Um disco indispensável: thank u, next - Ariana Grande (Republic Records, 2019)

A década de 2010 no pop feminino rendeu novas facetas que conseguiram grandes saltos nas respectivas carreiras, e é preciso entender que, com ou sem uma grande estratégia de atrair seu público, não se chega quase nunca ao grande topo, ao Olimpo das divas pop - algumas ficam no caminho depois de três álbuns, outras se consagram e nunca deixam de perder seu brilho. Podemos dizer que, ao falarmos de artistas que surgem de canais infanto-juvenis que desvencilham do bom-mocismo ao amadurecer pessoalmente e artisticamente, e Ariana Grande conseguiu fugir dos clichês com tudo, de ex-Nickelodeon star para a grande diva do momento... e chegar no topo do Olimpo das divas contemporâneas não foi um longo caminho, se formos prestar atenção no quadro-geral de sua vida pessoal artística. Nascida na cidade de Boca Raton, no estado norte-americano da Florida em 26 de junho de 1993 sob o nome de Ariana Grande-Butera, filha de Joan Grande, uma CEO da Hose-McCann Communications e do designer gráfico Edward Butera, o nome dela veio de uma personagem de um filme do Gato Félix (1988), a Princesa Oriana. Com ascendência italiana, das regiões da Sicília e de Abruzzo, a família de Ariana mudou-se de New York para a Flórida quando Joan estava grávida dela e além disto, havia de outro casamento Frankie, o irmão mais velho. Joan e Edward se divorciaram quando Ariana tinha de 8 para 9 anos, numa idade em que ela frequentava na Escola Preparatória North Broward, participando de diversos teatros infantis da comunidade - um pequeno passo para o grande salto que seria a sua carreira mais adiante, como atriz e como cantora. Ainda pequena, Ariana foi educada e criada na religião cristã católica, mas, anos depois, deixou de acompanhar após o pontificado do papa Bento XVI, na qual citou não concordar com o posicionamento da Igreja sobre a homosexualidade, visto que seu Frankie é gay, e, ambos frequentam a Cabala - praticada por gente como Madonna, Barbra Streisand, Demi Moore, Paulo Ricardo, o ex-futebolista Ronaldo dentre outros. Se apresentava com o teatro infantil de Fort Lauerdale tendo seu primeiro papel o personagem-título Annie, e depois contracenando em adaptações de musicais como Beauty and the Beast e Wizard of Oz, ainda aos 8 apresentou-se em um lounge de karaokê em um navio cruzeiro com várias orquestras, e sua primeira aparição na TV foi ao entoar o célebre hino estadunidense The Star Spangled Banner para os Florida Panthers. Aos 13 anos, decidiu investir a sério na carreira musical ainda que estivesse mais concentrada no teatro, e foi logo consultar seus managers sobre a ideia de conceber um álbum de R&B, pra ela era meio que uma incerteza deles sobre quem iria comprar o CD de R&B com uma jovem de 14 anos. Ao mudar-se para Los Angeles, teve de distanciar-se de sua amiga Alexia Luria, pois havia sido chamado para o elenco da mais nova série da Nickelodeon, Victorious (Brilhante Victória - no Brasil), e permaneceu no elenco como a fofa e estranha Cat Valentine até o fim da série em 2012, quando, Dan Schneider (hoje afastado da Nickelodeon), criou uma spin-off juntando a sua personagem com a de Sam Puckett da então recém-encerrada série iCarly, vivida por Jennette McCurdy - o fim das duas séries uniu as personagens em Sam & Cat, onde ambas se encontravam por acaso e juntas viviam e aprontavam altas confusões. Ao mesmo tempo, preparava o seu terreno para fertilizar a carreira musical - e após gravações para a trilha de Victorious e apresentações com o elenco e individuais, habemus debut! Em março de 2013, ela lança o single The Way com a participação do rapper Mac Miller, que já conquistou o Hot 100 da Billboard e sendo a primeira artista a entrar no topo com o single de estreia desde 2008, e em junho lança Yours Truly, o disco de batismo da sua carreira como cantora definitiva, e, dali pra diante, começou a ir mais além.
