Um disco indispensável: Samba Esquema Novo - Jorge Ben (Philips, 1963)

No início dos anos 1960, o Brasil ainda podia respirar por aí a onda de Cadillacs, Fuscas e carros que eram o sonho de consumo de todo cidadão, ainda estávamos apegados a euforia da seleção campeã na Suécia em 1958 com um jovem de 17 anos chamado Edson Arantes do Nascimento, que nós o chamamos mais de Pelé e em seguida, o bicampeonato mundial quatro anos depois no Chile com Garrincha se destacando e outros nomes como Nilton Santos, Zagallo, Vavá (por favor, não confundam o jogador com o famoso pagodeiro do grupo Karametade) e a dupla Coutinho e Pepe, que com Pelé formavam um dos mais imbatíveis trios de ataque do Santos naquela época. Com o fim da era JK, o medo era de que o país sofresse um golpe - tanto militar quanto de estado, ou seja, um golpe comunista - e o presidente Jânio Quadros pediu renúncia após oito meses, deixando o país nas mãos de um certo vice chamado João Goulart, que ficaria até março de 1964, quando militares decidem virar o jogo, pondo um regime que duraria 20 anos e teríamos em diante os capítulos mais tristes da história do país no século XX que fizeram o país demorar para pedir a volta da democracia. Entre outros capítulos importantes deste começo dos anos 1960 foi também a vitalidade dos ídolos da bossa nova, que ganhavam mais destaque que os então aclamados cantores da era do rádio, vindo de programas de calouros como César de Alencar e Ary Barroso (autor de canções como Aquarela do Brasil e também No Rancho Fundo, grandes clássicos do cancioneiro brasileirp) além dos expoentes de músicas regionais como Luiz Gonzaga e Pedro Raymundo seguiam em voga. Mas o que estava acontecendo mesmo era o boom do rock and roll, embora no Brasil fosse um pouco raro ver grandes astros brasileiros que fizessem rock, como os irmãos Celly e Tony Campello, os grupos The Jet Black's, além de não esquecermos Betinho e Seu Conjunto, além de um capixaba que só aconteceria de vez em 1963 de nome Roberto Carlos, que tinha gravado alguns compactos e um disco de pouca repercussão antes de Splish Splash acontecer naquele ano. Outro nome que acontecia era Jorge Ben, um carioca vindo de Madureira que até hoje não se sabe exatamente em que ano nasceu, se em 1942 ou 1945, mas que se nascido em 1945 seria considerado algo impressionante para alguém começar tão jovem nas rodas de som na lendária turma do Matoso, da qual surgiu ali também o mesmo Roberto Carlos, Erasmo Carlos, um ex-cabo militar chamado Wilson Simonal que seria um dos maiores showman do país e que acabou no ostracismo após um episódio envolvendo um contador e o Departamento de Ordem Política Social, o temido DOPS na época da ditadura, custando anos de reclusão do grande público. Dessa mesma citada turma sairia também um gorducho que vivia feito um chinês carregando marmita de um lado pro outro, Sebastião Rodrigues Maia, o lendário Tião Marmita (detestava quem o provocasse chamando desse jeito na adolescência) e que mais tarde se converteria em Tim Maia, pioneiro do soul e do funk no país. Jorge Ben, ou Jorge Duílio de Lima Menezes, cresceu num ambiente musical, ganhou seu primeiro violão na infância e cantou no coral da igreja, seu sonho era ser jogador de futebol (chegou a jogar nas categorias de base do Flamengo) e que acabou rendendo várias canções exaltando uma de suas paixões e a de muitos brasileiros no futuro.
