Um disco indispensável: Revoluções Por Minuto - RPM (Epic Records/CBS Discos, 1985)


Março de 1985: o país seguia a comemorar o fim da ditadura, a euforia pós-Rock in Rio ainda seguia para muita gente, embora o festival tenha passado meses depois, e também a esperança de a Nova República aliviasse a crise que vivia atormentando o Brasil, e em São Paulo a cena musical era dominada por bandas que faziam sons que iam do punk rock e do synth ao new wave, como Inocentes, Ratos de Porão, Ira!, Cólera, Olho Seco, Cabine C, Magazine, Ultraje A Rigor, Titãs e um grupo chamado Revoluções Por Minuto, mas conhecido de verdade como RPM. A história começa exatamente na metrópole paulista originalmente em 1980 quando Paulo Ricardo Medeiros, um jovem carioca, namorava uma garota chamada Eloá e por convite de uns amigos, assistir a uma session na casa do vizinho, um estudante de Arquitetura chamado Luiz Schiavon, que tinha uma banda de jazz-rock chamada Aura e havia uma disputa para saber se valia a pena fazer músicas em inglês ou em português, e como Paulo já tinha um grandioso conhecimento musical (não é à toa que ele veio trabalhar um ano depois como jornalista musical na SomTrês) deu sua resposta de que é possível fazer músicas em português e depois disso, os dois começariam a conversar mais sobre música, eis que Paulo já entraria mais tarde no Aura como baixista, junto de Paulinho Valenza na bateria e mais um músico de Curitiba chamado Edu Coelho na guitarra. O RPM que viemos a conhecer hoje, só aconteceu depois de Paulo ter passado dois anos morando na Europa – primeiro na França e brevemente na Inglaterra – como correspondente internacional da SomTrês, já de volta a Sampa e se reencontra com Schiavon e fascinado com a onda dos teclados e sintetizadores que estavam fazendo o maior sucesso, decide conversar com ele sobre adotar as tendências do synthpop, da música eletrônica pop da época, grupos como Duran Duran, Culture Club,  Human League e Sigue Sigue Sputnik eram o que ditavam com seus sintetizadores e baterias eletrônicas e cantores como Michael Jackson, Prince, Lionel Richie, Hall & Oates, Madonna, a alemã Nina Hagen entre outros transformavam isso em uma tremenda festa com seus hits fervosos na época. Com isso, já dava pra fazer aos poucos a banda acontecer, eis que entra Fernando Deluqui na guitarra, que já havia feito trabalhos com May East e com a banda  Gang 90 & As Absurdettes, viria a integrar a banda de cara sendo assim a definição de ¾ da banda, uma vez que estavam ensaiando com Charles Gavin, então baterista do Ira! e que brevemente viria a tocar nos Titãs, o grupo já tinha feito uma demotape com as primeiras músicas A Cruz e a Espada e Olhar 43, que entrariam no seu primeiro disco, todas prontas. Mesmo sem Gavin, a banda entrega a fita para a CBS, que acaba assinando um contrato com a banda e logo começam a trabalhar com Luiz Carlos Maluly, nos estúdios paulistas da Transamérica em março daquele 1985 e com duas das onze faixas já gravadas anteriormente em 1984 e lançadas como single: logo Revoluções Por Minuto, que fora vetada pela censura, e Louras Geladas, o hit da vez que sacudiria as multidões nas pistas de dança e faria de vez o pontapé inicial de um disco que transformaria a história da banda e galgaria para o Olimpo da geração Rock Brasil.
Lançado em junho pela Epic, o álbum Revoluções Por Minuto trazia na capa Paulo, Schiavon e Deluqui em fac-simile com tons de marrom e um fundo amarelo com granulados azuis e verdes. O álbum apresenta o grupo fazendo pop de primeiro mundo, e a faixa de abertura do disco pode comprovar: Rádio Pirata traz logo na sua introdução um fraseado de guitarra imitando violão flamenco puxado de uma sequência de sintetizador e uma batida que mostram como misturar poesia e melodia de forma incrível. Você duvida? Note como esse casamento deu certo através do refrão “Toquem o meu coração/Façam a revolução/Está no ar, nas ondas do rádio/No submundo (underground) repousa o repúdio e deve despertar”, e é um grande salto na carreira do grupo, com alusão às rádios piratas que faziam transmissões ilegais, algo muito comum antes; em seguida, uma pegada de sintetizador muito futurista e que marca a gente, seguido de um riff de baixo que é o salto definitivo para Olhar 43, logo um grande tema, na qual fala sobre os desejos de mulher na visão do eu-lírico masculino, com citações à Lady Di, princesa Stephane de Mônaco, Brigitte Bardot e a deusa grega da beleza e amor Afrodite, com uma bateria muito nervosa e uma sequência de ritmos bem a cara do pop 80; na sequência, temos um quê de suavidade instrumental a reinar soberanamente nos acordes iniciais de A Cruz e A Espada, outro grande destaque do repertório do álbum, trazendo um belo violão executado por Maluly e a clarineta de Roberto Sion numa das mais belas composições da dupla Ricardo & Schiavon, com uma interpretação sentimental do primeiro, e um refrão que é fácil de entoar nos shows da banda ou do PR solo – depende de qual você estiver indo; para a próxima música que vêm adiante, uma sequência de acordes que soam bem New Romantic totalmente a cara do synthpop e trazendo um power chord (??) que mostra o peso sonoro presente em Estação no Inferno, onde a voz até dá uns tropeços, mas é importante notarmos que esta canção movida a sintetizadores, baixo