Sheer Heart Attack - Queen (EMI Music/Elektra Records, 1974)

Quadro-geral da carreira do Queen nos primórdios: três músicos da cena roqueira universitária de Londres começaram a se juntar pra fazer música no final dos anos 60, um era estudante de astrofísisca que chegou a passar um período em Tenerife (Espanha) chamado Brian Harold May e tocava guitarra, o outro era estudante de odontologia e tocava bateria e o último era estudante de design, tocava baixo e cantava, de nome Tim Staffell, o trio atendia pelo nome de Smile, fazendo alusão ao curso que Taylor cursava. O grupo surgiu numa época exata: enquanto os Beatles lançavam o Álbum Branco e viviam um novo auge, mas já maduros e buscando outros rumos, o rock estava lançando novos nomes de peso. Bandas já consagradas como The Kinks, Rolling Stones e Who estavam vivenciando novos desafios e lançando discos mais ousados e com concertos gigantescos, grupos novos estavam começando a dominar o cenário na terra do chá das cinco e berço do futebol (i'm sorry, Brazil), a começar por duas que ainda traziam acesas um pouco a chama colorida da psicodelia, especificamente Led Zeppelin e Deep Purple, a primeira com uma discografia aclamadíssima e seus dois primeiros discos sendo sucesso imediato, enquanto o Purple já começava também a inovar gravando com orquestra um disco todo e depois explorando um som próximo do que seria o heavy metal, gênero que estava emergindo aos poucos com uma das bandas pioneiras, a Black Sabbath, tendo entre seus integrantes o vocalista Ozzy Osbourne e o guitarrista Tony Iommi. O que também estava começando a acontecer no rock inglês era a cena progressiva, com discos onde exploravam os limites da sonoridade psicodélica, transformaram seus trabalhos em obras de arte desde o repertório cheio de arranjos inteligentes onde teclados reinavam soberanamente e guitarristas exageravam nos solos até nas capas com conceitos tão modernos e diferentes, e quatro bandas se destacam em específico: King Crimson, Genesis, Yes e Pink Floyd, que viriam a lotar arenas de forma impressionante atraindo quase peregrinamente seus fãs. E o Smile, um trio que surgiu no embalo de outros trios como o já separado na época Cream tendo como principal integrante o guitarrista Eric Clapton, buscava uma identidade e um espaço, embora tocavam o que estava em alta na época, e foi na virada da década que o grupo sofreria a mudança que benefeciaria para a carreira deles: Staffell decide partir para um grupo que prometia estourar na Inglaterra chamado Humpy Bong, e deixa vago o seu lugar quando um jovem estudante de artes chamado Farrokh Bulsara, que em princípios já começaria a carreira musical como Freddie Bulsara, que sugeriu a mudança do nome - usando a metáfora de ser um país administrado pela realeza e usando seus conhecimentos em arte, optou pelo nome de Queen, e depois de vários baixistas, entraria de vez John Deacon, estudante de engenharia eletrônica. Pronto, nascia assim uma das mais importantes bandas de rock a transitar pelo caminho mais pop ao mesmo tempo, com uma logo que tornou-se marca registrada da banda: um Q rodeado por uma coroa dentro, ao lado dois leões representando o signo de Leão (John e Roger), um caranguejo representando Câncer, o signo de May, e duas fadas representando Virgem, signo de Freddie Mercury - o sobrenome Mercury foi retirado após gravar My Fairy King que ele achou interessante e decidiu adotar de vez como nome artístico. Com um contrato nas mãos, assinado com a Trident Studios - um estúdio de referência na época onde nomes como Sabbath, Elton John, David Bowie, Yes, Frank Zappa e até os Beatles já realizaram suas gravações históricas por lá. O Queen enquanto não conseguia uma gravadora que realmente os lançasse, eles aproveitavam as livres horas de uso para realizarem suas proezas sonoras, que se resultaram no primeiro LP que levava justamente o nome da banda, lançado em 18 de julho de 1973. Com um sucesso mediano, sem muitas expectativas, apesar do sucesso de Keep Yourself Alive render algo positivo como shows pela Europa e algumas aparições na televisão, a banda sabia que queria mais, então retomaram aos estúdios onde criaram o segundo trabalho discográfico, mantendo o mesmo esquema: apenas os quatro em estúdio fazendo tudo, guitarra, baixo, piano e bateria e sem a adição de sintetizadores, já que Freddie tinha uma certa ojeriza pelos instrumentos modernos que imitavam qualquer som programado.
