Um disco indispensável: Butterfly - Mariah Carey (Columbia Records, 1997)

Em menos de dez anos de carreira artística e mainstream, tudo o que Mariah Carey conquistou não foi apenas por sorte: milhões de álbuns vendidos, popularidade ao redor do mundo, canções no topo das paradas, seu rosto em capas de revistas e a realização de ser uma das mais bem-sucedidas artistas foram sendo realizadas em pouco tempo. Desde pequena já tinha o talento para empostar sua voz, criada desde os três anos pela mãe Patricia - pois havia se separado de Alfred, e enquanto ele ficava com a irmã Alison Scott, ela manteve-se com Mariah e Morgan. A pequena Mariah (nascida em 27 de março de 1970) esgueirava-se com o rádio sob os cobertores, buscando na música um antídoto perfeito para a paz que buscava. No ensino fundamental, se destacava muito pelos assuntos que a interessava como literatura, música e artes, mas não demonstrava interesse em outras pessoas. Com o tempo, Patricia conseguiu sair de uma situação financeira das brabas ganhando um dinheiro que faria a família mudar-se para uma região mais rica e favorável de New York. Com isso, a menina talentosa foi abrindo suas asas e saindo aos poucos do casulo (leia-se maturidade), nunca desistindo dos seus sonhos, e, enquanto cursava o colegial na escola Harborfields na cidade de Greenlawn (NY), já desenvolvia suas próprias composições - e com isso, fugindo de um estilo ao qual sua mãe era muito mais apegada: a ópera, já que Patricia era uma cantora de óperas ocasional e treinadora vocal mesmo antes de conhecer Alfred. Enquanto cursava o colegial, desenvolvera uma parceria com Gavin Christopher, e ambos buscavam alguém para tocar o teclado - e eis que surge Ben Marguiles, que, apesar de ser mais baterista, o contato entre eles permaneceu. No porão da loja do pai de Christopher, aconteciam os ensaios, e, do nada, surgiram algumas das canções que viriam ajudá-la a aclamar mundialmente: os 3 gravam uma fita demo com quatro faixas, dentre elas, Here We Go Round Again - que, segundo MC, tinha uma vibração bem à sonoridade Motown, gravadora importante de Detroit responsável por lançar diversos nomes do soul e que influenciaram ela. Em 1988, decidida a construir seu sonho como cantora, voa mais alto: muda-se para New York City, mais precisamente em Manhattan, onde dividia um apartamento com um único quarto junto de mais quatro pessoas, e trabalhou como garçonete em um breve período - nada mal. Corria em busca de oportunidades para crescer artisticamente, mas, a fita demo não mostrava uma artista que eles buscavam lançar - é aí que entra Brenda K. Starr, que, convida-a para trabalhar como backing vocal de sua banda e leva-a para uma festa de gala onde estariam vários executivos do meio fonográfico, e, logo no momento em que Carey estava a entregar a fita para Jerry L. Greenberg, diretor da Atlantic Records, eis que Tommy Mottola chega e pega a tal fita daquela jovem que, mesmo sendo estadunidense, não desistia nunca. Foi para a sua limousine ouvir, se impressionou com aquela voz recheada de encantos e descobriu uma nova mina de ouro, um contraponto à Madonna (contratada pela Sire Records, selo da Warner Music Group), Whitney Houston (contratada da Arista Records) e Janet Jackson (artista da A&M Records) - enquanto Mottolla procurava pela acompanhante de Brenda, a mesma já havia largado da festa. Mottola havia recém conquistado o cargo importante da Sony Music, cuja subsidiária era a Columbia, e, uma semana de procuras pela voz, através de Brenda, ele encontrou Mariah e isso ajudou no contrato dela com a gravadora onde permaneceu por dez anos. Com dona Patricia no momento de assinar o contrato, agora Mariah era a nova artista a integrar o cast de uma lendária e importante casa fonográfica - logo a Columbia, e com isso, os preparos para o primeiro álbum estavam ajudando este a ganhar vida, repertório e uma atmosfera sonora primorosa. Marguiles participou das gravações como compositor, músico e um dos produtores da estreia discográfica da parceira, que levou o nome de Mariah Carey(!!!). Sim, o trabalho que a lançou leva o seu próprio nome, e daí em diante Visions of Love conquistou as paradas, assim como There's Got to Be a Way, Someday e Love Takes Time, estampou capas de revistas, mas também levou sua voz para o Playoffs da NBA onde entoou America The Beautiful, conquistou o mundo e Mottola em geral.
