Entre Cantos - Dazaranha (Independente, 2025)

Jovens do cyberverso, me ajudem com essa dúvida: o que é ser jovem em 2025? É ter de 10 a 18 anos e viver como um em pleno estado de evolução mental e seus momentos de fases e rebeldia? Talvez não, ser jovem é ter a idade que tem - não importa se você seja um adulto de 35 anos ou alguém com mais de 60 - ser jovem é o estado que sempre teremos apesar da idade. E esse é o segredo da eterna juventude do Dazaranha, que, parando pra pensar, conseguem ser rapazes na idade beirando os 50 anos e os 60 que nunca deixaram adormecer a juventude dos primeiros anos de carreira, dos seus primeiros álbuns. É seguir se antenando e acompanhando a evolução do público ao longo dos tempos - os mais antigos, os recém-chegados que descobriram através de seus pais que apresentaram o conjunto que permanece com o orgulho de ser e permanecer manezinho mais vivo do que nunca, de levar o nome da cidade de Florianópolis (SC) para o Brasil afora. Com o sucesso de Tribo da Lua (1998), que aclamou de vez o grupo para além de Santa Catarina, enfim, pôde saber que havia bandas boas atravessando o rio Mampituba e que não era só Porto Alegre a ter uma cena vasta de bandas interessantes no Sul brasileiro - Floripa entregava nomes relevantes desde Phunky Buddha, Rococó - futuro John Bala Jones, Stonkas Y Congas, Iriê, Primavera Nos Dentes, Victoria, Tijuquera - enfim, o álbum dos hits como a faixa-título, o carro-chefe Vagabundo Confesso, o clássico Retroprojetor e até Te Liga que contou com a presença do mestre do suingue Jorge Ben nos vocais. Da aclamação gigantesca, vieram sucessores brilhantes como Nossa Barulheira (2004), Paralisa (2007), Ao Vivo (2010) e Daza (2014) que marcou o início de uma nova parceria com o tecladista e produtor musical Carlos Trilha, também de Florianópolis e com um vasto currículo com passagens pela Legião Urbana como músico de apoio, Marisa Monte, Lobão, Erasmo Carlos, Autoramas, Danni Carlos enfim. Apesar da saída do vocalista Gazu anunciada em fevereiro de 2016, nada afetou com que a banda impedisse de apresentar Afinar as Rezas sete meses depois, novamente com Trilha produzindo. E para o Jubileu de Prata, a celebração de 25 anos em um álbum acústico e ao vivo dividindo o palco com a Camerata Florianópolis recriando diversos de seus sucessos que agradou o público e a crítica, e ocasionalmente realizam alguns shows juntos. A identidade cultural permaneceu viva em Catarina (2019) onde, além de belas canções, contou com a presença de Lenine em Se Tu Diz e do vocalista dos Raimundos, Digão na faixa Tu Tens Mais - o álbum teve uma repercussão boa e estava sendo apresentado durante uma tournée até que veio a pandemia da covid-19. E então tudo de repente parou.
JC, Chico, Gerry, Fernando, Moriel, Adauto e Dinho
(da esq. para a dir.): o insuperável Dazaranha
(Tóia Oliveira/reprodução Facebook)
No início de 2020, a banda estava iniciando uma nova parceria com a Midas Music, selo dirigido pelo produtor musical Rick Bonadio, responsável por alçar ao sucesso Mamonas Assassinas, Charlie Brown Jr., Tihuana, NX Zero, Fresno entre outros artistas. A parceria Daza + Midas prometia muito - singles foram lançados como Deixa Acontecer em parceria com Vitor Kley, Vai Saber, Flutuar, Como o Céu e Mar, Navegador e a emocionante Saiu da Vida Torta, que rendeu um belo videoclipe. E um álbum de inéditas chamado 30 Anos, com alguns desses singles mais faixas inéditas como por exemplo Curandeiro, Insônia mais Viver e Seguir, mas talvez um pouco longe da identidade sonora que faz parte do conjunto, apesar de serem excelentes temas e com arranjos que valem a pena uma audição reparada. Logo em seguida, a banda decidiu levar por diversas cidades de Santa Catarina a tour 30 Anos de forma gratuita, começando pela capital que viu a banda nascer no dia 8 de outubro de 2022 no Largo da Catedral entre a própria Catedral Metropolitana, o Palácio Cruz e Sousa e a Praça XV de Novembro - lotando em torno dos degraus da escadaria da Catedral e no entorno da Praça e nas ruas próximas, foi uma noite que parou a cidade para reverenciar o conjunto