Se o primeiro disco, que na época chegou a ser considerado um patinho feio no meio de tantos sucessos na época, podia ter sido um sucesso para seu tempo, mas, eles decidiram entrar em estúdio e seguirem inovando - com o segundo LP intitulado Queen II a história mudaria aos poucos, apesar de Seven Seas of Rhye ajudou a manter a banda nas rádios. O terceiro disco parecia ser um fantasma que assombraria o grupo, e assombrou mesmo quando, durante as gravações, Brian May acaba passando mal e não consegue acompanhar as gravações do disco, tendo que ser levado para a maca de um hospital tendo que operar de uma úlcera gástrica, e vindo a gravar suas partes do disco somente depois que a banda já tinha completado sua parte. O disco teve suas gravações realizadas nos estúdios AIR, Trident e Wessex em Londres e Rockfield nos vizinhos do País de Gales de julho a outubro de 1974 com Roy Thomas Baker na produção ao lado da banda, com o engenheiro Mike Stone além de Mick Rock estampar a capa e a contracapa fotos dos quatro todos trabalhados no suor, o que segundo Mercury, foi um trabalho a sessão de fotos. A música que abre logo de cara este disco nos oferece um chumbo grosso, Brighton Rock é a história de dois jovens chamados Jenny e Jimmy que se encontram em um feriado público, uma história que lembra Quadrophenia do The Who, com um peso na guitarra e na bateria e uma coisa bem pauleira mesmo; na sequência, a faixa de destaque que tornou-se grande hit, Killer Queen e sua letra narrando a forma como uma prostituta chega à alta sociedade e seus fascínios com tanto luxos botou a banda de vez no topo das paradas, gravada após a internação de May, Freddie soube colocar bem voz na sua criação, a canção que tem esse ar de pop setentista misturado com referências sonoras ao estilo cabaret chanson, marcado pelos vocais da banda (apenas Freddie, Roger e Brian nos coros) dá esse toque muito retrô pra época, dando uma identidade sonora icônica pra música que acabou virando marca em canções da autoria de mr. Bulsara (Freddie) ao longo dos tempos; em seguida, temos uma sequência unida por três faixas que se conectam: a primeira, uma canção mais diferenciada, com ares folk, Tenement Funster é uma das criações de Taylor onde ele fala sobre juventude e rebeliões como em algumas de suas canções, o violão tocado por Deacon dá um tom bem country-folk pra música; a próxima música dessa sequência tripla é um destaque do repertório à parte, pois lembra muito a pegada hard da época em Flick of the Wrist, uma canção que você parece achar que é sobre alguma relação amorosa em crise, mas não, é sobre a forma como Freddie via a relação da banda com os irmãos Sheffield, donos do Trident Studios que cuidavam da carreira, pois a banda ainda era como empregados deles, a canção (liricamente e sonoramente) com ares bem teatrais ganha um tom que dá essa pegada roqueirona ouvindo a base, em especial a guitarra e a bateria, se formos escutar bem
; e fechando essa sequência que é um medley, temos aqui outra pérola de Freddie em que ele fecha esse ciclo das três canções, Lily of The Valley é baseada no universo de Rhye que Freddie criou quando jovem que veio em letras como Seven Seas of Rhye e em My Fairy King, porém, Brian declarou que se tratava de olhar para a pessoa amada e sentir que seu corpo precisava estar em outro lugar, o piano e a voz de Freddie soam como mágicos ao longo desta canção; o tema que fecha o lado A deste vinil é o rockão Now I'm Here, tema de grande destaque no disco composta por May ainda no hospital e inspirado durante uma tour pelos Estados Unidos com a banda Mott The Hopple do seu ponto de vista, embora um dos versos, especificamente esse "Whatever came of you and me, I'd love to leave my memories with you" (O que quer que venha de mim e de você, gostaria de levar minhas lembranças com você - tradução livre) soa como se Freddie cantasse sobre ele e Brian e em especial sobre a amizade entre os dois - de vida e música, e a pegada roqueira dá esse tom preciso de metal e glam - pura dose de hard setentista marcado pelos riffs de guitarra de May e os coros feitos por ele, Mercury e Taylor - a combinação certa para a química de um hit da banda à época; o disco tem um lado B que já começa bem, tendo In the Lap of The Gods, uma história de amor envolvente que mistura um pouco de misticismo, pois se trata dos deuses, mais provavelmente