El Silencio - Caifanes (RCA/BMG México, 1992)

Papo reto, se na terra dos guacamoles, mariachis, tequilas, sombreros e de Roberto Bolaños (vulgo Chespirito) o rock só teve voz e vez em meados da década de 1980, agradeça à geração do festival hippie de Avándaro, o Woodstock chicano realizado em 1971 no meio de uma corrida de carros, que chamou tanto a atenção que brevemente durante o governo do presidente Luis Echeverría proibiu o rock no país com a forma em que o festival estava exposto ao uso de drogas ilícitas e de muito sexo livre, posteriormente muitas bandas tiveram que usar clandestinamente cinemas, teatros e galpões abandonados que se transformaram em hoyos funkies onde se juntavam bandas para tocarem e quase sempre com a polícia descobrindo e acabando com a farra. Bandas como Green Hat Spies, Three Souls in My Mind tiveram de mudarem com o tempo não só a sonoridade como o nome - Green Hat Spies virou Green Hat e depois Sombrero Verde, já a longínqua Three Souls in My Mind se tornou El Tri nos anos 80, e Sombrero Verde se tornaria o gigante do pop rock hispânico Maná, tendo inicialmente Fher Olvera nos vocais e os irmãos Calleros Abraham na bateria e depois substituído em 1984 por um garoto de 15 anos chamado Alex González, Ulises na guitarra e Juan no baixo. Com o surgimento do trio Botellita de Jerez liderado pelo músico e cartunista Sergio Arau, os mexicanos encontraram na banda uma identidade própria, uma questão de levar a cultura do próprio país pra dentro das canções e da sonoridade e como dizem, sem Botellita não haveria bandas como Maldita Vecindad e Café Tacvba obviamente, pois beberam muito da fonte que foi a chave de tudo pra esse momento. A mexicanidade se tornaria muito presente em bandas que estavam pipocando, casas dedicadas ao cenário roqueiro do país como o Rockotitlán abriam portas e com Neón, Fobia, Tex Tex, Ritmo Peligroso, Kenny y Los Eléctricos e dentre as bandas que estavam dando as caras, a que mais se destacava no cenário mexicano era os Caifanes, que começava a tomar de assalto o cenário latino junto de bandas como os argentinos Enanitos Verdes, Soda Stereo, Los Fabulosos Cadillacs e os espanhois Héroes del Silencio, Radio Futura, Los Toreros Muertos, os colombianos Compañía Ilimitada e por aí vai. De um projeto nascido para cinema chamado Las Insólitas Imágenes de Aurora do qual Alejandro Marcovich juntou o baterista Alfonso André e o vocalista e guitarrista Saúl Hernández, mas tanto Hernández quanto Marcovich já iniciavam suas tretas e o projeto desandou até Saúl se juntar ao tecladista e saxofonista Diego Herrera, e depois de vários bateristas, entra Alfonso André do Insólitas Imágenes e o baixista Sabo Romo e logo assinam com a gravadora BMG Music pelo selo RCA que estava lançando bandas que cantassem rock hispânico para o selo/projeto Rock en Tu Idioma onde de imediato o grupo ganhou um disco de estreia aclamado com as faixas Mátenme Porque Me Muero, Cuéntame Tu Vida, La Bestia Humana e Te Estoy Mirando, porém, o grande sucesso não estava em no disco, mas em um maxisingle chamado La Negra Tomasa, de imediato, a banda foi crescendo dominando México e América Latina afora.
