ESPECIAL: Os 20 Melhores Álbuns Nacionais de 2016

O ano que acabou teve grandes surpresas (bota “grandes” nisso) pra nós no mundo da música, desde a repentina e triste partida de David Bowie após oferecer a gente o clássico “Blackstar” dois dias antes, logo em seu 69º aniversário, passando por Prince, Maurice White, Vander Lee, o poeta canadense Leonard Cohen, o grande Cauby Peixoto, o nosso querido percussionista Naná Vasconcelos e mais outros batuqueiros – o ritmista Papete e Mário Sérgio que era vocalista do Fundo de Quintal, o “quinto Beatle” George Martin e, recentemente, do astro pop George Michael, que deixaram um pouco de vazio na nossa música. Mas deixando as coisas tristes de lado, tivemos grandes discos que foram presentes para nossos ouvidos nesse ano, desde as revelações como o andrógino Liniker e os Caramelows passando por Baiana System até o grande comeback da “Garota Sangue Bom” Fernanda Abreu com seu Amor Geral, o “Imorrível” Di Melo com um material de inéditas definitivo até o menestrel do brega Odair José com seus Gatos e Ratos, os lados turvos e os lugares inquietos do maquinas, a onda “Tropix” da estrela nacional da música do ano que mereceu imenso destaque Céu, inclusive a essência de bandas como Supercombo, que fez de “Rogério” o seu “Tommy” dos nossos tempos contemporâneos e O Terno, confirmando que tudo está “Melhor do Que Parece” e a potência feminina segue presente nessa lista, com Luiza Pereira, vocalista do INKY e sua “Animania” disponibilizado a todos, e Salma Jô do Carne Doce presenteando o público com “Princesa”, uma forte candidata ao melhor álbum da década. Também não vamos esquecer de momentos que trouxeram alegrias, como a vinda de Tame Impala, do rapper Eminem e de Marina & The Diamonds (que desta vez não deu o cano e esqueceu do voo) na edição do Lolapalooza. Stones vieram e sacudiram esse país no Rio de Janeiro, em São Paulo e pela primeira vez nas terras gaúchas de Porto Alegre. O lendário Bob Dylan surpreendeu o mundo da música ao ter sido indicado ao Prêmio Nobel de Literatura e segue firme “like a rolling stone”. E o Aerosmith iniciou sua última rota de estrada juntos, enquanto Steven Tyler (o vocalista) lançava seu disco solo de estreia. As porteiras da música sertaneja se abriam mais para as mulheres, onde Marília Mendonça, Paula Mattos, Naiara Azevedo (com seus 50 Reais), Bruna Viola (a bruta violeira) e as duplas Maiara & Maraisa, Simone & Simaria (velhas conhecidas, por terem integrado o time de backing vocals de Frank “Cãozinho dos Teclados” Aguiar na outra década), Rafaela & Julia entravam no topo das paradas onde apenas figurões atuais como Victor & Leo, Fernando & Sorocaba, Jorge & Mateus entre outros, e vimos um monte de coisas aí que poderíamos citar mas o texto ia ficar maior ainda. Aprendemos a ficar "tranquilo e favorável" com MC Bin Laden, o maior viral da música brasileira deste ano que passou. E o carnaval carioca voltou a ter festa verde-rosa, com Maria Bethânia sendo tema de samba-enredo da Mangueira, rompendo outro jejum: 13 anos sem ganhar. O blog andou sofrendo umas pausas, por motivos pessoais mas voltamos aos poucos para espalhar com vocês música boa e quando eu digo música boa é BOA MESMO, eu não estou enganando. Portanto, se preparem, leiam a lista e deliciem com os indicados, mas se o seu favorito não está aqui, não se decepcione: prometeremos em lançar ainda uma edição bônus com uns 10 ou 15 que ficaram de fora.

1º) Liniker e Os Caramelows - Remonta
Ele é negro, gay e tem se destacado muito nos últimos anos, sendo uma grandes revelações da música popular brasileira nesta década de 2016 e com algo de balanço, soul e tudo que lembre um pouco Motown com ares brazucas, Liniker Barros se converteu rapidamente num astro de grandeza enorme, com seu visual andrógino que encantou e ainda encanta multidões afora. Com o seu trabalho de estreia, o EP intitulado “Cru”, ele conseguiu trazer de volta um rompimento nos paradigmas da MPB e assumir o batom e as saias, e sua voz conquistou mais de 1 milhão de acessos no YouTube e no ano seguinte, distribui ao público seu primeiro álbum completo, intitulado “Remonta”, que só pôde ser possível com o sistema de crowdfunding (financiamento coletivo) e a produção de Marcio Arantes. Aqui temos suingue e som de sobra, em canções como “Louise Du Brésil”, “Caeu” e “Zero” presentes antes no EP de estreia, mas também pérolas como “BoxOkê”, “Remonta” e seus versos originais, “Sem Nome, Mas Com Endereço” e um título que a gente só pode rir total: “Você Fez Merda”. Merdas houveram muitas ocorridas em 2016, mas nenhuma que tenha impedido este disco de ter se consagrado um dos melhores do ano.