e guitarras constrói uma fórmula bem elaborada, colocando uma letra que dá a entender sobre a solidão do ser humano num estilo bem gótico, para entender bem como estava em voga o goth rock da época; uma música do álbum que passou batido, mas deveria seu destaque e notoriedade aqui nesta resenha é A Fúria do Sexo Frágil Contra o Dragão da Maldade, com um arranjo totalmente a cara de Eurhythmics, falando mais diretamente de mulher, caracterizando o perfil de tantas, embora fale-se sobre a sua materialização e os desejos de tantos homens por uma, há quem veja a letra como um tanto machista para os tempos atuais; ao ouvirmos de relance a frase “só tem homem feio aí”, podemos entender que é uma deixa para a guitarra de Deluqui mandar um solo de peso para dar largada ao primeiro hit da banda, Louras Geladas - a primeira a ter sido gravada e lançada como single, com a história de alguma noitada de Paulo Ricardo e cia. pela noite paulistana ao que se entende da letra, a pegada característica de techno pop com ares bem rock and roll mostra essa alquimia sonora funcionar, e não decepciona nossos ouvidos; abrindo o lado B do vinil, temos aqui um tema bem mais profundo, sombrio pelas melodias e com uma sequência de acordes de teclados que nos marcam aqui também, Liberdade/Guerra Fria foi escrita às vésperas do alvorecer da Nova República, não tendo uma conexão com os versos, trabalha facilmente com jogo de palavras para explicar a situação político-social do mundo naqueles tempos de tantas situações sociais/políticas/econômicas vividos no planeta; a seguir, da dupla de compositores temos aqui mais outra canção de atmosfera sonora bem profunda e de excelente verve poética que funciona – esta é Sob a Luz do Sol que funciona como uma estratégia de confundir o ouvinte com as referências sonoras, especificamente do pop da época em geral, com alguma coisa de rock oitentista, e com a participação de Deluqui na concepção desta música, o que não fica somente explicado essa conexão entre os integrantes na hora de elaborarem canções; para complementar essa parte mais sombria, o repertório deste álbum conta ainda com Juvenília – esta já é um tema mais lado B do repertório inteiro da banda, bem esquecido, mas, com um devido valor atribuído pelos fãs e entusiastas do rock dos anos 80, carregando um teclado soturno e um clima totalmente misturado de goth rock com synth e aquele quê de new wave para engrossar o caldo de vez; outro tema que também é bem desconhecido do grande público, mas que contribui para o clima soturno que prevalece desde a faixa anterior, é Pr’ Esse Vício, que dá a sensação de trazer uma sensação de que o eu-lírico se cansou de algo da vida, e agora decide parar de beber e fumar – ou sobre a solidão do ser humano perante os vícios, há de tentar entender essa letra um dia; para finalizar o disco, temos aqui um tema bem emblemático e que é o grand finale apoteótico, o hit Revoluções Por Minuto – que, mesmo após o final da ditadura militar, sofreu o veto da censura por causa de alguns versos, mas, mesmo assim, aconteceu nas rádios – e o resultado não podia ser outro.
Mais de 900 mil cópias vendidas e com oito das 11 faixas executadas nas rádios, um fenômeno de crítica e público, o RPM entrava definitivamente para o alto escalão do cenário roqueiro brasileiro ao lado de Blitz, Paralamas, Barão, Titãs, Herva Doce, Ira!, Ultraje dentre outras bandas, e com isso, assinam um contrato importante: o do empresário Manoel Poladian, que, com uma boa estratégia visionária, coloca Ney Matogrosso para dirigir os espetáculos, fazendo a banda sair das minúsculas casas de espetáculos para as arenas (ginásios, estádios) e locais de grande porte – com um megaespetácuo que contava com um grande palco, luzes, laser e uma tecnologia vista mais em concertos internacionais – a tour Rádio Pirata acabou rendendo um álbum ao vivo editado em 1986 com o registro de duas noites no Palácio das Convenções do Anhembi, com uma qualidade sonora impressionante – produzido por Marco Mazzola, mas aí já é outra história. Mais de 20 anos depois, o álbum entra de vez na lista dos 100 Maiores Discos de Música Brasileira, organizado pela Rolling Stone brazuca em outubro de 2007 na 99ª posição, e o grupo segue na ativa – mesmo sem Paulo Ricardo, em vaivéns de suas outras saídas e desentendimentos com os integrantes sobre os direitos do nome e canções da banda, e o baterista Pagni, que faleceu em 22 de junho de 2019, após erros de obituário dias antes após ter sido internado em decorrência de uma fibrose pulmonar – Deluqui e Schiavon seguem ativos mantendo a chama dessas revoluções oitentistas mais acesas do que nunca.
Set do disco:
1 - Rádio Pirata (Paulo Ricardo/Luiz Schiavon)
2 - Olhar 43 (Paulo Ricardo/Luiz Schiavon)
3 - A Cruz e A Espada (Paulo Ricardo/Luiz Schiavon)
4 - Estação no Inferno (Paulo Ricardo/Luiz Schiavon)
5 - A Fúria do Sexo Frágil Contra o Dragão da Maldade (Paulo Ricardo/Luiz Schiavon)
6 - Louras Geladas (Paulo Ricardo/Luiz Schiavon)
7 - Liberdade/Guerra Fria (Paulo Ricardo/Luiz Schiavon)
8 - Sob a Luz do Sol (Paulo Ricardo/Luiz Schiavon)
9 - Juvenília (Paulo Ricardo/Luiz Schiavon)
10 - Pr’ Esse Vício (Paulo Ricardo/Luiz Schiavon)
11 - Revoluções Por Minuto (Paulo Ricardo/Luiz Schiavon)

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