Jorge Ben: de Babulina do Rio Comprido ao pioneiro do suingue brasileiro,
em ação durante o IV FIC (Festival Internacional da Canção) de 1969
Fotografia: Cristiano Mascaro
Por volta daquele mesmo 1963, o Babulina do Rio Comprido - bairro onde ele se criou no Rio de Janeiro - acabaria se apresentando no Beco das Garrafas o que seria um dos seus futuros maiores sucessos de carreira, e durante essa apresentação, eis que um executivo da Philips acaba se interessando no som e acaba o convidando para gravar um compacto 78 rpm, com duas faixas que figurariam em seu álbum de estreia, o clássico Samba Esquema Novo, com a produção de Armando Pittigliani (que trabalhou na gravadora de 1958 a 1992), tendo arranjos de Lindolpho Gaya, J.T. Meirelles, Luís Carlos Vinhas, Carlos Monteiro de Souza e do próprio cantor. O álbum abre com o principal carro-chefe de sua trajetória musical, o clássico Mas Que Nada, responsável por trazer a pegada de sambalanço que estava em voga e mostrando que "um samba como esse é tão legal", com uma vibe que contagia logo na primeira escuta e isso já é um bom sinal e brevemente convertido em sucesso mundial anos depois com o niteroiano Sergio Mendes e seu Brasil 66 levando o melhor da música brasileira ao topo das paradas em vários lugares; já a próxima faixa não é um caso raro mas também não nos decepciona, Tim Dom Dom é um sambinha de Clodoaldo de Brito e João Mello, consegue dar uma orientação no ritmo do disco, sem precisar forçar muito; e em diante, o sambista dispara mais pérolas como Balança Pema mostram que Jorge tinha o que cantar para o povo; aqui uma canção que poderia ter sido um grande sucesso, e esta intitulada Vem Morena, Vem - que apesar de ter uma das melhores letras do disco, não é tão lembrada às vezes; e mais um clássico do cantor que também surgiu nesse disco foi Chove Chuva, é nada mais do que um samba bem soft com um ar mais suingado, tudo o que Jorge estava a apresentar de novo para aquela geração; e se o bom da vida É Só Sambar, isso é porque o nome da música já diz tudo, e aquele gingado básico que todo mundo sabe bem, um grande tema de destaque nesse disco; já mais adiante, em Rosa, Menina Rosa dá pra ver que Jorge segue não errando feio e consegue meter uma goleada no sentido musical-poético, provando o porquê de caprichar com estilo as letras; em seguida, temos Quero Esquecer Você, dando um pouco de visibilidade aos dedilhados do violão, sem forçar muito o que chamamos de "tapa-buraco" musical onde às vezes os arranjos de metal encobre um instrumento de base, o que era muito comum na época; e como já era comum uns títulos com scats sonoros tipo Hô-Bá La-Lá ou também Bim-Bom, aqui Jorge segue com Ualá Ualalá, que lembra pouco os "uh-la-la" dos corinhos, mas não é nada do que se pense, é mais outro sambinha que acaba nos agradando de vez; e aqui a pegada mais bossa segue presente nos primeiros acordes de A Tamba, que faz a gente dançar sem perceber o que se está passando, mas não deixa a gente se perder aqui nesta música; ainda que nesse disco, o som seja de samba com uma pegada de "som jovem", o sambalanço com tons de jazz prevalece em Menina Bonita Não Chora, que conclui com "se você é triste, feliz será" como se ele quisesse convencê-la de que a alegria é o essencial da vida e isso é verdade, sem dúvidas; o disco fecha com Por Causa de Você, Menina - também responsável pela grande projeção de Jorge Ben como cantautor, sendo um dos grandes sucessos deste disco e que marca o início de uma grande fase de inovação do samba, que trazia um pouco mais do soul e do som que artistas negros faziam nos EUA, tal como James Brown, Aretha Franklin, Diana Ross & The Supremes, Stevie Wonder dentre outros que poderíamos citar aqui.
Passados os anos e outros grandes discos, o músico carioca segue a desfilar boa parte de seu repertório envolvido nos clássicos de sua carreira, e discos como o Samba Esquema Novo deixaram de figurar apenas nas prateleiras das lojas de discos das terras tupiniquins e indo para os ouvidos dos estrangeiros, através de Sergio Mendes como nós já citamos e brevemente acabou sendo conhecido como um dos brasileiros aclamados mundialmente, seu hit Mas Que Nada conquistou um grande público de vez. E o disco conseguiu figurar em listas sobre os mais importantes da história da música popular brasileira, tanto é que ele conseguiu um grande destaque em 2007 quando a revista Rolling Stone brasileira colocou-a na 15ª posição dos 100 melhores álbuns da MPB, sendo cultuado inclusive por gente como o DJ e produtor Will.i.am, que não esconde de ninguém que seu sonho é de trabalhar com Jorge Ben e é um de seus artistas brasileiros favoritos. Um disco que merece ser indispensável nas rodas de violão, nas festas de família, nos churrascos de domingo pois sempre que você estiver num rolê da vida, o disco Samba Esquema Novo sempre vai estar lá (achou mais uma vez que eu estava brincando?) fazendo o pessoal cair no suingue que é bem agradável a todos, não importando se tem uma determinada preferência, é sempre contagiosa a pegada, o som e a energia deste mestre do nosso soul verde-amarelo.
Set do disco:
1 - Mas Que Nada (Jorge Ben)
2 - Tim Dom Dom (João Mello/Clodoaldo de Brito)
3 - Balança Pema (Jorge Ben)
4 - Vem Morena, Vem (Jorge Ben)
5 - Chove Chuva (Jorge Ben)
6 - É Só Sambar (Jorge Ben) 
7 - Rosa,Menina Rosa (Jorge Ben)
8 - Quero Esquecer Você (Jorge Ben)
9 - Ualá Ualalá (Jorge Ben)
10 - A Tamba (Jorge Ben)
11 - Menina Bonita Não Chora (Jorge Ben)
12 - Por Causa de Você, Menina (Jorge Ben)

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