Um disco indispensável: O Samba Poconé - Skank (Chaos/Sony Músic, 1996)

Em princípios de 1995, o verão marcado sempre pelo sol escaldante pelas praias do Brasil tinha sua trilha sonora marcante: além dos sertanejos, axés e pagodes que embalavam como nunca esta estação caliente. Mas, haviam artistas do rock que estavam revitalizando o gênero como nunca - de Raimundos e Chico Science & Nação Zumbi ao pessoal de Minas Gerais, em especial o Skank - embaixadores regionais da região dessa nova cena roqueira que brotava depois de 1991, nascidos de uma nova reencarnação de uma banda antiga, a Pouso Alto da qual Henrique Portugal nos sintetizadores e Samuel Rosa nos vocais e guitarra integravam, ao lado de Alexandre Mourão no baixo e seu irmão Dinho na bateria - e isso ainda nos anos 1980, quando Minas ainda transbordava a uma cena quase desconhecida, resumida a grupos como Divergência Socialista, Magog, Hosana Nas Alturas, Arco da Velha e depois nomes mais conhecidos fora de Minas como o Sexplícito que contou com Rubinho Troll e João Ulhoa - futuramente o John de uma banda aí chamada Pato Fu, e o maior conjunto musical representante do heavy metal brasileiro AROUND THE WORLD - yeah, estamos falando do fucking aclamado Sepultura - que depois de gravar 2 LPs, conseguiu invadir o mundo todo e está aí na ativa até hoje, mesmo sem os membros originais - os irmãos Max e Iggor Cavalera. O problema é que em 1991 a Pouso Alto conseguiu um recital na cidade de São Paulo, o Aeroanta, lendário templo da música que efervescia de diversos concertos - para este concerto Portugal e Rosa escalaram para seu time Lelo Zaneti Haroldo Ferreti, baixo e bateria respectivamente para esse momento. O que era para ser apenas uma noite, 5 de junho de 1991, acabaria mudando o rumo da história - deli em diante, músicos mineiros se uniriam para rondar os clubes, bares, divesos eventos de MG afora para conquistarem o público e do nada gravarem um CD mas de forma INDEPENDENTE, sem gravadora, e com uma pegada bem voltada ao reggae e aos seus filhos mais modernizados como o ragga e o dancehall com influências muito primorosas que vão de Beatles a Clube da Esquina, do qual Samuel faz devoção cultuada ao clássico mineiro. Com o sucesso do CD independente, acontece o inesperado: um contrato com a gravadora Sony Music, que decide abrir uma subsidiária destinada ao cenário pop, a Chaos, e as canções In(dig)Nação, Gentil Loucura, O Homem Q Sabia Demais e a versão dos mineiros para I Want You de Bob Dylan tornando-se Tanto conquistaram de vez as rádios, já haviam sido notados em especial pela bíblia do pop rock nacional, a BIZZ enaltecendo essa força do dancehall à brasileira e dando a Samuel o espaço devido na capa da mesma revista sendo destacado como a nova cara da música pop nacional - juntamente de EduK (DeFalla), Cherry (Okotô) e Carlinhos Brown. Dali em diante, a carreira da banda foi ladeira acima, diversos shows pelo país, presença carimbada em programas de televisão e em janeiro de 1994 foram a atração nacional a levantar poeira no Hollywood Rock, abrindo as noites no RJ e SP para Fernanda Abreu, Whitney Houston e o suingue simpatia de Jorge Ben Jor, de quem eles regravaram no primeiro CD a faixa Cadê o Penalty? do excelente álbum de Jorge, A Banda do Zé Pretinho (1978). 
A banda no auge do sucesso, colhendo os frutos dos 3 discos - com "O Samba Poconé", eles foram muito além (Bob Wolfenson/reprodução Facebook)
A banda no auge do sucesso, colhendo os frutos
dos 3 discos - com "O Samba Poconé", eles foram muito além
(Bob Wolfenson/reprodução Facebook)
No mesmo 1994, gravam no Rio de Janeiro sob a produção de Dudu Marote o primeiro álbum já numa gravadora, eles preparam logo de cara o que torna-se o segundo álbum de carreira e o primeiro sucessão definitivo deles, justo o Calango - na qual viemos a conhecer Pacato Cidadão, Jackie Tequila, Esmola, A Cerca e a célebre releitura de um clássico de Roberto Carlos, justo da era iêiêiê É Proibido Fumar com arranjo remetendo a sonoridade de Boom Shack-A-Lack do Apache Indian, um dos hits de dancehall da época. E, com isso, o fenômeno mineiro ainda ajudou a pular igual pipoca nas paradas sem pretensões de soar redundante demais.