Com o ex-namorado Mac Miller, morto em setembro de 2018,
a perda dele custou a Ariana o fim de um namoro e um quase
afastamento da música: com isso, deu a volta por cima e gravou
o seu trabalho autobiográfico "thank u, next"
Com a carreira musical voando mais alto, ela pôde buscar construir sua identidade fora do vínculo de "ex-atriz da Nickelodeon" em trabalhos que a mostrassem como a verdadeira artista e My Everything (2014) foi a continuação da sua história ainda concebida na música, com a presença de Iggy Azalea na música Problem, o seu hit daquele ano, seguido de Break Free com Zedd, seguido de Love Harder com The Weeknd, e ali sua consagração é definitiva. Com o terceiro trabalho, Dangerous Woman (2016) ela foi além, e só continuava a mostrar que estava voando alto - mas, ao promover o álbum durante uma apresentação em Manchester no dia 22 de maio de 2017 quando um homem-bomba detonou um explosivo na entrada da Manchester Arena, ela ficou em choque, o que a fez suspender a Dangerous Woman Tour até 7 de junho, vindo a realizar o concerto One Love Manchester, ajudando a arrecadar 23 milhões de dólares para ajudar vítimas e famílias afetadas. Neste ano ainda, preparava mais outro álbum, que saíra em agosto de 2018, intitulado Sweetener, e logo com este álbum faixas como no tears left to cry, o hino feminino God is a woman, a ansiedade retratada em breathin' e também blazed, que teve a participação de Pharrell Williams, que foi um dos grandes parceiros envolvidos na criação deste álbum. Mas, com Sweetener sendo lançado, aconteceram duas coisas que foram um choque forte: a primeira foi a morte de seu ex-namorado Malcom McCormick, também conhecido como Mac Miller aos 26 anos em decorrência de uma overdose de drogas, e o término do relacionamento com Pete Davidson, que especula-se a imprensa especializada dos EUA que tinham se conhecido quando Grande e Miller ainda namoravam. Chegando a anunciar uma pausa da música, Grande decidiu fazer o que era necessário para uma estrela sempre em ascensão: evitando sair de cena pelo que renderia uma queda midiática, ela decidiu botar suas confissões pessoais, abrir seu diário e botar pra quebrar em estúdio. Juntando-se ao seu fiel parceiro, o empresário Scooter Braun na produção executiva do próximo álbum, o time envolvia também o famoso hitmaker sueco Max Martin, Tommy "TB Hits" Brown, Victoria Monet - compositora e amiga de Ari, Brian Baptiste, Michael Foster, Ilya Salmanzadeh, Chales Anderson, Tayla Parx, Pop Wansel e gravado em estúdios de Los Angeles como o lendário Record Plant e o MXM, o Entierty em Londres, em New York o estúdio utilizado foi o Jungle City e em Estocolmo foi o Wolf Cousins - e tudo isso com um supertime dando toda a força do mundo para que ela se reerguesse de instantâneo, e em dois meses conseguiu realizar um sucessor à altura de Sweetener, e o ano de 2018 crepusculizou depois de Cardi B emplacar seu grande lançamento da vez Invasion of Privacy, a rainha suprema do pop 2000 Beyoncé lançar um álbum com o maridão, rapper e businessman Jay-Z que deu o que falar com Everything is Love com um clipe ousado de Apes**t e baseado no conceito de vídeo-arte. Vídeo-arte: algo que Ariana pôs em prática logo na faixa que antecederia o próximo álbum, mas com toques bem cinematográficos... um clipe que trouxesse referências bem originais, filmes voltados ao público teen feminino como Meninas Malvadas, Legalmente Loira, De Repente 30  e As Apimentadas - nada mal. Contando com a presença de ex-colegas de Victorious, como Elizabeth Gillies, Daniella Monet e Matthew Bennett, mais a célebre mãe das Kardashians, Kris Jenner, Jennifer Coolidge e do cantor Troye Sivan - participações especiais de responsa mesmo. O clipe, apresentado em 30 de novembro de 2018 (27 dias após a divulgação do áudio), foi o pontapé inicial para que thank u, next - single que marca o nascer do álbum homônimo. Há quem duvidasse que ela iria demorar dois anos para poder concluir o sucessor de Sweetener, mas não - em 8 de fevereiro, como uma surpresa, saiu o disco thank u, next - e a volta por cima de Ariana foi a consagração suprema deste álbum.
