra ser a principal banda a levantar bandeira do rock catarinense, Dazaranha. Criado em 1992 com o encontro de amigos como Adauto Charnesky (baixo), Moriel Costa (voz e guitarra) junto dos irmãos Sandro "Gazu" (voz e violão) e Gerry (percussão), entrando também Zé Caetano (bateria), Fernando Sulzbacher (violino) e Francisco Lázaro "Chico" Martins (voz e guitarras) e começaram com o nome provisório de Almirante Mirinda até optarem por Dazaranha inspirado no dialeto nativo florianopolitano e na localização do Canto das Aranhas situado na Praia do Moçambique, os primeiros ensaios eram no Centro Comunitário do Saco Grande, frente à casa de Moriel - e dali em diante até conseguirem ocupar uma caixa d'água inativa entre os bairros do Saco Grande e o Itacorubi, realizarem shows no cenário local e dominando um público que ia desde universitários e surfistas até uma grande parte da cidade se identificar com aquela banda que misturava rock com reggae e elementos mais próximos da cultura local. A primeira demotape do conjunto foi gravada em 1994, e já com a primeira grande gravação para uma coletânea dedicada ao cenário musical da cidade, Ilha de Todos os Sons editado pela RGE mostrou o Daza (forma íntima de referir-se à banda) cantando Retroprojetor em sua primeira versão. Após muitos meses de luta, shows a fazerem e ensaios na caixa d'água, evoluindo profissionalmente, e com a ajuda de amigos e familiares mais uma mãozinha de um projeto cultural do estado, eis que veio o sonho do álbum próprio e assim veio o CD de estreia Seja Bem Vindo, também pela RGE - produzido por Adauto e Fernando ao lado de Murilo Valente, apresentava músicas até hoje lembradas como Galheta, Mamica, Novos Ditados que foi um sucesso imediato, junto de Muralhas Brancas e Padre, o álbum fez sucesso na região Sul levando a tocarem em grandes eventos Sul afora.
Formação à época do CD: com Gazú e Zé Caetano
e sem Gerry à época, na Floripa dos anos 90
O sucesso de Seja Bem Vindo abriu portas que poderiam levar a voos maiores, aproximando a banda de artistas nacionais e dividindo o palco com nomes que vão desde Pato Fu, Cidade Negra, Tribo de Jah, Rita Lee até o saudoso rei do swing Tim Maia - que em vez de fechar, abriu para o Daza. Desde 1994 eles já estavam com um empresário, o radialista Zeca Carvalho que estava levando a banda ao patamar de conjunto sério e seria ele peça fundamental nos primeiros anos da trajetória até o auge da aclamação do conjunto. Corria o ano de 1998 e a banda (sem Gerry que havia saído após o lançamento do primeiro CD) recebeu a oportunidade da Atração Fonográfica para gravar um álbum com o melhor tratamento - tendo em São Paulo o estúdio Bebop e tendo como produtor um ídolo da guitarra brasileira: Luiz Carlini, que tocou com diversos nomes entre eles a própria Rita Lee em tempos áureos de Tutti Frutti (1973-78) e que contribuiria para a sonoridade como guitarrista em algumas faixas. O álbum que levaria o título de Tribo da Lua, e seria editado entre julho e agosto de 1998, traz logo na capa uma vibe muito curiosa: uma brincadeira de Adauto com o cabelo de Zé Caetano clicada pelo próprio Fernando Sulzbacher, que junto do baixista Adauto e de Carlos Kilian, registraram imagens das gravações que aparecem no encarte do CD. Logo na abertura do disco, temos já de cara um sonzão que já garante - Dança é como se falasse da união de tribos espalhadas pela cidade e curtindo a dança como algo essencial e curtindo o cabelo de um personagem na história, além da guitarra, temos também a presença dos teclados (Cláudio Tranjan) e a guitarra dando um tempero mais quente além da marcação rítmica; a faixa seguinte é a que mais se destaca no CD por ser um clássico das rodas de violão originalmente buscada de uma cantiga de capoeira - Vagabundo Confesso fala de alguém que vive a vida e enaltece suas raízes afro-brasileiras em versos e deseja um café na cama com suco de laranja - além do violino mágico de Sulzbacher e da guitarra e violão casadinhos melodicamente, destaco também a voz principal que é de Chico Martins seguida de Gazu que canta os últimos versos; na sequência, uma ode ao paraíso de Floripa - a icônica Tribo da Lua faz menção à dois pontos na Praia Mole, o dragão seria um conjunto de colinas verdes cheias de pedras que lembra o animal e a outra com rochas enormes que parecem formar a figura de um índio, o reggae lento e arrastado traz Carlini no steel guitar e uma voz suavizante de Gazu; a seguir, um tema que une o mais absurdo pacote de poesia anos 90 - Pagode do Revoltado e sua letra que fala de um casal e todos os problemas que cercam ao seu redor que são esquecidos quando decidem curtir a noite juntos, apesar de levar o subgênero do samba no nome, tem sim alguma referência sonora no arranjo, a pegada mais próxima têm esse ar de samba-rock, seja pela guitarra de Chico e o violino de Fernando ou pelo groove do baixo de Adauto que manda