Um disco indispensável: Head Hunters - Herbie Hancock (Columbia Records, 1973)

Há diversas explicações para entendermos como o jazz começava a introduzir elementos de rock, soul e funk e fazendo com que ajudassem músicos renomados a abrirem suas mentes com novas ideias. Desde o trompetista Miles Davis, que, a partir de seu álbum Miles In The Sky (1968) e seus encontros com Sly Stone e Jimi Hendrix, fizeram com que seus álbuns In a Silent Way (1969), o duplo e brilhante Bitches Brew (1970) lançando-se de vez como um sujeito de experimentar, Live Evil (1970), a trilha sonora A Tribute to Jack Johnson (1971) e também On The Corner (1972) davam a visão de um trompetista mais inovador, buscando sempre o melhor de si mesmo. Na época de Miles In The Sky, o seu quinteto já estava buscando também outros rumos, outras direções na música, e tendo sido 1968 o fim do seu clássico segundo quinteto, com Tony Williams na bateria, Ron Carter no baixo, Wayne Shorter no saxofone e Herbie Hancock no piano. Este último, um pianista renomado, de talento precoce, entrou para o quinteto em 1965 depois de ter seu álbum Takin' Off notado pelo trompetista e ali se mostrou como um grande pianista e, quando o quinteto terminou, ele gravou Fat Albert Rotunda, não mais pela Blue Note Records - mas sim, pela Warner Bros. Records, aonde criou um grupo - o Mwandishi, que depois levou o nome de um álbum editado em 1971, depois foi Crossings (1972) - ambos mostrando já Herbie mandando ver nos sintetizadores, o que para os fãs mais fieis era uma espécie de heresia e desrespeito ao que ele havia feito antes. Seu último álbum com a Mwandishi Band surgida dois anos antes foi seu primeiro pela Columbia Records, gravadora onde permaneceu por 15 anos - Sextant, com três faixas e uma viagem sonora cheia de influências sonoras africanas e também latinas - na definição mais simples, um jazz com toques de world music para ninguém botar defeito. Tendo o parceiro Bernie Maupin ao seu lado, no saxofone, flauta e clarineta, o percussionista Bill Summers, o baterista Harvey Mason mais o guitarrista e baixista Paul Jackson, nascia ali os Head Hunters, que converteu-se no nome também do décimo-segundo álbum de sua carreira gravado em setembro de 1973 em dois estúdios de San Francisco, o Wally Heider Studios e o Different Fur Trading Co. sob a produção do onipresente David Rubinson e de Herbie Hancock, e pronto, o time do disco estava completo. 
Com apenas 4 faixas e 41 minutos, Head Hunters mostra ser um álbum totalmente diversificado de influências, notou que o tipo de música que estava tocando era um pouco mais pesada, e as direções que ele queria era mais sofisticado. Definindo o que se ouve, é groove puro de qualidade agradável, nos transmite um clima bem agradável aos ouvidos. A capa apresenta logo de cara o grupo e Herbie numa imagem em alto contraste e no rosto de Herbie uma máscara kple kple inspirada na tribo Baoulé da Costa do Marfim, com elementos de gravadores desmagnetizadores usados em gravadores audiotapes reel-to-reel (aqueles analógicos), tanto a arte e a foto feitas por Victor Moscoso (que não tem nada a ver com aquele André Moscoso que faz vídeos no YT) e na contracapa, uma imagem parecida com o mesmo tom de azul no fundo, mas com o rosa dando detalhes na imagem. Para começarmos a falar deste trabalho, vamos à faixa que abre o álbum, intitulado Chameleon - na qual já tem uma linha de baixo marcante ajudando a fazer o tema deixar belos momentos, apesar de ser um álbum de jazz instrumental, carrega muito de soul, funk e de rock nos elementos sonoros presentes nos quase 16 minutos da música, com um solo de sax arrepiante de Maupin e um ritmo bem marcado na bateria mais os teclados alucicrazys executados por Hancock na música, que já foi sampleada por nomes como Nas, 2pac Shakur e Beck inclusive; na sequência, uma releitura suingante e fluída de sonoridades latinas e africanas de Watermelon Man, lançada originalmente em 1962 no álbum que o lançou Takin' Off, desta vez, com toques latinos - muito influenciado por nomes como Mongo Santamaría, trazendo um pouco dessa mistura e da identidade afroamericana, com sons feitos em garrafas (aqueles em que você sopra e sai um som) ajudando a dar um brilho à esta música; mais adiante, temos uma célebre homenagem do tecladista à Sly Stone, um dos inventores do funk que mudou a música negra no final dos anos 60 com o grupo Sly & The Family Stone - e o nome desta música acabou virando Sly, com uma parte mais nervosa no instrumental que lembra a mistura de ritmos, lembra até um pouco samba a bateria e inclusive a percussão e Maupin arrasa demais nos solos de saxofone executados na música, sem esquecer de falar sobre a banda estar bem conectada no som que estavam fazendo nesta música; encerrando aqui esta obra de arte da música instrumental, uma coisa mais calma e não tão pesada no som, estou falando de Vein Melter, um pouco ligado ao jazz mais cool, com um ritmo que lembra até marcha militar ao ouvirmos, com os sintetizadores ajudando a cobrirem espaços que poderiam ser vazios ao ouvirmos, e Hancock mais o resto da banda fizeram um belo trabalho que fecha com chave de ouro.
Basicamente, o que acabou se tornando a bíblia do jazz mais voltado ao funk, teve um resultado que não agradou os entusiastas mais puristas do gênero e os críticos - mesmo assim, fez o disco vender um milhão de cópias e com isso, ajudou o grupo saiu em tournée mundo afora logo em seguida. A banda, gravou seus próprios discos, mas atuou ao lado de Hancock nos discos seguintes: Thurst em 1974, o ao vivo gravado no Japão e clássico Flood e depois Man-Child em 1975, seguidos de Secrets em 1976 e de Sunlight em 1978, e voltaram a participar de alguns shows do tecladista ocasionalmente. O álbum é um belo conjunto de peças instrumentais que servem como samples usados por nomes como 2pac Shakur, Coolio, Nas, Shaquille O'Neal e até mesmo George Michael, Beck e Madonna já pegaram trechos de suas músicas para usarem em suas músicas. Mesmo com muitos prós e contras daquele tempo, ele acabou se tornando um divisor de águas na carreira do ex-tecladista do segundo melhor quinteto de Miles e em seguida entra para listas importantes, como a da Rolling Stone, que em 2003 colocou nos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos num modesto 498° lugar, mesmo assim, sem esquecer todo seu valor. E também aparece no livro e lista dos 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, prova de que um clássico como este merece um grande destaque desses. 45 anos depois, o disco soa muito atual e moderno, feito pra moçada curtir na balada sem se preocupar, porque jazz-funk é cool e todo mundo gosta.
Set do disco:
1 - Chameleon (Herbie Hancock/Bernie Maupin/Paul Jackson/Harvey Mason)
2 - Watermelon Man (Herbie Hancock/Harvey Mason)
3 - Sly (Herbie Hancock)
4 - Vein Melter (Herbie Hancock)

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