Através do sucesso gigantesco, a banda foi excursionando por países da América do Norte, Central e do Sul e no meio da tour do primeiro disco, velhos amigos (ou seriam inimigos?) se reencontrariam: o desafeto lá do Insólitas Imágenes, o guitarrista Marcovich assistiu ao grupo em um clube e ouviu de Saúl que precisava de um guitarrista de apoio, e logo entrou a convite do vocalista para assumir a segunda-guitarra e o agora quinteto seria definitivamente a formação que seria a gravar o disco El Diablito, inicialmente Caifanes II que contou com a produção de Gustavo Santaolalla, Cachorro López e Daniel Freiberg e de cara foi outro sucesso gigantesco, através de músicas como La Célula Que Explota - grande hit do disco, seguido de De Noche Todos los Gatos Son Pardos, Detrás de Ti, Sombras en Tiempos Perdidos e Los Dioses Ocultos que foram sucesso nas paradas latino-americanas. Com o lançamento de El Diablito, algumas mudanças viriam para melhor ou para pior, apesar de todo o sucesso, Marcovich vinha sendo visto como integrante menos destacável, e isso só iria piorar com a presença de uma nova pessoa para agenciar a carreira da banda - Marusa Reyes se tornou não só uma pedra no caminho dentro da banda, como também dos fãs que a veem como um péssimo elemento até hoje e que segue como uma persona non grata pela forma como vêm cuidando da carreira de Saúl em principal. Mas, era hora de gravar um novo disco, a banda vinha expandindo suas temáticas e nunca fugindo de desafios, nesse disco o produtor teria um quê de luxo pois fez parte de uma das principais bandas de rock progressivo - o Adrian Belew, guitarrista americano com passagens por Frank Zappa, Talking Heads, Nine Inch Nails e em especial pelo King Crimson onde se destacou muito. Com Adrian, a banda iniciaria uma nova fase que já vinha sendo esboçada ainda em El Diablito, e com as gravações no estúdio Royal Recorders na cidade americana de Lake Geneve gravado e mixado pelo engenheiro Rich Denhart e masterizado pelo lendário Ted Jensen, ao contrário de alguns dos dois discos, o Caifanes só teria um músico convidado - no caso, Belew como guitarrista, e seria apenas ele a participar de vez de El Silencio, lançado bem em meados de 1992, com a capa que trazia a mexicanidade com três faces diferentes formando o rosto - os olhos baseados na imagem de um santo, o nariz vindo de algum personagem folclórico enquanto a boca vem das tradicionais caveiras mexicanas - no LP, o letreiro da banda era estampado na horizontal em cima da imagem, enquanto no CD o nome Caifanes ficava na vertical. Coincidentemente, o disco foi lançado em um bom momento, pois o Maná já tomava de assalto o cenário latino-americano para além do México no terceiro álbum ¿Dónde Jugarán los Niños? que foi um estouro graças a hits como Vivir sin Aire, De Pies a Cabeza, Cachito e o ska à la Police, Oye Mi Amor. A gravadora BMG, do qual Caifanes fazia parte, lançava o selo underground Culebra, administrado por Humberto Calderón, lider da banda Neón, que decidiu investir em bandas que nenhuma gravadora queria abrir portas como La Lupita, Cuca, Santa Sabina, La Castañeda e depois contratando a banda colombiana Aterciopelados. A revelação de 1992 foi a banda Café Tacvba que tinha quatro jovens da Ciudad Satélite lançando seu primeiro disco pela Warner Music após a fita demo do grupo ter sido dada por Roco, do Maldita Vecindad, para os produtores Gustavo Santaolalla e Anibal Kerpel que ficaram interessados nessa mistura sonora proposta pela banda e tendo à frente o irreverente vocalista Rubén Albarrán. Enfim, o rock mexicano seguia em alta dez anos depois de saírem dos pontos clandestinos em lugares abandonados (hoyos funkies) para as arenas, casas de shows gigantes e com El Silencio, o terceiro álbum, o grupo não estava quieto, apesar de viverem o turbilhão da fama, mal sabia eles que ao mesmo tempo que haviam conquistado o mundo, as tensões entre velhos conhecidos iriam continuar mesmo com as mudanças favoráveis.