Fazendo um faixa-a-faixa interessante, começamos logo por imagine (sim, as canções e o álbum trazem o título escrito tudo em minúsculo), que carrega ares de música-ambiente mais batidas de trap e na letra fala sobre relacionamentos arruinados, e inspirado possivelmente no relacionamento com Miller imaginando o romance sem drogas e vícios exagerados - sua voz soa amargada e sentimental como nota-se a cada timbre; na sequência, temos outro tema com forte sentimentalismo e que traz essa visão autobiográfica da cantora, needy traz dentro da canção o quanto Grande sente-se insegura almejando apoio emocional e atenção, com uma levada mais soft que ajuda a deixar o clima da canção mais diferenciado, e no final uma orquestração dá o tom perfeito que combina com a melodia da canção; em seguida, a próxima música ainda mergulha entre atmosferas do R&B com o trap e até o reggae como no caso de NASA, onde temos na entrada a drag queen Shangela dizendo "This is one small step for woman, one giant leap from woman-kind" (Este é um pequeno passo para a mulher, um gigante salto para todas as mulheres - tradução livre) dando um tom feminino para a célebre frase do astronauta estadunidense Neil Armstrong quando chegaram à Lua em 1969, a música é sobre querer ter distância, precisar um espaço de homens e relacionamentos mesmo depois de tudo; adiante, sem perder o ritmo, vamos logo para outro tema de peso que é bloodline, que traz em sua fusão de reggae com dancehall unido às batidas de R&B e de hip hop em uma canção sobre um relacionamento que tem com um amigo e quer ter um bom tempo sem se comprometer fielmente a um relacionamento duradouro demais, mas também chega a ser uma referência sobre Pete pelo que se vê nas entrelinhas; na mesma pegada um pouco solar do repertório, acabamos recebendo com louvor a faixa seguinte com um sample de After Laughters (Come Tears) de Wendy Rene, uma gravação dos anos 1960 presente em fake smile em que ela discute sobre sua dessatisfação com o mundo e como recusa a criar uma fachada para suas emoções, uma vez que as celebridades são forçadas a cumprir esses padrões - remetendo também ao atentado em Manchester e à perda de seu ex Mac, numa batida bem calma e um instrumental até sofisticado que engrossa o caldo sonoro desta faixa; para a próxima canção, uma coisa mais pop alto-astral, como é o caso de bad idea, contendo aqui variações de eletrônica e hip-hop na parte instrumental - a letra fala sobre Ariana discutir várias más ideias que ela tem e que fazer com seu amante, no entanto, ela só quer que ele adormeça a dor esquecendo a si mesma e aos seus ex - bem decidida, não? E pra não perder o embalo, vamos logo com a sétma canção do álbum chamada make up, que aborda a sexualidade com versos de duplo sentido e fala sobre a cantora brigar com seu parceiro apenas para que eles fizessem as pazes mais tarde, ao mesmo tempo, também deseja que ele estrague sua maquiagem, a parte instrumental que carrega um bubblegum pop contendo uma ponte influenciada pelo rap dá esse vigor mais tranquilo numa letra pesada, sem destacar o pianinho que soa como uma canção de ninar fofinha numa letra tão séria e quase pessoal; com a suavidade presente em boa parte do instrumental do álbum, a faixa seguinte intitulada ghostin' apresenta uma coisa tão pessoal com uma presença de orquestra de cordas com ares de dream pop misturando soul e trip hop, é uma jornada de quem discute seus dois últimos relacionamentos afirmando que deveria assombrar "o cara que ainda a fazia chorar e querer parar de machucar a pessoa com quem ela está pois ele está sendo paciente com a mesma" fazendo referência novamente à perda repentina de Miller enquanto namorava Pete, realmente é a música mais emocionante e que a faz chorar ao ouvir, quase não entra na versão final do álbum, porém, Braun ajudou-a mantendo no repertório para prestar homenagem ao ex-amado de forma brilhante; a seguir, surge na próxima canção a voz de um cara ao telefone - é o amigo pessoal da cantora Doug Middlebrock falando sobre o que a pessoa sente por outro cara e a fantasia que ela criou em torno de si, isto é in my head - cujo enredo é basicamente a respeito de se apaixonar por uma versão da pessoa que criou em sua mente, num ar de dance-pop com trip-hop e um toque ácido de R&B mais electro numa sonoridade só, e que funciona; na próxima faixa, existe uma sensação de desfrutar a vida além dos dramas pessoais e relacionamentos que se findaram - 7 rings foi criada após um passeio com as amigas compositoras e digital influencers na famosa loja Tiffany & Co. em New York, e ela presenteou as mesmas com anéis de diamantes - basicamente, a música fala sobre como o sucesso global permitiu que ela aproveitasse as coisas mais refinadas, como um café da mahã na Tiffany's, garrafas de espumante, caixas eletrônicos, diamantes, e garante que compra suas coisas favoritas - na melhor explicação, é sobre o poder da ostentação de Ari, com uma base de rap pesada que dá a potência que a música precisava; ainda temos aqui o tema de consagração deste álbum - logo estamos falando de (óbvio!) thank u, next uma letra super pessoal em que Grande faz uma confissão de empoderamento e autocuidado cheio de reflexões pessoais e falando dos ex-namorados, como Big Sean, o dançarino Ricky Alvarez com quem teve um romance por volta de 2014, Pete Davidson e (obviamente) Mac Miller, que nas suas palavras, era um anjo - e do que ela aprendeu com cada um deles, a pegada de balada pop ajuda muito e tornou-se um hit e tanto perto do crepúsculo de 2018 com aquele clipe onde ela evoca nas referências os filmes teen girl citados anteriormente; o final do álbum acaba atraindo-a para um lado mais fantasioso e diferente das canções que continham ares autobiográficos, é o caso de break up with your girlfriend, i'm bored que traz uma narrativa onde ela vai a uma festa e conhece um garoto, e é surpreendida ao saber que ele tem namorada, tudo isto com uma levada pop enérgica bem no embalo de um clima de R&B e trap fechando com chave de ouro esta masterpiece.
