Um disco indispensável: Oktubre - Patricio Rey Y Sus Redonditos de Ricota (Wormo Discos/Patricio Rey Discos/DBN/Del Cielito, 1986)

O ano de 1986 estava previsto para ser o ano dos Redonditos, grupo argentino que surgiu no início do regime militar dez anos antes, quando um jovem guitarrista chamado Eduardo Beilinson, vulgo Skay e um experiente professor chamado Carlos Alberto Solari, apelidado Indio, de aparência mais velha, com pouco cabelo e barbudo, porém cheio de conhecimento sobre a cultura argentina e uma das figuras mais conhecidas de La Plata, cidade onde surgiu a banda em 1976. Seguiram nos trilhos do caminho para o sucesso e fazendo shows, mantendo até hoje uma dúvida, anos depois de sua separação em 2001, por diferenças artísticas e também por direitos audiovisuais de registros de shows. O grupo conseguiu ter uma entrada no sucesso de vez em 1982, devido aos grandes shows que eram populares na cidade de La Plata e também pela Guerra das Malvinas, onde a Argentina disputava com a Inglaterra o domínio das Ilhas Malvinas, ou Ilhas Falkland, como dizem os ingleses, e essa guerra deu mais acesso ao som roqueiro que fervia no país em meio à queda da ditadura militar argentina e músicos podiam em paz aproveitar e disparar todas contra o governo militar, logo quando Cristino Nicolaides foi o último presidente militar argentino a controlar o país de vez, já quando Raúl Alfonsin foi eleito o presidente responsável pelo processo de redemocratização do país. Muitas bandas como Sumo, Viudas e Hijas de Roque Enrou, Soda Stereo, Los Twist, Riff, La Torre, Los Fabulosos Cadillacs e os cantores da nova geração Charly García (desta vez, em carreira solo, depois de ter dedicado todos os anos 70 a projeitar carreira nas bandas Sui Generis, La Máquina de Hacer Pájaros e Serú Girán), Miguel Mateos-Zas, Celeste Carballo e Fito Páez são desta geração pós-Malvinas, e a banda Patricio Rey y Sus Redonditos de Ricota, ou também Los Redondos e/ou Redonditos apareceu como uma surpresa, onde músicos de formação beatnik acabavam fazendo canções de atmosférica cyberpunk, com referências a Guerra Fria e às tremendas revoluções ocorridas durante os últimos quarenta anos, e não precisaram depender de grandes gravadoras para fazerem sucesso ou de divulgar em programas de televisão, onde na maioria das vezes, tudo ficava mais na base do playback, seguiram a tendência do-it-yourself e os shows eram divulgados pelas "bocas", fazendo engrandencer o mito Patricio Rey. E tudo isso começou a se expandir em 1985, quando a banda lançou Gulp!, o primeiro disco da banda trazia um pouco de tudo o que se fazia no rock daquela época, como hard rock, punk rock, ska, reggae e blues, porém tudo iria melhorar a partir daquela época, embora o sucesso já tenha agradado a muita gente, mesmo sem aparecer na televisão e muito menos ter seus shows divulgados na mídia, embora as revistas Pelo e Humor já tenham caído na onda de Patricio Rey, os artistas da cena roqueira argentina tentavam entender como uma banda do tipo Patricio Rey, fazia enorme sucesso independente sem ter que precisar dos grandes veículos de mídia para que agrandasse mais o mito e a banda. No ano de 1986, a banda seguia apresetando o material de Gulp! e começaram a trabalhar em um disco que pudesse ter um conteudo explicitamente ideológico, com citações aos ataques de Chernonbyl.
Pôster do álbum concebido por Rocambole