2º) Fernanda Abreu - Amor Geral
De volta aos discos após um breve período dedicado às filhas Sofia e Alice, mas se mantendo nos palcos com seu suingue sangue bom, a cantora carioca Fernanda Abreu retorna com um disco de inéditas que está dando o que falar e sendo a cara da década. Seu comeback foi mais esperado do que o jejum do Grêmio de 15 anos sem ganhar um título inédito, que só rompido no dia 7 de dezembro na final da Copa do Brasil. Desde “Na Paz” (2004) não lançava algo inédito e desde “MTV Ao Vivo” (2006). Com uma série de amigos e um novo parceiro (musical e amoroso) dando aquela força, Tuto Ferraz foi mais uma das tantas cabeças responsáveis por ajudarem a rainha do pop-funk a lançarem o disco que mostra ela mais viva, forte e firme. Letras que falam sobre superar dores, fins de relacionamentos, crises são o que complementam essa salada amorosa de degustar com os ouvidos. Se você acabou se surpreendendo com a presença do lendário Afrika Bambataa em “Tambor” e com o bucolismo em “Valsa do Desejo”, você já deve ter pirado seus ouvidos quando ouviu “Outro Sim” e matado a nostalgia da era disco e do pop noventista em “Deliciosamente” além de ter captado a mensagem de “Antídoto”, autobiográfico. 2016 foi de vez o ano que espalhamos Amor Geral.

3º) O Terno - Melhor do Que Parece
“Parece que fico o tempo todo culpado”, é o que ouvimos nos primeiros segundos entoados pelo poeta e genial Tim Bernardes, que após uma estreia quase despercebida em “66” e um apogeu grandioso no seguno disco homônimo da banda O Terno, desta vez conseguiu repetir a fórmula, só que indo mais fundo nas referências sonoras, que não se baseavam apenas em tropicalismo e em iêiêiê, desta vez Tim, Guilherme “Peixe” D’Almeida e agora Gabriel Basille substituindo Victor Chaves na bateria, conseguiram fazer deste disco o mais MPB da banda. Se for ouvir apenas por “Culpa” e pela faixa-título e sua atmosfera sonora tropicalista, saiba que está deixando passar batido muita coisa boa. Temos aqui “Depois Que a Dor Passar”, “Nó” provando como um conjunto de melodias que parecem ter sido gravadas em 1960-e-alguma-coisa consegue nos dar uma boa sensação de que este som é o bom da vez. Não se esquecendo de destacar “Lua Cheia” e a história de “Minas Gerais” onde Tim faz suas juras de amor ao estado montanhoso do pão de queijo, do sertanejo e do Cruzeiro e do Atlético Mineiro. Pois é, o próprio Tim não estava errado mesmo quando clamou em seus versos “Tudo está melhor do que parece”. E está melhor mesmo.