muito; adiante, um tema de botar responsabilidade - o sambalanço manezinho com ares tropicalistas nos versos de Te Liga onde aconselham um jovem que vai descobrir o mundo e é avisado sobre o mal que interfere nos trajetos, além das guitarras de Chico (solo) e Moriel (base) e da baixaria pesada de Adauto, a participação de Jorge Ben Jor nos vocais dá um ar que lembra as músicas na fase Tábua de Esmeralda - seja pelo balanço ou pela combinação de poesia e harmonia; e nesse embalo vamos sendo levados para a próxima faixa, Cama Brasileira une toda a essência dazaranhica poética-musical falando de alguém que aproveita com a pessoa amada a tal cama brasileira sugerindo unir tudo que há de mais representativo ao Brasil desde o caldo de peixe até o conjunto Novos Baianos, o balanço da música carregado pelo violino e o baixo mais a bateria fazem o verdadeiro caldo de peixe com música citado nos versos; ainda sobra um bom tempinho para se mostrarem bons de covers, no caso a célebre Como Vovó Já Dizia (Óculos Escuros) do eterno maluco beleza Raul Seixas, que aproxima muito a vibe roqueirona dos anos 90 com guitarras e teclados dando um banho até com Sulzbacher mandando no violino e Zé dando um show na bateria; em diante, o grupo segue entregando tudo nas canções e prova disso é a politizada Eh, País com versos que colocam a realidade do país ao encostar o dedo na ferida sobre como houve poucas mudanças boas na época, não ignorando a brilhante fusão de reggae com rap faz parecer um funk bem balançado - culpa do baixo maldoso de Charnesky? A próxima música que surge é um dos maiores hits do cancioneiro que, gravada em 1994, ganha uma melhoria aqui - Retroprojetor busca a fundo explorar ideias de contraste, exagero e referências locais e culturais além de abordar temas de liberdade, individualidade e aceitação de diversas perspectivas, o reggae que tem mistura de elementos que vão da música árabe ao samba até passar pelo hard rock setentista faz uma boa fusão que não decepciona - desde as guitarras até a percussão de Baixinho até o violino de Fernando dão esse ar de world music manezinha que faria David Byrne adorar; a seguir, temos aqui um tema que ao ouvirmos, parece soar diferente do comum, mas sem fugir do conceito, Esquina 2000 narra uma aventura no futuro muito conectado ao universo dos quadrinhos de heróis e da ficção científica onde o arranjo parece ter saído de alguma banda obscura dos anos 80 pela bateria, mas dá esse ar futurista que ajuda a expandir mais os limites da criatividade sonora proporcionada pelo Daza; o encerramento do disco fica por conta de uma canção que  dá aquele gostinho de quero mais - Barco Pesqueiro narra sobre uma embarcação na ilha rumo à Ilha do Arvoredo regado à muita magia e bruxos, a poética muito influenciada provavelmente por Franklin Cascaes, autor do livro O Fantástico na Ilha de Santa Catarina, tem uma vibe próxima de um surf-rock misturada com hardcore punk mas não fez feio como sempre.
Logo após o lançamento, com o sucesso acontecendo, algumas mudanças aconteceriam no caminho: saía Zé Caetano e entrava Adriano Barvik assumindo a bateria durante a tour do disco e de cara gravando o clipe de Vagabundo Confesso logo em seguida, e a banda só voltaria aos estúdios em 2003 para gravarem o terceiro álbum Nossa Barulheira, mas aí já é outra história. Com esse CD foi provado que sim - era possível uma banda catarinense ter sua gigante notoriedade pelo Brasil e foi o que ajudou o Dazaranha a ser visto como uma das principais bandas de renome sendo até hoje a banda que mais arrasta multidões por onde passa - não importa onde se numa das tantas praias em Florianópolis ou em algum festival seja em Brasília, São Paulo ou no interior. Tribo da Lua ajudou a lançar Santa Catarina como um forte estado cultivador de reggae no Sul abrindo espaço para bandas que tivessem o mesmo espaço que eles como o John Bala Jones (antigo Rococó), Iriê, Nós Naldeia e muito importante também: seria porta para que novas bandas fossem dar às caras e pudessem mostrar que podiam fazer rock autoral como o Dazaranha, o Expresso e outras tantas, a galera de Florianópolis - como cantam em Cama Brasileira, essa galerinha da ilha da magia fazem um bom caldo de peixe com música - e da boa!
Set do disco:
1 - Dança (Moriel Costa/Gazu/Adauto Charnesky)
2 - Vagabundo Confesso (Nestor Capoeira/adaptado da cantiga de puxada de rede por Moriel Costa)
3 - Tribo da Lua (Moriel Costa)
4 - Pagode do Revoltado (Gazu)
5 - Te Liga (Gazu/Chico Martins)
6 - Cama Brasileira (Moriel Costa)
7 - Como Vovó Já Dizia (Óculos Escuros) (Raul Seixas/Paulo Coelho)
8 - Eh, País (Gazu)
9 - Retroprojetor (Moriel Costa)
10 - Esquina 2000 (Gazu/Dazaranha)
11 - Barco Pesqueiro (Moriel Costa)

Comentários

  1. Parabéns muito bom saber a história dessa banda maravilhosa dazaranha! Amei continue escrevendo sobre outras bandas ❤️

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