Um disco indispensável: Queen - Queen (Trident/Elektra Records, 1973)

Toda lenda tem um começo. Uma origem. Um início. Toda banda clássica tem um começo humilde, simples, surgem de baixo. E a banda que apareceu timidamente nos anos 70 ainda não era a gigante que acabou fazendo muitos chocarem. O Smile era uma banda de jovens universitários que curtiam fazer um som - inicialmente um trio formado pelo estudante de arte Tim Staffell no baixo e voz, o astrofísico e guitarrista Brian May - ambos se conheciam desde 1964 quando se encontraram no conjunto The Railroaders e saíram para formar o 1984 - baseado no livro homônimo de George Orwell, e entrando para o Smile um estudante de biologia que havia largado odontologia, este era Roger Meddows-Taylor que assume as baquetas e complementa o power trio - formato muito popular à época graças ao Cream, que estava em voga graças à cozinha musical de Eric Clapton, Ginger Baker e Jack Bruce, que deixaram o blues mais elétrico e mais ácido, porém, encerraram as atividades tão rápido, mas ainda deixaram registros importantes para a história da música. Entre concertos e ensaios, o Smile grava alguns registros, que renderiam algumas futuras músicas lendárias, e sempre tinham uns frequentadores dos concertos realizados, dentre eles um rapaz dentuço que estudava design e nasceu em Zanzibar, na Tanzânia - seu nome era Farrokh Bulsara e ele tinha ideias a compartilhar com aqueles três rapazes. Por coincidência do destino, Staffell larga o Smile para se juntar a um grupo que o convidou para se tornar um grande ícone do rock - May e Taylor abriram as portas para Freddie (como Farrokh gostava de ser chamado) e ali as coisas mudariam de vez. Após diversos baixistas que passaram, somente um conseguiu se manter durante muito tempo, e este era John Richard Deacon - ali já morreu o Smile, e nascia definitivamente o Queen - sim! É notável que, de Smile para Queen foi uma grande evolução, e passados dois anos tocando em clubes e universidades, conseguiram descolar uma grana para testarem seus equipamentos no De Lane Lea Studios, em Londres e lá gravaram uma demotape com 5 faixas no final de 1971 e, apesar da qualidade, isso já os ajudou a descolar um contrato com uma gravadora - a sorte foi da Chrysalis Records, e depois foram atrás de outras discográficas que pudessem colocá-los em seus respectivos casts, um começo difícil para a banda.
Com a mudança de Smile para Queen também veio uma nova estética artística que os definisse, foi aí que Bulsara criou o logotipo da banda: um letreiro estilizado com uma coroa dentro do Q, e a clássica representação dos signos de cada integrante: em torno do Q, dois leões representando os leoninos Roger e John, enquanto o caranguejo em cima do Q é o canceriano May e enfim as duas fadas representam o virginiano Freddie, em cima uma fênix - representando que a banda seria para sempre. Com isso, eles são notados pelos irmãos Sheffield, Norman e Barry, e oferecem a eles além de um contrato, o uso dos estúdios Trident - onde lá gravavam Led Zeppelin, Black Sabbath, Genesis, Lou Reed e os próprios Beatles registraram materiais importantes - mas, ao contrário das grandes estrelas que podiam usar o horário principal, o Queen acabou por ter de gravar nos horários livres - ou seja, das 3 da manhã às 7 horas (é mole?) e eles teriam a ajuda de John Anthony e Roy Thomas Baker, que se tornou ao longo dos primeiros anos, uma pessoa muito presente nos trabalhos da banda como produtor e até ajudando nas alquimias sonoras do grupo. De junho a novembro de 1972 o Queen esteve trabalhando nesse horário em busca do resultado perfeito, e depois de oito meses correndo atrás de um selo para lançar o material, a Trident lança por conta própria o primeiro LP da banda que levava simplesmente o nome de Queen - na capa, uma imagem que já imortalizava Freddie como uma lenda - e agora com o sobrenome Mercury - tirado da palavra usada em uma das músicas deste - enquanto a contracapa trazia diversas fotos da banda, uma delas com Freddie abraçado a um urso de pelúcia, Brian como um pinguim e na ficha técnica um aviso "and... nobody played synthetizer" avisando que não foi usado nenhum sintetizador, um som mais rock mesmo. Vamos começando o disco com um riff matador de guitarra executado por May logo nos primeiros segundos que nos apresentam Keep Yourself Alive, a banda mostra um grande peso sonoro ao longo da faixa e não nos decepcionam, ou seja, já nos contagiam logo de primeira com essa sonzeira, a bateria de Taylor e a voz cristalina de Mercury dão esse engrossar do caldo - e cuja alquimia sonora dos quatro juntos aqui