4º) BaianaSystem - Duas Cidades

Lá vai o papo: o conjunto demora seis anos para lançar um disco que possa abalar as estruturas, e aí, passado esse tempo todo na qual estrearam com um material que leva o nome do conjunto BaianaSystem, que em 2017 completará 10 anos de fundação. O som que traz a influência das soundsystems jamaicanas, que carrega um pouco da linguagem sonora da Bahia, desde as guitarras baianas até ritmos de origem afro, como o ijexá, o afoxé, o kuduro (não confundir com o hit que Latino adaptou de Don Omar e Lucenzo para o nosso público em 2011/2012) mais o samba-reggae e o pagode, que já são mais coisas nossas aqui, formam esse caldeirão de referências sonoras que complementam o som deles. E é esse mesmo caldeirão de referências sonoras que traz uma boa dose de poesia sonora em “Duas Cidades”, sendo uma homenagem a Salvador, por ter se consagrado como a Cidade Música pela UNESCO e também uma divisão de duas Salvadores: a cidade alta e a baixa. Quem pilota na produção é Daniel Ganjaman, “Duas Cidades” tem como intenção manter a identidade sonora e um engajamento social mais notável. Tendo aqui um conjunto de parceiros neste disco, dentre eles Márcio Victor, o frontman do Psirico em “Playsom”, um tema que acabou agradando até os gringos, que deram uma chance e colocaram na trilha do game FIFA 2016, da EA Sports. Siba, o lendário músico pernambucano que se aventura pelos vários sons e instrumentos, deu uma canja na instrumental “Cigano”. Houve também As Ganhadeiras de Itapuã participando em “Panela” ganhando aqui um destaque especial pros vocais delas. Em “Lucro: Descomprimindo” temos a parceria de Russo Passapusso e do argentino Mintcho Garrammone e a letra é apenas um destaque, foquem no som e caiam nessa batida. O que nós temos de esperar da primeira escuta em “Bala na Agulha” e já cair naquele embalo todo sem precisar demorar pra entender? Apenas caie na gandaia. Depois que se encerra com “Azul”, entenderá todo o conceito que esse disco lhes oferece, uma viagem do neotropicalismo seguido de muito axé e também do que a Bahia há de oferecer, pois a Cidade Música é onde se abriga todo esse encanto da música para exportação.


5º) Céu - Tropix

Onze anos depois de seu disco de estreia, a cantora e filha do maestro Edgard Poças mostrou que veio para ficar e trouxe mais três discos, dois EPs e um álbum ao vivo que garantiram seu nome na história da MPB. Mas, afinal, como Céu conseguiu fazer de “Tropix” o seu melhor presente musical para 2016? Como ela conseguiu pôr neste disco uma atmosfera tão dark, tão pop, que conseguia unir elementos musicais que iam de Kraftwerk a banda paulista Felini passando pelo neopsicodélico australiano Tame Impala? Ela conseguiu se transformar em algo que Bebel, filha de João Gilberto, já tinha se transformado quando gravou “Tanto Tempo” o ponto máximo de sua carreira, transformando essa coisa de bossa-eletrônica algo mais valorizado. Onde podemos encontrar pérolas como “Perfume do Invisível” o principal destaque do disco, além da reutilização de uma pérola obscura dos anos 80 “Chico Buarque Song” do conjunto Fellini, de Cadão Volpato e Thomas Pappon presente no disoc “Amor Louco” de 1990 quando a banda se dissolvera. Além disto, canções como “Varanda Suspensa” e “Perfume do Invisível” conseguem se tornar belos exemplos de como fazer uma música sem precisar seguir uma cartilha ou uma tendência dita por qualquer um aí. Apenas “do it yourself”, embora Céu tenha tido a ajuda de seu velho conhecido Pupillo, da banda Nação Zumbi e o francês Hervé Salters para fazê-lo acontecer. Temos outros temas que nos motivam a entender esse universo Tropix, como “Amor Pixelado”, “Sangria” e um medley com duas canções tendo Tulipa Ruiz dando uma canja “Etílica” seguida de um “Interlúdio”. Enfim, após levar duas estatuetas do Prêmio Multishow mais duas do Latin Grammy, notamos que foi um disco onde Céu conseguiu ir mais além.