e sua trajetória em hits diversos e algumas músicas inéditas - e a tour de shows gratuitos estendeu-se até dezembro de 2023 com um show junto da Camerata Florianópolis, com quem dividiram o palco em várias ocasiões da tour. Em 2024, era a hora e a vez da banda seguir na estrada e provavelmente iniciar um novo material de inéditas enquanto caíam na estrada levando sua música boa de qualidade até fora de SC - a partir de abril, Moriel Costa (voz, violão e guitarras), Chico Martins (voz, guitarras e violões), Adauto Charnesky (baixo), Fernando Sulzbacher (violino), Gerry Costa (percussão), Dinho Stormowski (guitarra e vocais) e JC Basañez (bateria) decidem montar o repertório e novos arranjos do que viria a ser o próximo álbum recheada de diversas criações poético-musicais de Moriel, Chico e é claro de JC que já se mostrava um compositor afiado poeticamente desde 2014 quando suas composições pararam no álbum Daza. Dessa vez, a banda não contaria com a presença do pessoal da Midas, uma vez que a parceria não foi pra frente, apesar dos singles terem tido uma boa repercussão entre os público, e assim decidiram voltar aos trabalhos com Trilha e dentro de casa - nesse caso, Floripa. As gravações foram acontecendo durante o final de 2024 nos estúdios Orbita, dentro da capital catarinense tendo como envolvidos na gravação Mauricio Peixoto e o próprio Trilha, que também cuidou da mixagem e masterização além de tocar teclados e fazer programação. O álbum Entre Cantos foi apresentado a amigos e convidados em um evento no Berlin, espaço cultural no Centro da cidade no dia 22 de maio, e no dia 26 com um pocket show divulgando algumas faixas no Largo da Alfândega para o público e enfim no dia 29 foi para as plataformas digitais mostrando o mesmo Dazaranha de sempre: uma musicalidade solar, repletas de elementos que mantêm vivo a identidade manezinha sempre presente no cancioneiro do grupo. A capa foi um projeto gráfico da equipe b+ca e as fotografias da banda foram criações da parceira de longa data da banda, a fotógrafa Tóia Oliveira - que a nove anos vêm clicando a banda, e as sessões de foto foram realizadas junto dos clipes ou visualizers filmados em lugares como o Campeche, a Praia Mole, a Guarda do Embaú e a caixa d'água onde a banda ensaia.
O Dazaranha em foto de Tóia Oliveira para promover
o álbum "Entre Cantos" (reprodução/NSC Total)
O álbum logo começa com uma pedrada - Cometa é uma obra do baterista JC Basañez e narra esse desejo de estar apenas com a pessoa amada numa ilha e para as estrelas, criando um mundo imaginário para o amor deles, a pegada reggae ganha mais peso no refrão com as guitarras de Chico - que é quem também dá a voz ao tema; em seguida, temos o grande single do álbum - Calmaria foi a primeira faixa a ser apresentada a poucos dias de 2024 terminar, mostra essa coisa da mulher que é apaixonada pelo mar e descreve como uma filha de Iemanjá que gosta de brincar na areia, o som que se aproxima da levada de samba traz um solo de violino de Sulzbacher e a voz suave de Moriel, que sempre um compositor de mão cheia buscou a história de uma menina estudante de biologia que estuda a fauna e a flora - um tema que nasceu absolutamente clássico conquistando a todos; o tema seguinte busca dar valor a esses lugares históricos que vão além de Florianópolis, é o caso de Guarda, onde o eu-lírico busca estar em busca do amor e possa imaginar que esteja até mesmo na Guarda do Embaú, localizado na Palhoça a 56km da capital e deseja que um dia eles se vejam por lá, digamos aqui que a suavidade melódica da música funciona perfeitamente com a presença de Trilha fazendo programações e um órgão que complementa a base; a próxima faixa é considerada a queridinha de muitos fãs e conquistou a todos na primeira escuta - Meu Paraíso é um hino onde se demonstra apagar toda mágoa e ressentimento e nascer mais flores, é a sensação de estar amando em uma noite romântica de verão seja na ilha do Campeche ou na Lagoinha do Leste, aqui temos uma canção que remete à doçura do soft rock dos anos 70, e é claro que as guitarras melodicamente funcionam como condutores da