funciona mesmo; seguindo o baile, vamos falando aqui sobre a segunda faixa deste álbum que é Doing All Right, escrita por May em parceria com Stafell e uma das composições dos tempos de Smile - uma simples baladinha, que ganha uma agressividade pelo tom da guitarra ao ouvirmos e Mercury tenta cumprir a missão de interpretar a música do Smile com Brian ao piano aqui - uma das poucas músicas em que ele toca piano e também violão, não passa batido; na sequência, ainda temos uma canção de fortes características da sonoridade do grupo: leia-se arranjos vocais, solos bem executados, mudanças bruscas de ritmos e é claro, uma boa alquimia sonora, e Great Rat King é um belo exemplo - com pequenas frases sobrepostas e um dueto, a banda dá uma goleada aqui; para falarmos sobre a próxima música, vamos falar sobre Freddie - pois até 1972 ele se chamava Freddie Bulsara e logo após compor sobre um universo fantasioso detalhado em My Fairy King, na qual conta com um trecho dizendo "Mother Mercury, look what they've done to me" (Mãe Mercúrio, olhe o que fizeram comigo) e ali já temos a semente para a mudança de sobrenome, de Bulsara para Freddie Mercury - e a música carrega fortes características de metal e blues elétrico ao ouvirmos detalhadamente; adiante, a banda não perde tempo e manda ver com Liar - um tema bem marcante do repertório do primeiro LP tendo mais de 6 minutos, com uma característica bem de rock pesado daqueles tempos e uma das únicas exceções nos sintetizadores, pois há o uso de órgão Hammond nesta canção e ajuda a dar um toque a mais, de verdade; outra canção dos primórdios do conjunto que ajuda a construir o repertório do álbum é a doce balada The Night Comes Down, escrita por May - a única que não conta com versão gravada no mesmo estúdio, pois a versão que ouvimos é a gravada no De Lane Lea, de 1971 (apesar de ter uma versão gravada no Trident) e trata sobre os problemas da vida adulta, como o envelhecimento, nostalgia com a perda da infância e as dificuldades - com uma citação à Lucy in The Sky With Diamonds dos próprios Beatles - May admite que o quarteto de Liverpool é uma grande influência musical para ele; ainda sobra tempo para o baterista Roger Taylor mandar ver na sua Modern Times Rock and Roll, uma música com uma sonoridade agressiva, basicamente é um proto-punk antecedendo o som que viria a estourar 3 anos depois e uma das músicas que traz energia diferente - mesmo com menos de 2 minutos de duração; adiante, o leque de composições do guitarrista ainda nos traz aqui também Son and Daughter, composta em 72 especialmente para este trabalho, aqui a versão não traz o solo de guitarra que seria executada nos concertos da banda, a letra apresenta referências a versos bíblicos e tem o famoso "I want you" presente em parte de alguns versos; para complementar aqui também, não pode faltar aqui uma das belas composições de Mercury neste álbum, Jesus é a sua interpretação para a história do filho de Deus enviado ao mundo para espalhar sua sabedoria - escrita por um parsi zoroastriano, ao ouvirmos os violões com efeitos criados por Brian e outras coisas, a gente parece ouvir uma canção de atmosfera psicodélica e realmente - esta é uma canção psicodélica do Queen, sem sombra de dúvidas; encerrando este disco, o álbum conta com uma versão instrumental ao piano de Seven Seas of Rhye, que não contou com a letra inicialmente, e só ficou pronta apenas para o álbum seguinte - mas aí já é uma outra história.
1973 foi um ano relevante no rock - a estreia do Queen, o estouro do reggae jamaicano de Bob Marley atraindo uma legião de fãs e devotos com seu Catch a Fire, o ápice da criatividade de Pink Floyd com a brilhante magnum opus The Dark Side of The Moon, Bowie em dose dupla com Aladdin Sane e depois com Pin Ups obviamente, o jazz funk do tecladista Herbie Hancock através de Head Hunters - enfim, o rock e a música em todo seguiam trazendo fortes inovações e ficou claro de que nada iria parar a Rainha até então, mesmo que em agosto de 1973 - um mês após o lançamento do disco de estreia - voltassem aos estúdios para gravarem o segundo álbum Queen II e dali em diante, a história mudaria seus rumos para sempre.
Set do disco:
1 - Keep Yourself Alive (Brian May)
2 - Doing All Right (Brian May/Tim Staffell)
3 - Great Rat King (Freddie Mercury)
4 - My Fairy King (Freddie Mercury)
5 - Liar (Freddie Mercury)
6 - The Night Comes Down (Brian May)
7 - Modern Times Rock and Roll (Roger Taylor)
8 - Son and Daughter (Brian May)
9 - Jesus (Brian May)
10 - Seven Seas of Rhye(Freddie Mercury) - instrumental

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