6º) Di Melo - Imorrível

“Ele voltou! O Imorrível!” é o que se ouve ao iniciar o disco. Como todo bom cristão, digo que imorrível mesmo é Jesus Cristo, filho de Deus. Mas o pernambucano Roberto de Melo Santos também merece esse título, aliás, após boatos de que teria morrido num acidente  motociclístico tempos depois de ter gravado um cultuado disco de 1975 pela EMI-Odeon que hoje é cultuado por uma geração e tendo o seu talento reconhecido como tal. Ficavam as expectativas: será que haveríamos neste disco pérolas que lembrassem o seu clássico? Será que o autor de “A Vida em Seus Métodos Diz: Calma”, “Kilariô”, “Má-lida” e “Se O Mundo Acabasse em Mel” mantinha sua alma poética de suas canções? Lógico que sim, e prova disto estava na canção que abre o disco, autobiográfica e brilhante por sinal. A produção de Pedro Diniz, Ricardo Fraga e Diogo Nicoloff caprichou mesmo e inseriu uma pegada que já é mais a identidade sonora do cantor, e as faixas mostram bem isso, desde a abertura que leva o nome do disco, também conhecida como “Intro”, além de uma canja de Larissa Luz em “Milagre”, o rapper BNegão, do Planet Hemp, cantando em “Dioturno” e o lendário guitarrista Olmir “Alemão Stocker” botando suas cordas na bônus do disco “Disquerer” pra fechar com chave de ouro. Sem deixarmos de lado aqui um breve destaque para as faixas “Barulho de Fafá” e “Distando Estava”, que acabam se comprometendo em fazer jus ao som do músico, que é completamente “Imorrível” para a gente e vai dar muito o que falar.
7º) Supercombo - Rogério
Não bastou o Bidê ou Balde ter lançado no ano anterior um disco que girasse em torno de uma transmissão de uma rádio sendo um dos melhores álbuns daquele ano e quem sabe desta década, foi preciso que o pessoal do Supercombo repetisse a fórmula que conquistou fãs com o disco “Amianto” dos hits “Sol da Manhã” e “Piloto Automático”. Desta vez, eles decidiram fazer deste seu álbum conceitual, desta ópera-rock uma espécie de “Tommy” dos nossos tempos, só falta virar um filme ou um musical como os da Broadway. Para isso, recrutaram em “Magaiver” a dupla Keops e Raony do Medulla pra dividirem os vocais. Em “Grão de Areia”, quem dá uma canja é Gustavo Bertoni, da Scalene, banda com quem dividiu estrada após participarem da edição 2015 do SuperStar. Emmily Barreto, do Far From Alaska canta em “A Piscina e o Karma” enquanto Mauro Henrique, da Oficina G3 canta “Monstros” e o disco também conta com Lucas Silveira, da Fresno em “Bomba Relógio” um dos melhores momentos do disco. A velha guarda do Rock Brasil dá as suas caras, pois o titã Sérgio Britto aparece dando um brilho extra em “Eutanásia” enquanto Negra Li canta “Lentes”, que serviu como faixa-bônus deste álbum. Mas a banda se supera em momentos próprios, como na faixa-título, em “Morar”, seguido de “Bonsai” e de “Jovem” provando que Leonardo “Castor” Ramos consegue ser um gênio à frente de nossos tempos.

8º) INKY - Animania

Mas, quem pensava que a lista teria poucas bandas onde houvessem frontwoman, é porque não ouviram ainda a banda paulista INKY, formada por Luiza Pereira nos vocais e sintetizadores, Stephan Feitsma na guitarra, Guilherme Silva no baixo e Luccas Vilela no baixo, é um grupo que faz um rock and roll mais “mudérrrno”, meio que com pegada eletrônica. O bom do som deles é isso: chocar, fazer as pessoas caírem de cabeça nessa coisa mais sombria e profunda da música deles, e em “Animania” foram mais além, decididos a transformar neste disco um exemplo de poder dentro da concepção de som, e nisso conseguiram se dar bem. Com o tão desejado produtor do momento Guilherme Kastrup, a banda se aprofundou e pegou em prática o que colocam em palco mas com um tom mais surpreendente, a começar por “Parallax” o grande destaque do disco, seguido de “In the Middle of a Rising” que mostra algo bem ao estilo TOOL, um rock industrial de primeira. Sem esquecer aqui outras canções, como a parceria do conjunto com o Bixiga 70 em “Devil’s Mark”, uma música que acaba levando nossos ouvidos a outros rumos, a jam pesada de “Dualism” nos converte a um rock industrial sem pretextos, assim como em “The Rarest Good” que nos faz parecer não deixar o clima se perder. O clima é bom e não há muito vacilo nos arranjos sonoros, o que já colabora e muito na hora de analisar e entender todo esse clímax do disco que é rock, é moderno mas agrada a todos sem preconceitos.

9º) Rashid  - A Coragem da Luz


Por consideração aos trabalhos anteriores, Rashid conseguiu entregar de corpo, alma e coração ao seu mais atual trabalho, o que é sempre preciso quando se entra em estúdio e manter a essência que o consagrou em materiais como “Hora de Acordar” (2010) e “Dádiva & Dívida” (2011) e que se repetiria em “Que Assim Seja” (2012) e o último até antes do lançamento “Confundindo Sábios” (2013), os dois últimos que o colocaram entre os álbuns nacionais favoritos da década e de todo o hip hop nacional. Com “A Coragem da Luz”, ele manteve toda a sua visão do mundo, mas trouxe um peso maior, convidados abrilhantaram este disco: desde o figurão Mano Brown e de Max de Castro em “Ruaterapia” e também Criolo divide os versos e vozes em “Homem do Mundo”. Não esquecendo de Xênia França em “Laranja Mecânica”, a Orquestra Metropolitana em “Quem É” mais o vocalista Alexandre Carlo da banda Natiruts em “Depois da Tempestade” dão uma canja superespecial. O rapper tem bons momentos individuais como nas faixas “Reis e Rainhas”, “DNA”, “Como Estamos?” e “Êxodo” se tornam peças-chaves importantes para o conceito que habita dentro deste disco que trouxe um legado imenso de Rashid na música contemporânea.