melodia ao lado do baixo sedutor de Charnesky, a percussão de Gerry mais a bateria de JC dando essa leveza sonora; adiante, contamos com outro acerto em cheio do repertório deste álbum, Tambores narra uma ode à alegria e enaltece os amantes do som das praias e da natureza do mar de uma forma em que a poesia se torna uma obra de arte, assim como o arranjo em que a percussão ganha seu forte destaque aqui; na próxima faixa, o grupo não deixa de errar e isso é prova absoluta em Do Teu Lado, onde se fala sobre como as coisas acabam acontecendo e Moriel ainda dá a real de que ninguém é superior a ninguém e que não faz bem, e a base regueira vem forte dessa vez, guitarras e violino como sempre fazendo parte da alquimia sonora do conjunto; em seguida, temos novamente outro petardo que não deixa ninguém parado, estou falando é claro da perfeita Armadilha, onde brinca com os encontros coincidentes da vida e brinca com antepassados até mostrar que chega o amor e bota pra ferver, o arranjo de reggae mantêm desde a presença do ukelele tocado por Chico até o violino de Fernando que lembra até música árabe no solo - algo que nos encanta de ouvido; e quando é pra enaltecer as belezas de Santa Catarina eles fazem bonito,e Tuas Praias é a música certa, em que destacam diversos paraísos balneáveis do estado que vai desde as célebres praias de Florianópolis até as de Garopaba, Imbituba, Palhoça entre tantas, com um som bem alto astral e uma base bem roqueira alinhando com os versos, é daquelas canções que dá vontade de pegar o carro e percorrer o litoral catarinense ouvindo e procurando cada uma das praias pra aproveitar; a seguir, nesse belo caminho percorrido da escuta do álbum, continuamos com outras belas composições e dessa vez Moriel nos entrega Vai ou Não Vai numa narrativa rica sobre a sensação de que a vida têm sido boa e que nos convida a dançar e celebrar a vida e pergunta por onde o eu-lírico vai, os magos do ritmo Gerry e JC nunca erraram e não ia ser diferente aqui com bateria e percussão mantendo o rumo que a música precisa seguir; e como não pode ser diferente, o conjunto musical ainda prefere entregar pérola atrás de pérola, e em Vira Essa Boca Pra Lá em que se destaca a narrativa de mostrar sentir sua alma livre sendo feliz repleto de amor e de esperança como é de lei, o violão dá uma diferenciada no som e carrega uma riqueza sonora incrível além da voz de Chico Martins que segue a entregar demais; e terminando de vez o álbum, o encerramento é coisa linda de se ouvir - Onde Nascem as Bruxas busca uma narrativa mística e encantadora baseada no folclore e nas lendas, muitas delas reproduzidas por Franklin Cascaes (1908-1983) importante pesquisador e figura importante da cultura manezinha, o misticismo ronda até na sonoridade, com o violão de Stormowski consegue mostrar essa beleza sonora acompanhada do violino e da viola de Fernando com a percussão magistral de Gerry mais o baixo de Adauto e a voz de Chico nos levando a esse realismo fantástico em forma de canção que encerra primorosamente este trabalho.
Dizer que este álbum não é uma obra de arte certeira é quase ousadia, uma vez que o conjunto sempre soube acertar bem a cada lançamento e é difícil imaginar que a retomada da parceria com Trilha não teriam frutos novos ao colherem - e souberam acertar neste retorno magistral da parceria. Com este trabalho, o Daza manteve forte sua identidade sonora e conseguiu em Entre Cantos fazer do seu limão uma bela limonada manezinha e podemos reconhecer que a maré sempre estará boa pro lado deles, até porque sabemos que em time que está ganhando jamais se mexe. E que Entre Cantos siga a colher muitos frutos depois do lançamento.
Set do disco:
1 - Cometa (JC Basañez)
2 - Calmaria (Moriel Costa)
3 - Guarda (Chico Martins)
4 - Meu Paraíso (Chico Martins)
5 - Tambores (Chico Martins)
6 - Do Teu Lado (Moriel Costa)
7 - Armadilha (Moriel Costa)
8 - Tuas Praias (Moriel Costa)
9 - Vai ou Não Vai (Moriel Costa)
10 - Vira Essa Boca Pra Lá (Chico Martins)
11 - Onde Nascem as Bruxas (Chico Martins/Angela Christina)

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