1995 deve ter sido um baita ano para a banda. Com o disco Calango vendendo feito água, e batendo o inacreditável recorde de 1 milhão de cópias, ao ver bem, poderia parecer que a vida da banda estava totalmente ganha e não precisariam mais fazer sons novos por ano. Mas engane-se quem achava que ia ser assim: logo em seguida da tour do Calango, a banda decidiu juntar material inédito e gravar um terceiro álbum. E justo foram convocar novamente o quase "sexto Skank" Dudu Marote para produzir com a banda, Dudu nessa época chegou a ser considerado sexto porque Chico Amaral sempre foi o quinto - devido à presença como saxofonista e parceiro de Samuel Rosa nas composições, nos primórdios da banda. Além dele, Ed Côrtes também no sax e percussão, Proveta e Teco Cardoso no saxofone, os trompetes de João Viana, Walmir Gil e Nahor Gomes, e nos trombones Sidinei Borgani e Edivaldo Siva. Além do acordeão de Toninho Ferraguti, a percussão de James Müller, Marcos Romera e os vocais de Paco Pigalle, Débora Reis, Vânia Abreu, Graça Cunha e Kelly Cruz. O álbum foi gravado em São Paulo, o único da banda a ter suas sessões realizadas na Terra da Garoa nos lendários estúdios Mosh com Guilherme Canaes gravando os sons principais deste trabalho, que levaria o nome de O Samba Poconé, tendo a mixagem feita por Michael Fossenkemper (exceção de uma faixa, feita no Mosh por Luís Paulo Serafim), o título que une um ritmo tão brasileiro com raízes africanas com uma cidade do Mato Grosso, Poconé e uma arte visual tão ousada, estampando no material gráfico pinturas do espanhol José Robles, que cuidava das artes dos cinemas de São Paulo, com o projeto gráfico de Gringo Cardia, gaúcho de Uruguaiana que é um gênio das artes visuais. Num belo resumo, O Samba Poconé fazia uma breve espécie evocação da banda aos anos dourados das chanchadas da Atlântida com Zé Trindade, Renata Fronzi e Grande Otelo - há muitas das referências também a lugares de Belo Horizzonte ao longo das canções. 
O álbum abre logo de cara com um hit futebolístico, o desabrochar de uma parceria entre Samuel e o ainda titã Nando Reis - lógico que estou falando aqui sobre É Uma Partida de Futebol, que enaltece essa paixão pelo esporte que mais une os brasileiros, mostra esse sentimento com uma pegada mais vertida para o pop do que simplesmente para o rock sem perder o peso nas guitarras demonstrando que o Skank mantêm a chama acesa sem deixar as raízes jamaicanas; com uma pegada que ainda remetesse aos ares de puro reggae, a banda ainda permanece enraizada na sonoridade que os consolidou em Eu Disse a Ela, que tinha uma pegada bem similar à do primeiro álbum (1992) minimalista, e às vezes concreta, sem errar feio; o álbum ainda apresenta no repertório uma aventura remetendo a um ícone da comédia nacional, estou falando de Zé Trindade, ícone dos filmes de chanchadas da Atlântida e cantor notório, que na atmosfera poética-musical skankiana, teria se encontrado com o célebre mexicano Cantinflas (1911-1993), e contando com a presença do francês Manu Chao, então iniciando uma carreira solo egresso do grupo Mano Negra com aquela forma única de unir português, espanhol e francês com alguma coisa de inglês no sotaque que tornou-se marca registrada do mesmo, com guitarra suingante e metais vivos na melodia; contando com muita ousadia e sempre embalante, Garota Nacional é um exemplo de como conseguir fazer em uma canção em que haja muito detalhismo sobre os encantos de uma mulher - e sem deixar de destacar  um clipe tão ousado em que juntou diversas mulheres como Carla Marins, Ingra Liberato, Shirley Miranda, Cibele Larrama, Dominique Scudera, Paula Burlamaqui, Vanessa de Oliveira e Paloma Duarte em meio aos quatro mineiros performando a canção no vídeo dirigido por Andrucha Waddington - e o hit da banda ainda rendeu uma versão em espanhol chamada Chica Nacional, o refrão que todos nós cantamos "berimbau bau bau berimbau bau..." na verdade é "beat it down down down beat it down low" e em algumas performances do grupo no Planeta Atlântida, houve  momentos em que a multidão fazia a questão de "completar" o que Samuel cantava "eu quero te provar" com a mais polêmica resposta da plateia "Mariana vagabunda" o que já não é bom, mas, aqui no álbum a cozinha sonora funciona muito bem; a seguir, 