10º) Baleia - Atlas

O sexteto se destacou muito na metade desta década com seu som completamente delirante e criativo – recheados de experimentos sonoros, tornando-se os favoritos de público e crítica ao longo dos tempos e não é à toa que o Baleia, com seu som alternativo à la Sonic Youth consegue agradar gregos e troianos sem precisar mudar a proposta e o conceito da música que eles apresentam, divulgam e enaltecem. Com “Quebra Azul”, a estreia discográfica da banda em 2013, eles conseguiram ir além, em músicas que ultrapassavam dos 10 minutos, o que esperar de um sucessor? Bom, passados três anos, o grupo lançaria o bem-sucedido “Atlas”, o grupo procurou fazer do seu experimentalismo sonoro uma obra clássica, e não é que eles conseguiram neste segundo disco? Bom, com “Volta” eles conseguiram colocar uma atmosfera orquestral que lembra um pouco os arranjos tropicalistas de Rogério Duprat (1932-2006), e em “Salto”, que fecha o disco, existe, algo que se nota dentro dos arranjos, uma sincronia melódica que parece fugir das tradicionais ideias de que uma música precisa ter uma coisa mais comportada. Isso também vale para “Triz (Ida)”, “Língua” e “Hiato” que abre o disco com guitarras berrantes mostrando a potência do Baleia em um disco que trouxe mais uma vez o melhor que esses cariocas podem fazer. Desta vez, sem errar feio mais uma vez como em seu primeiro trabalho.

11º) Jonathan Tadeu - Queda Livre

Anotem aí: Jonathan Tadeu é o poeta contemporâneo da nova cena alternativa do rock brasileiro e da MPB que merece seu sagrado valor e que precisa ser ouvido. Tendo feito parte da banda Quase Coadjuvante e substituído o baixista Renan Benini em certas ocasiões nas tournées da banda Lupe de Lupe durante 2013 e 2015. Agora, com seu segundo trabalho “Queda Livre”, ele rompe as expectativas de não manter sua essência que havia em “Casa Vazia”, lançado em maio e se tornando um exemplo de como #acenavive. Poesia, guitarras ácidas e uma boa prova de como um compositor mineiro consagrado com o restante da Geração Perdida (da qual também saiu a Lupe de Lupe) em especial. O que esperar de uma música que leva o nome de uma diva da soul music “Diana Ross”? Ou de canções com títulos de trocadilhos típicos como “Ninguém Se Importa” e “Ato Falho” (com o perdão do autor)? A não ser que você tenha entendido o que Jonathan quis cantar em “Sorriso Besta” onde temos Sentidor colaboranto e pegado bem as coisas ditas em “O Mundo É Um Lugar Bonito e Eu Não Tenho Mais Medo de Morrer” e pegado numa boa a vibe do disco todo.

12º) Autoramas - O Futuro dos Autoramas
Sabe aquela formação de trio que sempre conhecemos que sempre foi o carro-chefe dos Autoramas: guitarra-baixo-bateria? Então, ele se expandiu e ficou como um quarteto, pois no final de 2014 após Bacalhau e Flávia Couri terem deixado o grupo (Bacalhau foi tocar outros projetos e Flávia se mandou para o Velho Continente). Assim, o frontman Gabriel Thomaz teve que remodelar a formação do grupo e inseriu a amada Érika Martins (vocal, guitarras e teclados), Melvin (baixo) e Fred Castro (bateria) ex-Raimundos e velho conhecido da banda. Passam o ano de 2015 ensaiando e preparando material novo, turnês fora do País e a explicação de que o Autoramas não virou algo do tipo Gabriel & Érika, mas que ficou com uma roupagem nova na formação. O disco traz uma capa de ares futuristas, ficção científica e o título “O Futuro dos Autoramas”, lançado em março. Faixas como “Jet to the Jungle”, “Problema Seu”, “Demais” mais a regravação de “Garotos II” e o principal tema do disco “Quando a Polícia Chegar” não fazem feio e provam que o rock dos Autoramas conseguiu se manter vivo, firme e forte com um pessoal conhecido de outros tempos. O rock de garagem dos Autoramas segue sendo o essencial de ouvir e curtir sem preconceitos.