Bom, nem é preciso dizer que era tudo o que se esperava de um novo álbum dela: mais madura como cantora e como pessoa, agora estava enfrentando demônios que a fizeram quase permanecer num estado total de luto com a morte do ex-namorado Miller e ainda terminando o namoro com Davidson - superou e manteve-se como sempre, de pé e levando a vida viajando mundo afora levando sua música promovendo definitivamente este álbum mais Sweetener, vindo a presentear a poucos dias do Natal um registro ao vivo chamado k bye for now (swt live) com os melhores momentos em palco. Seria trágico se não fosse irônico o seguinte: mesmo sendo indicado a categorias do Grammy deste ano, perdeu o de Álbum do Ano para WHEN WE ALL FALL ASLEEP, WHERE DO WE GO? da californiana Billie Eilish e seu pop experimental soturno e profundo, que foi o álbum destaque do ano pela crítica e sendo um dos mais ouvidos do ano nas plataformas digitais. Mas, o melhor estaa a vir: o álbum de Billie ficou atrás justamente de thank u, next entre os 50 melhores álbuns de 2019 na célebre lista da revista Rolling Stone. Ari deu a seu disco a melhor posição, o primeiro lugar e isto prova que enfrentar os problemas pessoais e superar através da música é fácil, embora haja desafios pela frente.
Set do disco:
1 - imagine (Ariana Grande/Andrew Wansel/Jameel Roberts/Nathan Perez/Priscilla Renea)
2 - needy (Ariana Grande/Tommy Brown/Victoria Monét/Tayla Parx)
3 - NASA (Ariana Grande/Tommy Brown/Charles Anderson/Victoria Monét/Tayla Parx)
4 - bloodline (Ariana Grande/Max Martin/Ilya Salmazandeh/Savan Koetcha)
5 - fake smile (Ariana Grande/Andrew Wansel/Nathan Perez/Priscilla Renea/Kennedi Lykken/Justin Tranter/Joseph W. Frierson/Mary Lou Frierson)
6 - bad idea (Ariana Grande/Max Martin/Ilya Salmazandeh/Savan Koetcha)
7 - make up (Ariana Grande/Tommy Brown/Victoria Monét/Brian Malik Baptiste)
8 - ghostin' (Ariana Grande/Max Martin/Victoria Monét/Ilya Salmazandeh/Savan Koetcha/Tayla Parx)
9 - in my head (Ariana Grande/Brittany Chi Coney/Denisia Andrews/Andrew Wansel/Nathan Perez/Lindel Deon Nelson Jr./Jameel Roberts)
10 - 7 rings (Ariana Grande/Charles Anderson/Kimberly Krysiuk/Michael Foster/Njomza Vitia/Tommy Brown/Victoria Monét/Tayla Parx) MÚSICA INCIDENTAL: My Favorite Things (Richard Rodgers/Oscar Hammerstein II)
11 - thank u, next (Ariana Grande/Charles Anderson/Michael Foster/Tayla Parx/Tommy Brown/Victoria Monét)
12 - break up with your girlfriend, i'm bored (Ariana Grande/Max Martin/Ilya Salmazandeh/Savan Koetcha/Kandi Burruss/Kevin Briggs)

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