Depois de gravar um Unplugged da MTV para provar que ela era muito mais do que uma simples artista de estúdio, excursionou mundo afora, casou-se com Mottola em 1993 à época do seu 3° trabalho discográfico intitulado Music Box, e ainda lançou um dos mais bem-sucedidos álbuns natalinos lançados Merry Christmas em novembro 1994. Com o quinto disco, teve mais cautela e liberdade artística, e Daydream mostrou ela mais afinada e cabeça na hora de fazer bons trabalhos tendo ao seu lado o produtor/compositor Walter Afanasieff (filho de russos nascido em São Paulo), tendo como uma das principais faixas de trabalho One Sweet Day com o duo com o grupo Boyz II Men, além de Fantasy, Forever, Always Be My Baby e tamem Open Arms mantiveram a fórmula de doces baladas com puro toque R&B contemporâneos com uma influência do hip-hop: tudo estava funcionando bem na música, embora a frustração de não ter feito com que Daydream vencesse alguma categoria na 38ª edição dos prêmios Grammy fez com que ela esquecesse tudo isso na estrada com a tournée promocional que rendeu um recorde de bilheteria, em menos de três horas, os ingressos no Tokyo Dome esgotaram rapidamente, superando os Rolling Stones. Fora da música, tudo parecia andar pelo caminho contrário: o casamento com Mottola não estava num momento bom, tão focada estava na carreira artística que o romance era meio que deixado de lado. Num momento em que ela sequer tinha muitas mãos para tomar decisões do seu repertório e dos projetos, fez algo que precisava muito: pedir o fim de tudo, o rompimento, e foi ainda em março de 1997 que ela decidiu se desvincular amorosamente e artisticamente de Tommy. O momento era agora de fazer um novo trabalho com um time de produtores: mantendo Afanasieff presente, Mariah ainda contou com a dupla Trackmasters (Jean-Claude "Poke" Olivier e Samuel "Tone" Barners), Kamal "Q-Tip" Fareed, James "Jay Dee" Yancey, Ali Shaheed Muhammad, Stevie J, Cory Rooney e David Morales - muitos destes ajudaram na composição, assim como Missy Elliott e isso parecia a escalação de um time de futebol, e era um time com MiMi no comando. Com as gravações realizadas de fevereiro a agosto de 1997, o resultado saiu um mês depois: no dia 16 de setembro, por conta e risco, era editado Butterfly, seu quinto CD, flertava com elementos bem mais para além do pop melódico, citados anteriormente. A capa, mostrava a cantora sob as lentes de Michael Thompson de forma mais aberta, livre e preparada para voar mais longe. Na época, a internet era ainda o que considerávamos "mato": havia-se uma incerteza de como ela funcionava para muitos, e era pouco acessível, já existia o compartimento de músicas através do download, e ainda havia-se uma demora para conseguir um carregamento rápido de websites - é, vivíamos tempos de discadores, e muito achava-se que o e-mail realmente mataria os correios físicos, assim como o serviço de notícias pela web acabaria com o jornalismo raiz, diga-se de passagem. A primeira ideia de Buttefly inicialmente era de ser um álbum mais dançante, para as pistas das nightclubs mundo afora, mas só uma faixa do conceito inicial manteve-se no repertório, e pegou a muitos - fãs e críticos especializados - de surpresa com essa mudança da identidade, embora no álbum anterior esses sintomas de mudança já eram notáveis. E coincidência enorme é que Butterfly foi lançado em um 1997 em que Green Day se vangloriava com o pop punk de seu vanglorioso Nimrod, Shania começava a consagrar-se de vez com um country mais pop e recheado de influências além em Come On Over, o Radiohead zerava o ano com sua deliciosa OK Computer sua magnum opus, os irmãos Hanson integravam o time de fenômenos do ano com seu teen pop rock através do sucesso Mmm Bop, enquanto no Brasil nós tínhamos um fenômeno best seller - o grupo mineiro Só Pra Contrariar com seu pagode cheio de ginga lançava um álbum de enorme repercussão que vendera em meados do ano seguinte só 3 MILHÕES DE CÓPIAS batendo Roberto Carlos, Xuxa, RPM, Mamonas Assassinas e os sertanejos de cara. Mas isso é uma outra história.