13º) Martinho da Vila - De Bem Com a Vida

O sambista mais lembrado da Vila Isabel depois de Noel Rosa está quase chegando aos seus cinquenta anos de carreira, mas enquanto isso ele aproveita e lança um material inédito para a alegria de seus fãs mais devotos e fieis do poeta bibarrense (pessoa que vem de Duas Barras/RJ) que adotou a Vila e o Rio de Janeiro como seu lar e superou as expectativas de um disco que não tivesse a fórmula dos discos produzidos por Rildo Hora, seu mais fiel parceiro. O disco “De Bem com a Vida”, seu 45º título, é um exemplo de como o sambista consegue manter seu primor e seu estilo mais vivo e forte como nunca, tendo um toque de Midas na produção, assinado por André Midani que aos 84 anos segue ativo em seus trabalhos que envolvam a música. Bom, para um disco que já nasceu como uma obra-prima do samba e com a capa de Elifas Andreato, o mais presente na discografia do compositor bibarrense, mostram que uma fórmula qualquer sempre dá certo. E a fórmula nos proporciona canções como “Escuta Cavaquinho” aonde rola um diálogo entre Martinho e o cavaquinho, toda a “Gratidão Musical” que o cantor tem pelo que faz, seguido de “Choro Chorão”, “Samba Sem Letra” e “Amanhã é Sábado” que são os melhores exemplos de que todo compositor é igual vinho: quanto mais duradouro, melhor. Ainda que possamos contar com um fã dando canja em duas músicas, o rapper Criolo aqui divide os microfones primeiro em “Alegria, Minha Alegria” e em seguida na faixa-título, aonde ambos dialogam. Aos 78 anos de idade, o sambista consegue se mostrar totalmente “De Bem Com a Vida” sem precisar ter medo do que pode lhe vir no dia de amanhã, tendo a mesma simpatia e seu mesmo bom humor.

14º) Wado - Ivete

O alagoano que teve sua consagração em discos que se tornaram essenciais para entender a música brasileira nos anos 2000 como “O Manifesto da Arte Periférica”, “Cinema Auditivo” em 2001 e 2002 respectivamente, teve seu ápice em “Terceiro Mundo Festivo” (2008) e “Atlântico Negro” (2009), se convertendo em um dos cantautores favoritos de Marcelo Camelo, que trabalharia em “Vazio Tropical” (2013) como produtor, autor em certas letras e músico até. Depois de um disco como “1977” lançado em 2015, o músico decidiu pegar carona no autêntico som da Bahia – sim, a axé music! A mesma axé de Netinho, Daniela Mercury e de Ivete Sangalo, a quem Wado atribui o nome do disco. OK, você há de me perguntar: o que houve com o Wado? Nada. Ele apenas é um artista atrás do seu som ideal e aqui ele não erra em nenhum momento deste disco, muito pelo contrário, ele acerta em cheio na empreitada de recriar a sonoridade axé em seu disco, e prova disto está na faixa “Alabama” parceria com Thiago Silva, do conjunto musical de pagode Sorriso Maroto e que também aparece colaborando em “Sexo”, além de “Terra Santa”, seguido uma regravação de um tema conhecido do axé “Jesus é Palestino”, uma cover do Timbalada, que conhecida como “Ralé”. Tem cover de Moreno Veloso, logo “Um Passo A Frente”, tem de Gilberto Gil em “Filhos de Gandhi”, parceria com MoMo e Marcelo Camelo em “Você Não Vem” e do mesmo MoMo que temos aqui “Samba de Amor” composta com Alvinho Lancelotti. O maranhense Zeca Baleiro aparece colaborando em “Mistério” e em “Nós” que fecha este disco. Um breve tour pelo universo da música baiana bem aproveitado que não há muito a duvidar sobre aonde Wado pode chegar em seus discos, apenas pegar carona, curtir e degustar numa praia com seu iPod ou seu discman com o sol em alta.