O disco já começa de imediato com uma pauleira - Metamorféame, um rock de imediato pulsante e nervoso que lembra punk rock e hardcore, falando sobre transformações sociais dentro de nós mesmo, mudanças de comportamento e de persona, baseado nesse conceito e provavelmente no livro Metamorfose, de Franz Kafka, o rock nervoso marcado pela bassline de Sabo na introdução e as guitarras de Saúl e Marcovich dão aquela energia de rockão pesado, sujo e grosso, e funciona bem; na próxima faixa, latinidade e hard rock caminham lado a lado com uma canção que parece prometer nada, mas entrega tudo - Nubes trata sobre um diálogo de namorados em que o eu-lírico se vê com seu amado/sua amada como se quisessem lutar pela longevidade desse amor usando a metáfora da visão do céu, o rock misturado com a pegada de salsa dá muito certo com a percussão forte e a presença do sax de Herrera que ajuda mais ainda na latinidade da canção; adiante, o repertório vai ganhando cara de clássico com mais um hit presente - a icônica Piedra carrega a essência da nova onda literária que aconteceu no México em meados dos 1960, poeticamente coloca a interpretação de alguém que se sente desiludido com algo que soa como uma pessoa dura e fria como a pedra ao que parece ser um jogo de palavras, a presença de teclados no arranjo e a bateria dão um ar bem pop pra música terminando com um som mais à chicana de sopros estilo mariachi - raízes que não saem da sonoridade; e na próxima faixa contamos ainda com outro tema mais dark e profundo - Tortuga fala de alguém que caminha pelo mar à noite e encontra uma tartaruga como se fosse um monstro atormentando dentro da cabeça de alguém, o arranjo próximo de um goth alternativo e de um pós-punk de meados dos 80; em diante, o Caifanes não pára e continua prometendo e entregando tudo como em Nos Vamos Juntos carrega um tipo de apelo mais íntimo e cheio de desejos notórios nos versos, onde um eu-lírico se vê impactado por uma paixão que arde cheio de vontades, a pegada baladista com uma entrada estilo anos 60 que lembra muito a era psicodélica ajuda no arranjo, a guitarra serve como uma boa direção que o som necessita; a seguir, o grande hit que marcou a carreira da banda e a era de ouro do rock hispânico dos 80 e 90 - No Dejes Que... é o grande acerto do álbum, uma letra onde concentra-se o sentimentalismo e as angústias de alguém que se perde de paixão, o violão como base e a introdução de guitarra são o auge da perfeição além da voz de Saúl que parece a de quem está louco e apaixonado; logo adiante o disco nos oferece uma pérola que parece ser quase escondida no repertório - a densa Hasta Morir carrega um quê de dor e culpa nos versos de alguém que desespera-se por estar sentado - provavelmente numa cadeira de rodas ou numa cama isolado - e não poder estar perto da amada até partir desse plano, com uma levada tipo salsa caribenha à mexicana, incluindo ritmos como a bossa nova pela levada rítmica e melódica, o violão e a guitarra carregam esse mexicanismo puro que as bandas de lá se identificam muito.
Dá para ver muito que a banda vai além dos seus perfeccionismos (culpa de Marcovich, de Hernández ou dos dois mais o resto da banda?) quando escutamos Debajo de Tu Piel vai contando o desfecho de um casal que se separa pelo incêndio e de querer estar debaixo da pele da pessoa com quem vivia um momento mais afetivo, os violões da música fazem como soar próximo de um grunge/alternativo misturado com country à la Flying Burrito Brothers (pra quem quer saber mais clique aqui) mais os vocais que parecem soar como uma banda inglesa daqueles tempos (início dos 90); quem for indo fundo no repertório, sabe que os Caifanes acertam para não errarem aqui, e Estás Dormida é um choque na primeira escuta - seria o Saúl Hernández fã da poesia de Lord Byron e Edgar Allan Poe? Porque a letra é um tanto que macabra, a fantasia de um cara que sente que o corpo da mina que ele era apaixonada já dormiu faz tempos e ele ainda tenta sentir algo mórbido? Zero surpreso, mas surpresa é o som nervoso e arrepiante, a bassline de Sabo Romo é um destaque instrumental junto dos vocais de Don Saúl que mostram o melhor do que ele oferecia nessa época e o sax de Herrera no final