Logo de cara, quando ouvimos a batida do rap nos primeiros centésimos e segundos  de Honey, já sentimos que ela está nos proporcionando coisas melhores e não duvide que ela esteja desencantando, os falsetes que a imortalizaram com seu estilo vocal do registro de apito e a presença de Diddy - rapper e produtor que tinha como parceiro o icônico rapper Notorious B.I.G. (1972-1997) como um dos seus aliados artísticos - nos versos e na produção; na sequência, sentimos o piano trazer aquele pop melódico no seu melhor estilo, e aí sim temos de cara Butterfly - uma canção de tom pessoal, onde ela fala de forma autobiográfica sobre fazer voos maiores como os de uma borboleta - em princípio, fala sobre deixar Mottola para ser feliz da sua maneira, e o refrão mostra um coral bem gospel ajudando a dar esse momento de preparar suas asas e voar, e ela conseguiu um voo maior mesmo por aqui na faixa e no álbum em geral; mantendo a pegada melódica e baladista com um forte quê de R&B, e com grande destaque no repertório do álbum, My All onde ela canta o sofrimento após o fim do namoro, não envergonha o ouvinte de se deliciar profundamente com esse registro que surgiu após a primeira vez em que esteve apaixonada com o amor, durante uma viagem a Porto Rico, e, de cara, não decepciona com o arranjo - aqui ela canta como se pedisse por apenas mais uma noite, pois não conseguia esquecê-lo (sofrência pura é o que temos aqui); adiante, podemos ter muito mais dela se sentindo solta e de forma intimista quando ouvimos The Roof, e notamos que aqui ela literalmente se solta ao acabar perdida pelas memórias com seu ex-parceiro, vindo a relembrar de momentos íntimos com o mesmo, a deixando mais triste e com vontade de reviver estes momentos - esses mesmos sentimentos melancólicos com ares nostálgicos e a base da canção ajudam na alquimia que funciona; e esse momento de nostalgia ainda perdura na próxima música, que envolve a sagrada data em que os estadunidenses celebram a Independência do país, e esse momento de festa em Fourth of July - lembrando de um momento importante em meio aos fogos de artifício e ao céu estrelado de noite, sem muito mistério, os teclados e a batida mantêm a boa fórmula de letra incrível (mesmo que confessional) +  uma atmosfera sonora construída para aquela música e o resultado tá aí como prova; provando por A+B que as confissões pessoais não funcionam dentro de um álbum como este, chegamos ao que pode ser o fundo do poço deste fim de romance, Breakdown é basicamente o que acabamos de falar - os sentimentos que tenta esconder após o rompimento, e chorando em casa ao saber que sente a falta da pessoa amada, e isso é notável - a participação de Krayzie Bone e Wishbone, membros do Bone Thugs-N-Harmony é uma cereja dentro do bolo e mantêm o clima doce e sensual dos arranjos; a dose de tons mais baladistas e sensuais ainda ergue-se disco adentro, e uma das parcerias que ajuda a fortalecer este álbum, além do onipresente Afasanieff, em Babydoll quem contribui é uma ainda desconhecida Missy Elliott, numa canção puramente ousada onde sonha com o ex-parceiro e deseja que o mesmo possa ir até onde ela está e a faça dormir, desejando seus beijos e seu toque - vindo a questionar se quer que ela seja sua boneca, e a forte presença de elementos do rap dão essa sensação forte de que a balada mostra-se um acerto em cheio; uma música que passa batido, mas não faz a essência do álbum se perder e mostra-se bem autobiográfica pela letra é Close My Eyes, um grande destaque do repertório, ela fala sobre as coisas ruins acontecidas ao longo de sua vida, das suas lutas pessoais e problemas que a obrigaram a crescer antes do tempo e sobre as dificuldades da infância, mas ela agradece a Deus pelas dificuldades terem ajudado em seu crescimento, e sentimos ela relembrar emocionadamente, o piano dá esse peso na sonoridade; em seguida, temos aqui outra balada de forte peso e sem muito medo de soltar as suas palavras, Whenever