15º) maquinas - Lado Turvo, Lugares Inquietos

A primeira pergunta que se faz sobre este disco antes de uma escutada básica é essa: qual a intenção do maquinas de fazer um disco que nos faça viajar pelas suas atmosferas sonoras alucinantes, que parecem não terminarem nunca e soarem algo profundo e obscuro? Qual o sentido da vida? Aonde um experimentalismo sonoro porra-loca quer nos levar? Isso é som ou é tudo uma típica brincadeira de adolescentes querendo serem rockstars ou gênios da música? Mas, como dizia o grande Miles Davis “isso é música, e eu gosto” e nós aqui da Discos Indispensáveis para Ouvir concordamos sobre o som do maquinas ser uma música, sem precisar seguir uma linha, poder confundir e fazer nossos ouvidos delirarem. E é isso que eles nos propuseram em “Lado Turvo, Lugares Inquietos”, o mais recente trabalho dos cearenses que seguem a confundirem nossos ouvidos. A viagem sonora do grupo tem seus extremos em “Drive By” com seus onze minutos alucinantes faz-nos pensar por quê estamos ouvindo isso, ficamos em dúvida sobre aonde esse som quer nos levar. Nas faixas como “Zolpidem” que tem uma pegada melódica alucinante, “Heitor” que mais parece ser algo que cruze entre o noise e o progressivo e também “Mal-Agradecido”, a banda consegue fazer algo que é bem aproximado do jazz-rock e do experimentalismo que bandas como E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante fazem com perfeição. É como a gente ler um livro de Machado de Assis ou assistir a “2001: Uma Odisseia no Espaço” de Stanley Kubrick e mal poder entender em que status ou em que lugar isso pode nos transportar (foi assim quando eu ouvi “Aja” do Steely Dan na primeira vez), não tem retorno depois disso. É pegar ou largar e pronto.


16º) Ed Motta - Perpetual Gateways

Pra variar um pouco em 2015, o queridíssimo sobrinho de Tim Maia e mestre dos scats, foi muito duro em suas atitudes com o público na internet com suas variadas exigências sobre seus shows na Europa, pedindo que não interagisse com ele em português e muito menos pedir músicas como “Manuel” que foi seu ponto de partida ao sucesso. Passado todo esse episódio, o músico ficou os últimos meses daquele ano para conceber mais um daqueles seus discos excelentes. Apesar de ser todo em inglês, essa foi uma espécie de “banana” do Ed ao pessoal que debochou dele em respeito, provando mais uma vez porque ele é o cara e o maior musicólogo brasileiro que você respeita. Em seu “Perpetual Gateways”, o músico consegue dar um toque mais delicado sem perder o primor e o estilo, com a fórmula similar ao de “AOR” (2013), acompanhado de grandes músicos de jazz e a produção de Kamau Kenyatta provou que não faria feio. Se em “Good Intentions” o músico quis provar que sabia fazer um som internacional do jeito que ele queria, em “Forgotten Nickname” a cozinha soa mais do que perfeita e os arranjos mostram uma aura indescritível, algo que nos remete a era do AOR (Album/Adult-Oriented Rock, joguem no Google). Mas também há momentos de sobra que mostrem o porquê deste disco valer a pena, como “Hypocondriac’s Fun”, “Reader’s Choice” e também “Overblown Overweight” mostrando que Ed chegou longe e tá quase no nível do seu disco favorito em 3 décadas de música.


17º) Odair José - Gatos e Ratos

Chegando perto dos 40 anos de um dos seus maiores discos de sua carreira, que após a repercussão negativa da época, o seu disco conceitual “O Filho de José e Maria” se tornou um exemplo do legado musical de Odair José na história da MPB apesar de toda a injustiça e um tempo sido algo obscuro. Após a boa repercussão de “Dia 16”, o músico não perdeu tempo e voltou a gravar mais outro disco, aonde ele conseguira descobrir sua identidade que ficou escondida nesse tempo, que não era a de um cantor brega, injustiçado pelas canções que fazia, mas sim a de um roqueiro puro, como seu colega de geração Raul Seixas (1945-1989), pegando mais pesado nas letras e fazendo tudo aquilo que se esperava. Em “Gatos e Ratos” ele repete a fórmula de agressividade sonora e atacando políticos e a sociedade, acompanhado de Junior Freitas na guitarra, baixo, teclados e piano mais Caio Mancini na bateria e na percussão, além do goiano com a guitarra em punho nas 10 faixas deste disco ao melhor estilo rock de garagem. Se em “Cobrador de Impostos” ele revela se decepcionar com o tanto de impostos a pagar, em “Gatos e Ratos” ele acaba se divertindo com a cena política do país e ironizando os próprios, em “Trânsito” o caos e todo esse problema nas estradas Brasil afora é bem relatado. Para alguém que já pediu pra parar de tomar a pílula ou de deixar essa vergonha de lado, nada mal quando se quer mostrar alguém detonando toda “Moral e Imoral” como se vê muito nas músicas de hoje que se vive crises e desentendimentos.