da canção faz uma espécie de alquimia transformando simples solos em ouro; não errando como vêm fazendo ao escutarmos, o próximo tema é bem bacana de ouvir - Miércoles de Ceniza, apesar da temática bem próxima da morbidez e do clima que reina em parte da poesia do repertório, soa diferenciado pela batida eletrônica que remete trip-hop ou até mesmo um new-wave moderninho com beats e um órgão que lembra até um ambiente de filme "terrir", ou não, depende de como estiver ouvindo; no que vamos escutando adiante, El Comunicador parece inofensivo para um fã de rock dos 90, visto que a letra sobre uma espécie de "stalker", um monstro vivo ou algo do tipo marcado pelo ambiente sonoro que dá essa vibe de sonzeira hard marcada pelas guitarras de Marcovich e Hernández e a bateria além do baixo matador de Romo; quem pensa que o fôlego acabou, se enganem, na dolorida Para Que No Digas que No Pienso en Tí que chega a soar como uma carta de alguém que quer comprovar o seu amor de todo jeito numa levada bem próxima da sonoridade caribenha em especial de elementos como o reggae que no refrão cortam pra um rock enérgico que dura segundos em partes da canção; entrando de vez como uma calmaria, a suavizante Vamos a Hacer Un Silencio quer trazer a estória de um casal que prefere entrar num momento de não falar, de estarem no maior silêncio de quem corre riscos dentro de uma paixão, a suavidade no arranjo que lembra rock progressivo dos 70 e o clima gótico dos 80 dá essa energia soturna caregada no instrumental da canção, as guitarras e o sax entregaram direitinho um arranjo no nível dos Caifanes (merecido); o final do álbum traz um quê de raízes na icônica Mariquita, uma rancheira clássica sobre uma mulher nativa mexicana marcada por um amor não correspondido e aqui mostra Alejandro afinado nos instrumentos e nos vocais entregando tudo ao final.
O Caifanes já era consagrado como uma gigantesca banda mexicana, tinha o público latinoamericano a seus pés, um sucesso enorme, mas com este disco conseguiram ir muito além do que já estavam em termos de música e poesia, mas as crises internas seguiam pipocando in loco - em 1993 durante a tour de promoção do álbum, o baixista Sabo Romo acaba por deixar a banda seguido do tecladista e saxofonista Diego Herrera - este último que veio a tornar-se diretor artístico da BMG Music, e o Caifanes se resumiu a Hernández, Marcovich e Alfonso André como membros principais, tornando-se a formação que tomaria frente no álbum seguinte, El Nervio del Volcán - mas aí é uma outra história. Sem esquecer a forma como o grupo abriu horizontes maiores no cenário roqueiro, a importância de El Silencio permanece para sempre na música, visto que a Al Borde deu ao disco o 118º lugar nos 250 melhores discos de rock iberoamericano, enquanto o antigo site RegiónCuatro na lista dos 70 maiores discos do rock mexicano fez esse long-play ostentar a 3ª posição, e a Rolling Stone em 2023 colocou esta pérola em 12º recentemente na lista dos 50 melhores álbuns de rock latino, a prova de que a genialidade dos 5 integrantes era algo de outro mundo mesmo, e independente de não ser mais a banda de sempre, Caifanes é e segue sendo Caifanes para os mexicanos, os latino-americanos e para o mundo todo.
Set do disco:
1 - Metamorféame (Saúl Hernández/Alejandro Marcovich/Diego Herrera/Sabo Romo/Alfonso André)
2 - Nubes (Saúl Hernández/Alejandro Marcovich/Sabo Romo)
3 - Piedra (Saúl Hernández/Diego Herrera)
4 - Tortuga (Saúl Hernández/Diego Herrera/Alejandro Marcovich)
5 - Nos Vamos Juntos (Saúl Hernández)
6 - No Dejes Que... (Saúl Hernández)
7 - Hasta Morir (Saúl Hernández/Alejandro Marcovich/Alfonso André)
8 - Debajo de Tu Piel(Saúl Hernández)
9 - Estás Dormida (Alejandro Marcovich)
10 - Miércoles de Ceniza (Saúl Hernández)
11 - El Comunicador (Saúl Hernández)
12 - Para Que No Digas que No Pienso en Tí (Saúl Hernández)
13 - Vamos a Hacer Un Silencio (Saúl Hernández)
14 - Mariquita(tradicional/adaptação: Saúl Hernández/Diego Herrera/Alejandro Marcovich) - faixa bônus

Comentários

Postar um comentário

Por favor, defenda seu ponto de vista com educação e não use termos ofensivos. Comentários com palavras de baixo calão serão devidamente retirados.

Mais vistos no blog