You Call transforma-se em um peso motivacional da força de um amor e ela pede ao amado que pode contar com ela sempre, que estará sempre ao seu lado e dando todo seu amor, revelando que sempre está rezando pelo bem dele, promete dar conforto de toda dor para ajudar a vencer seus medos, e a base soa mais relaxante, mas a sua voz não perde a chance de brilhar, e fecha com tudo nesta canção; há uma espécie de releitura de Butterfly na próxima música, ou uma reprise, mais dançante e enérgica, sob o nome de Fly Away (Butterfly Reprise) na qual há uma citação de Someone Saved My Life Tonight do cantor e pianista Elton John, aqui temos o que seria um álbum mais vibrante se tivesse o foco no ambiente das pistas de dança; fugindo de um repertório totalmente autoral, sobra tempo para poder reverenciar ídolos, aqui ela canta The Beautiful Ones, do icônico Prince (1958-2016) e que fez muito sucesso em Purple Rain (1984), aqui ela divide os versos com Dru Hill em uma música sobre dúvidas em relação aos sentimentos da pessoa amada, um amor não-correspondido (platônico) cuja pessoa demonstra outros interesses amorosos, e aqui a música chega a passar dos sete minutos com uma pegada mais lenta do que na do lendário soulstar; no final deste bailado, aqui temos de vez uma canção em que Carey relembra a infância humilde e a rejeição étnica sofrida na infância em Outside, cuja narrativa mostra sobre ela estar perdida e seus sentimentos em relação a isso de forma melancólica - e a balada fica mais amarga pelo tom, mas não deixa o álbum acabar mal.

O álbum fez um enorme sucesso vendendo mundialmente 10 milhões de cópias e obteve repercussões positivas e negativas da crítica especializada, por divergir um pouco da linguagem, mas isso não a deixou cabisbaixa - pois, logo veio uma tournée para poder promover este CD que perdurou por 1998, mas a sua relação com a Sony não estava mais a das melhores - nesse ano da tournée houve ainda a compilação #1's contando com três canções inéditas, como o duo Sweetheart com Jermaine Dupri, além de When You Believe na qual canta com Whitney Houston e também I Still Believe, com um clipe filmado na Base Aérea Edwards no final daquele ano. Realizava também seu preparo para a carreira cinematográfica com o que viria a ser o ambicioso e desastroso (por ter sido lançado durante a queda das torres gêmeas do World Trade Center em 2001) filme Glitter com uma trilha sonora que até rendeu opiniões também divididas, mas aí já é uma outra história. Em 1999, enquanto acabava sua parceria com a Columbia, ela desempenhava um namoro com o cantor romântico mexicano Luis Miguel, e preparava o que era trabalho para cumprir contrato - Rainbow saiu em novembro marcando o fim de sua passagem gloriosa pela Sony, que só voltaria em 2015. Mesmo estando escassa em listas de discos importantes dos anos 1990, ela conseguiu uma proeza indescritível de figurar ao menos na lista dos 1001 Álbuns Para Ouvir Antes de Morrer, destacando esses novos voos de borboleta de uma moça que precisou sair de um casamento para poder fazer um álbum tão antológico quanto seus antecessores.
Set do disco:
1 - Honey (Mariah Carey/Sean Combs/Kamaal Fareed/Steven "Stevie J" Jordan/Stephen Hague/Bobby Robins/Roland Larkins/Larry Price/Malcolm McLaren)
2 -  Butterfly (Mariah Carey/Walter Afanasieff)
3 -  My All (Mariah Carey/Walter Afanasieff)
4 -  The Roof (Mariah Carey/Jean-Claude Olivier/Samuel Barnes/Cory Rooney)
5 -  Fourth of July (Mariah Carey/Walter Afanasieff)
6 -  Breakdown (Mariah Carey/Anthony Henderson/Charles Scruggs/Steven "Stevie J" Jordan)
7 -  Babydoll (Mariah Carey/Missy Elliott/Cory Rooney/Steven "Stevie J" Jordan)
8 -  Close My Eyes (Mariah Carey/Walter Afanasieff)
9 -  Whenever You Call (Mariah Carey/Walter Afanasieff)
10 - Fly Away (Butterfly Reprise) (Mariah Carey/David Morales)
11 - The Beautiful Ones (Prince)
12 - Outside (Mariah Carey/Walter Afanasieff)

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