18º) Carne Doce - Princesa

Em 2014, o casal Salma Jô (vocais) e Macloys Aquino (guitarra) mais o baixista Anderson Maia, o guitarrista João Victor e o baterista Ricardo Machado conseguiram e ainda tiveram a bendita aclamação nacional através do álbum de estreia do conjunto goiano Carne Doce, com suas letras ácidas, com opiniões abertas. E para repetirem a dose, eles voltaram com um disco mais feminino, mais político, uma obra-prima que merece seu devido valor, intitulado “Princesa”. Aborto, questões sobre os direitos das mulheres, libertação de paradigmas são tudo isso e um pouco mais do que podemos encontrar ao longo das canções deste disco. Uma jam intitulada “Carne Lab” é um excelente guia para essa lucidez sonora toda, ainda mais instrumental com seus 10 minutos e 30 segundos de porra-loquice sonora. Ainda temos aqui alguns exemplos e um tutorial de como canções mais femininas e abertas podem se tornar poesia musical, dentre elas “Amiga”, “Cetapensâno”, “Eu Te Odeio” que tem uma das melhores letras do disco por sinal, e a faixa-título. Para complementar tudo, ouça, sinta a vibração e divulga e enalteça esse disco, tão empoderado, assim como “Lemonade” da megastar estadunidense Beyoncé, o grande lançamento musical do ano e da década.


19º) Não Ao Futebol Moderno - Vida Que Segue

O grupo gaúcho de rock alternativo Não Ao Futebol Moderno se envolveu de vez em uma mancada na metade de novembro e tiveram de explicar todos os motivos sobre o que se passou através do Facebook (o post já foi apagado). Mas antes disso, lançaram um dos excelentes discos do ano intitulado “Vida Que Segue” pelo próprio selo, a Umbaduba Records em julho. E vida que segue mesmo, pois apesar dos pesares, o grupo de Kílary Burtet, Marco Bueno, Pedro Appel, Francisco Maffei e Jonas Bustince trouxeram aos nossos ouvidos 10 canções deliciosas que nos parecem tortura, mas que são poesias do rock triste contemporâneo. Se há uma angústia profunda em “Cansado de Trampar”, podemos ter altas doses de lirismo em “Quintal”, mais “Peso Pesar” e também “Laços de Família” formam esse quebra-cabeça do álbum; e personagens como “Quase Jr.” e “Carlinhos” acabam também sendo os destaques essenciais deste disco. Um disco com uma sonoridade à la Mac DeMarco que vai demorar pra ser entendido como uma peça-chave que faltava nessa década meio estranha em meio a redes sociais e crises sociais, políticas, culturais e econômicas. A trilha sonora da nossa juventude dos últimos 5 anos.


20º) Fernando Motta -Andando Sem Olhar Para Frente

Como se não bastasse o exemplo de Jonathan Tadeu como um músico para ser ouvido e compreendido pela galera de hoje e também pelos críticos, não devemos esquecer aqui outro mineiro que vem pegando o embalo do pessoal da Geração Perdida de Minas Gerais, como o próprio Jonathan mais o aclamado Vitor Brauer e também Fábio de Carvalho, Sentidor e Pedro Flores, agora com o novato representante dessa galera, um cruzeirense de Belo Horizonte chamado Fernando Motta sendo mais outro representante dessa cena que está aos olhos e ouvidos de um pessoal super interessado. O seu ábum de estreia “Andando Sem Olhar Pra Frente” teve a ajuda de João Carvalho, membro dos projetos Sentidor e El Toro Fuerte na produção e gravação, além de Diego Soares Arcanjo (também da El Toro Fuerte) que cedeu seu home studio para conceber o disco. Aqui, o músico solta pérolas do seu cancioneiro como “Videokê” (quanto tempo eu não ouvia mais isso, meu santo Krishna?), a belíssima “Erro Coerente” e uma música que leva o nome de um ídolo da geração 80/90 “Macaulay Culkin”, que por sinal, tem uma sacada que merece ser reouvida várias vezes. Não há do que reclamar sobre o som e sobre o conteúdo do disco, a não ser que você seja quadrado e ache isso muito underground demais para você, que curta algo mais do tipo um funk ousado ou um arrocha daqueles que soam bem parecidos.

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