Em agosto de 1986, Beilinson e Solari mais o baixista Semilla Bucciarelli, o saxofonista Wily Crook, o guitarrista de base Tito Fargo D'Aviero e o baterista Piojo Ábalos acabam entrando nos estúdios Panda em Buenos Aires depois de meses gravarem em um gravador portátil Tascam de oito canais e tentando buscar um novo som, de uma forma mais ousada e experimentalista, diferente dos padrões da época. E o título OKTUBRE, de onde veio? Simplesmente, de dois fatos históricos, o primeiro é o Oktubre Vermelho, ou Revolução de Outubro, a que fez com que os comunistas derrubassem o czar russo Nicolau II em outubro de 1917 iniciando a Revolução Russa e a Ditadura Comunista Soviética e o Outubro Peronista, ou Dia da Lealdade, onde houve uma manifestação para libertar o então coronel Juan Domingo Perón em 17 de outubro de 1945, movimentos de épocas diferentes que apresentavam ideologias de mais liberdade de expressão, onde o povo clamava por mais direitos políticos, ideais novos que rompessem com a velha política conservadora e suas leis mais redundantes. Baseada nas manifestações onde as bandeiras vermelhas (uma possível referência aos movimentos de esquerda e ao Partido Comunista) e nas revoluções que tem ocorrido, como as do sandinismo em 1979 na Nicarágua, a das Diretas Já em 1984, quando o Brasil lutava pelo processo de redemocratização durante o fim da ditadura militar, e assim ocorreram estes mesmos processos de redemocratização no resto dos países da América Latina, como na Argentina em 1983, no Uruguai em 1984 e menos no Chile, aonde o regime militar de Augusto Pinochet ainda seguia soberanamente, mesmo com as manifestações pelo fim da ditadura, a capa feita pelo artista plástico Ricardo Cohen, que assina suas ilustrações sob o pseudônimo de Rocambole, foi baseada numa visão de Indio Solari onde ele via bandeiras e multidões (nos lembra alguma coisa de junho de 2013?) "Primeiro iria ser tudo preto e vermelho, mas quando fui fazer mais abstrato, eu acrescentei o cinza, na tipografia há uma letra invertida e no reverso se vê a catedral de La Plata em chamas" e assim a capa mais conhecida do rock argentino foi definida pelo seu autor. Após as gravações, o álbum teve sua apresentação no clube Paladium, na capital argentina nos dias 18 e 25 de outubro, os dias que abalaram as estruturas da danceteria mais popular naqueles tempos, e logo o disco conquistaria de vez o público e fãs, como Fernando Ruíz Díaz, do Catupecu Machu e Manuel Quieto, da banda La Mancha de Rolando, os fãs devotos de Patricio Rey e dos solos de Skay e da poesia de Indio, ou podemos dizer Patricio Rey, segundo os boatos? O álbum começa com uma sequência de bombardeios e explosões, e é assim que começa Fuegos de Octubre, de melodias pesadas pós-punk e apenas um verso, que é executado de novo depois da parte instrumental movida pelos solos de guitarra de Skay e de Tito "De regreso a octubre/desde octubre/sin un estandarte/de mi parte/te prefiero igual, internacional" e o verso morre seguido dos últimos acordes de guitarra; já Preso En Mi Ciudad, com uma pegada mais baladista, porém traz um dos pontos fortes da banda, onde as letras com pegadas mais sexys e sotisficadas na base musical; e em Música Para Pastillas, na qual faz uma crítica sobre as tendências e as visões do povo naquela época, com direito a um duelo entre as guitarras e o sax de Crook, e dando ênfase a um som mais deprê, pra baixo; já em Semen-Up, Indio fala de uma paixão que a vê quase como um demônio, como se ela fosse uma tentação, um amor perigoso, já com a mesma levada de rock ao estilo balada pop, porém carregadas de levadas punks; e em Divina TV Führer, o punk e o ska ao estilo The Police caminham numa mesma linha musical, e a expressão de líder supremo do nazismo em uma música e não deixa passar batido; e em Motor-Psico, já dando ares mais dramáticos, com aquela forma crítica, sem deixar as influências e referências musicais; a música seguinte, Jijiji, acabou se tornando um clássico do rock argentino, não só pelo solo de guitarra de Skay ou pelos versos do refrão, mas por parecer que já nasceu um hino, se ouvir os primeiros acordes da guitarra, e assim segue até que se ouve coisas a respeito de Chernonbyl, a palavra mais ouvida nos últimos segundos da música, soando como se os sobreviventes da explosão da usina nuclear ucraniana falassem a respeito de coisas ocorridas em tal explosão; logo em Canción Para Naufragios, onde as críticas dos poderes autoritários são vistas como um bombardeio de "seis minutos", o tempo que um míssil viaja dos Estados Unidos até a Rússia; o final apoteótico de Ya Nadie Va a Escuchar Tu Remera, um grito de alerta da época de batalhas culturais onde o inimigo era mais difícil do que enfrentar um grupo de tarefas, num ritmo de punk e ska, dando fim ao que foi Oktubre, num estilo mais retrógrado e revolucionário.
O disco, segue até hoje causando impacto sobre discursos ideológicos, visões críticas das revoluções políticas e culturais, resultado de um grande impacto que geraria um estouro e vinda de novos fãs, e que acabou sendo listado como um dos discos clássicos do rock argentino, e nessa lista dos 100 maiores discos do rock argentino, Oktubre acabou se enquadrando num 4º lugar, atrás do álbum homônimo da banda Manal, lançado em 1970, de Clics Modernos, terceiro álbum solo de Charly García lançado em 1983, e de Artaud, do Pescado Rabioso (este disco já falamos por aqui, leia mais). Um disco lançado em outubro, feito para ouvir em outubro, mas também ouvir um ano todo a magia de Patricio Rey, nesse e em outros discos que mantêm aceso os fogos de Oktubre.
Set do disco:
1 - Fuegos de Octubre (Oktubre) (Skay Beilinson/Indio Solari)
2 - Preso En Mi Ciudad (Skay Beilinson/Indio Solari)
3 - Música Para Pastillas (Skay Beilinson/Indio Solari)
4 - Semen-Up (Skay Beilinson/Indio Solari)
5 - Divina TV Führer (Skay Beilinson/Indio Solari)
6 - Motor-Psico (Skay Beilinson/Indio Solari)
7 - Jijiji (Skay Beilinson/Indio Solari)
8 - Canción Para Naufragios (Skay Beilinson/Indio Solari) 
9 - Ya Nadie Va a Escuchar Tu Remera (Skay Beilinson/Indio Solari)



Comentários

  1. Grande resenha! Disco fantástico! :) Abraço, Gustavo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Valeu, Gustavo! A discografia dos Redonditos em geral é boa demais!

      Excluir

Postar um comentário

Por favor, defenda seu ponto de vista com educação e não use termos ofensivos. Comentários com palavras de baixo calão serão devidamente retirados.

Mais vistos no blog