algo a ver com o zoroastrismo, religião de Mercury, e o destaque ficam os vocais de mr. Bulsara com os agudos de Taylor funcionando bem para a canção; em seguida, entra aqui uma canção com mais peso e que vai por um caminho diferente, Stone Cold Crazy é a letra que busca falar sobre alguém que é extremamente louco nas suas ideias e tem uma má reputação, marcada pela atmosfera pesada com um rock bem cru e grosso - o instrumental ajuda nessa parte, e que basicamente soa como thrash metal bem antes de existir definitivamente nos anos 80 com Metallica - que regravou a canção anos depois; a seguir, um tema não muito longa pro repertório, Dear Friends funciona como um intervalo entre uma música e outra, uma espécie de pausa, falando sobre o amargo término de um romance, marcado pelo piano melódico executado por May e a voz soberba de Freddie em apenas um minuto e sete segundos de duração - belo e tocante já é o máximo a se definir; a faixa seguinte já dá um passo bem marcante, já que Misfire torna-se logo a primeira canção de John Deacon a entrar no repertório de um disco da banda, fala sobre a insinuação em um sexo em que o eu-lírico pensa que seu "instrumento" é um sucesso ou fracasso, aqui temos dose de Deacon ao violão e na outra guitarra elétrica presente na faixa, já que é ele e May que tocam juntos com direito a referências sonoras muito caribenhas - presentes em canções de Deacon; em outro tema não tão longo, o Queen incorpora suas referências mais clássicas em Bring Back That Leroy Brown é inspirada em Bad, Bad Leroy Brown de Jim Croce, que faleceu um ano antes, uma história bem de faroeste envolvendo um bandido que apronta todas e se ferra no final, com quase dois minutos de duração, tem o ukulele e o banjo tocados por May, que dão essa característica country até; a próxima faixa tem o peso das rock ballads que estavam começando a pipocar, She Makes Me (Stormtrooper in Stilettoes) é a história do cara que vive com a mulher que tem uma relação e é cruel com ele, e mesmo assim não suporta ir embora, os vocais suaves de Freddie mais o violão de Deacon e a guitarra de May conseguem funcionar bem para a música; o encerramento do LP fica por conta de uma vinheta que é a chamada versão Revisited da mística In the Lap of The Gods, uma letra que não combina com a faixa que abria o lado B, mas que nessa faz um sentido para alguns, para outros não - pode ser que fale de um casal em crise a um ponto de terminar, e que tem um auge com o coro no refrão, além do piano de Freddie casando com a melodia do baixo de John Deacon, e logo no momento final... uma explosão anuncia o fim do disco.
A banda conquista o cenário principal do rock a partir desse disco, e isso deve ao fato de Killer Queen de vez no topo, mas foi graças a este disco, voltaram a fazer concertos nos EUA e na Europa, mas levou eles também ao Japão, onde conquistaram o público logo de imediato. Eles estavam começando a aocntecer de vez, cresceram mais artisticamente, porém, conflitos internos com os irmãos Sheffield da Trident e a busca por liberdade dentro do grupo, além de não acharem que a carreira estava em boas mãos. Logo durante o resto do ano de 1975, eles viriam a juntar o material que se tornaria no sucessor e genial A Night at the Opera, mas aí já é uma outra história. Após anos esquecido pelo público, o disco foi lembrado aos poucos e ganhando um determinado culto ao longo dos anos, e foram diversas listas que lembraram desse disco, algumas inclusive de melhores álbuns de rock dos anos 70, e foi lembrada até na dos 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, que destacou a importância desse disco em meio ao caos que foi a saúde de May, que soube se recuperar e ainda deixar sua marca neste e em outros álbuns da banda.
Set do disco:
1 - Brighton Rock (Brian May)
2 - Killer Queen (Freddie Mercury)
3 - Tenement Funster (Roger Taylor)
4 - Flick of the Wrist (Freddie Mercury)
5 - Lily of The Valley (Freddie Mercury)
6 - Now I'm Here (Brian May)
7 - In the Lap of The Gods (Freddie Mercury)
8 - Stone Cold Crazy (Freddie Mercury/Brian May/John Deacon/Roger Taylor)
9 - Dear Friends (Brian May)
10 - Misfire (John Deacon) 
11 - Bring Back That Leroy Brown (Freddie Mercury)
12 - She Makes Me (Stormtrooper in Stilettoes) (Brian May)
13 - In the Lap of The Gods... Revisited (Freddie Mercury)

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