um outro grande hit de peso que fez muito sucesso, Tão Seu, que carrega um astral de ska moderno com batidas eletrônicas - uma prova de que o dancehall skankânico ainda reina neste repertório, os metais que nos remetem à pura Jamaica e ora Specials (banda britânica de ska), falando dessa sensação de estar tão só, mesmo com a vontade de amar a pessoa - a música acabou ganhando um status de hit tão enorme a ponto de ter sido regravada pela Banda Eva ainda com Ivete Sangalo nos vocais (1997); o álbum ainda nos apresenta mais temas interessantes como é o caso de Sem Terra onde apresenta além da bela característica sonora da banda da época, mostra um clímax poético fortemente político com um clima festivo, falando da situação deles como a barra ficar pesada sempre para o os sem-terra - movimento que havia ganho destaque em 1996 durante o atentado em Eldorado dos Carajás em especial, e mais uma vez, temos Manu Chao dando canja ao lado de Paco Pigalle (em versos no idioma de Gainsbourg e Aznavour); na sequência temos mais outra pérola pela frente nessa obra de arte do Skank, e é Os Exilados - onde aqui se destaca a sensação de se sentir mais longe da pessoa que se ama, do lar e quiçá do Brasil - e a banda acerta em cheio no ritmo da canção, a bateria e o baixo fazem um bom trabalho, assim como a melodia e o vocal de Samuel, afinado como sempre como sua guitarra; aqui, mais uma vez, a banda busca ir além da música jamaicana e explorar sons afrocaribenhos como no caso de Um Dia Qualquer, que, segundo o compositor Chico Amaral, é uma espécie de calypso caymmiano, seria o folk da América Latina visitada por uma banda pop - e não é que deu certo este resultado?! Para não perdermos o rumo que esse disco nos orienta, é claro que não podemos deixar aqui de citar uma aventura fora do que se canta habitualmente em português, e isso porque Los Pretos - um tema de caráter fortemente social que fala em especial do racismo que resiste ainda desde antes com uma levada que lembra muito Mano Negra - isso porque Manu Chao aparece nesta faixa inclusive, a única cantada em espanhol no repertório; em seguida, a banda ainda apresenta no material um reggae bem estradeiro, pegajoso e agradável, estou falando de Sul da América, onde Samuel pede além de cantar o amor do sol, pede o fim da guerra civil, e, mais do que nunca, pede a fé no nosso país numa pegada mais calma e sem soar agitada demais; encerrando o trabalho, a banda ainda desfila no repertório uma mistura axézante na faixa que leva parte do título do álbum, estamos falando de Poconé, musicalmente um ska-forró embalante sobre um cara que vai até a pé para encontrar uma moça que vive justamente em Poconé, o acordeon de Ferraguti faz uma média com os metais mantendo o ritmo e fechando assim com chave de ouro.
O sucesso da banda através desta magnum opus não somente fez com que a banda rompesse os limites e fizesse algo que soasse puramente world music - o que é totalmente a cara mais deste álbum do que dos antecessores, lembrando até o clássico do conjunto musical Paralamas do Sucesso, o emblemático e divisor de águas Selvagem? editado dez anos antes. O álbum conseguiu fazer um enorme sucesso em países da América Latina, e com o sucesso de Garota Nacional, a banda decidiu lançar a versão Chica Nacional em espanhol com o primeiro lugar em três semanas nas paradas do país de Julio Iglesias e Cervantes, sim, a própria Espanha abraçou o sucesso de Samuel, Lelo, Haroldo e Henrique. Além da própria Espanha, a banda levou seu sucesso a territórios europeus como em Portugal, Suíça, França, Bélgica, Itália e Alemanha impulsionando ainda mais o nome da banda mundo afora assim como na América, especificamente Argentina e Chile - onde apresentaram-se no festival de Viña del Mar e nos EUA. Com a incrível e monstruosa vendagem de 2 milhões de cópias que ajudou ainda mais o Skank a se tornar um dos conjuntos de rock best-seller da geração 90, isso só foi prova de que os mineiros conseguiram unir o útil ao agradável, justamente fazendo com que eles mantivessem uma fórmula de hits ao longo dos anos. E só voltariam a aparecer com mais petardos sonoros em 1998, ano em que editaram Siderado, mas aí já é outra história.
Set do disco:
1 - É Uma Partida de Futebol (Samuel Rosa/Nando Reis)
2 - Eu Disse a Ela (Samuel Rosa/Chico Amaral)
3 - Zé Trindade (Samuel Rosa/Chico Amaral)
4 - Garota Nacional (Samuel Rosa/Chico Amaral)
5 - Tão Seu(Samuel Rosa/Chico Amaral)
6 - Sem Terra (Samuel Rosa/Chico Amaral)
7 - Os Exilados(Samuel Rosa/Chico Amaral)
8 - Um Dia Qualquer (Chico Amaral)
9 - Los Pretos(Samuel Rosa/Chico Amaral)
10 - Sul da América (Samuel Rosa/Chico Amaral)
11 - Poconé (Chico Amaral)

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