Exile On Main Street - The Rolling Stones (Rolling Stones Records, 1972)

Vamos parar para pensar: qual a fórmula da longevidade de uma banda durar tanto como os Rolling Stones, que, em julho completam 60 ANOS (sim!) de carreira e de estrada, o que fazem eles para manterem tanta longevidade assim? Simples, tirando os excessos e as loucuras de uma banda, como Charlie Watts tomar banho, botar um terno e fazer a barba pra dar um soco em Mick Jagger depois de ser chamado de "o meu baterista" e de Keith Richards ter usado mais droga que Amy Winehouse, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison e se formos imaginar, até mais que Tim Maia, eles são o que podemos realmente chamar de resistência e deve-se também ao fato de sempre estarem dispostos a provarem que mesmo com uma idade muito superior, ainda conseguem mostrar que, mesmo sem boa parte dos músicos originais (Charlie Watts faleceu em setembro de 2021), ainda conseguem oferecer um som a nível de outros tempos. Para uma banda, que, nos anos 60 surgida da costela do Alexis Korner's Blues Incorporated de one Mick Jagger e Charlie tocavam, e do encontro com Keith Richards até o momento de se juntarem e ganharem um contrato respeitoso com a Decca Records onde ali começou a carreira discográfica de uma genial e ousada banda, que em um de seus primeiros compactos teve gravação até de uma composição da dupla Lennon & McCartney, é claro, I Wanna Be Your Man, lançada antes dos próprios Beatles com meses de diferença. Do primeiro disco até estourarem em 1965 com o mega-hit (I Can't Get No) Satisfaction que marcou presença no LP que virou o primeiro álbum de enorme sucesso da banda, Out of Our Heads, e depois só lançando obras de arte: o primeiro ao vivo Got Live If You Want It (1966), seguido da clássica Aftermath (1966) onde fomos apresentados ao clássico Paint It Black, o pop atemporal Between The Buttons (1967), e ainda na época da perseguição midiática e policial (Keith, Brian e Mick seriam presos naquele ano) a quase esquecida experiência psicodélica Their Satanics Majest Request (1967) já mostravam a banda num gigantesco patamar, fazendo concertos esporádicos e inovando muito nas sonoridades... a volta às raízes do blues, com Beggars Banquet (1968) colocou a banda novamente nos eixos e, enfim, trouxe de novo uma faceta que colocasse a identidade sonora dos Stones mais flertada também com a música americana, mas, com um futuro pela frente que mal imaginavam - com a contracultura dominando, o auge da onda hippie marcada pelos excessos de drogas, havia uma hora que certas coisas estavam passando dos limites, e o vício excessivo de Brian Jones já não estavam sendo perdoáveis para a banda e decidiram de vez expulsá-lo não sem antes buscarem um novo guitarrista. Para fazerem essa quase difícil missão, a banda, que na época contava com um empresário que estava sendo também a dor de cabeça para Paul McCartney chamado Allen Klein, estava buscando um guitarrista que seja prestativo nos serviços musicais da banda e o sortudo foi um jovem de 19 anos chamado Mick Taylor, que estava no John Mayall & Bluesbreakers, grupo que revelou nomes que depois montariam grupos como Cream e Fleetwood Mac, seria o novo membro da banda e fariam uma apresentação no Hyde Park logo após a morte de Brian, a primeira desde 1967. O primeiro trabalho de Taylor nos discos dos Stones foi já em Let It Bleed gravando guitarras em duas faixas, e logo durante a primeira tour americana em anos 
(incluindo o esquecível e trágico festival de Altamont), ele participa dos concertos em Baltimore e em New York onde se gravam registros para o segundo ao vivo do grupo no último material da banda pela Decca Records, e com um problema maior: tendo mais autonomia, desde o repertório até no conteúdo visual gráfico, eles decidem criar a Rolling Stones Records logo no momento que descobrem que o catálogo deles de 1963 até 1970 estava em propriedade da ABKCO, empresa de Klein, para lançamento nos EUA. Por anos, uma batalha na Justiça se prolongaria essa situação toda, já que é nessa virada de década que Keith e Jagger começam a ser mais cuidadosos com seu catálogo e com tudo que envolviam discos e concertos. O disco que inaugurou esse novo ciclo, independentes e donos do próprio nariz foi Sticky Fingers, que também inaugurou a simbólica logotipo da banda, a boca com a língua de fora que é uma criação de John Pasche com algumas modificações de Craig Braun, que trabalhava com o autor da emblemática capa deste LP: Andy Warhol. Porém, problemas financeiros começariam a incomodar a banda pois estavam devendo mais impostos do que poderiam pagar, e insatisfeitos, decidiram deixar o país e achar um refúgio paralelo a Inglaterra - escolheram a França como um auto-exílio, onde lá não eram nem incomodados pela imprensa uma vez que as casas dos músicos, em especial de Jagger e Richards, eram sempre cercada de fotógrafos e jornalistas querendo um furo da vida pessoal deles, foi preciso encontrar de vez a tão sonhada paz de sossego e direito a privacidade. 
Foi aí que Jagger, que estava com sua nova esposa, Bianca Pérez Mora de Macías, decidiu se refugiar em Paris enquanto Richards alugou uma mansão usada pelos nazistas na II Guerra Mundial chamada Nellcôte em uma cidade perto de Nice chamada Villefranche-Sur-Mer, enquanto Wyman, Watts e Taylor decidiram se fixar no Sul francês. Com composições inéditas e muita coisa feita desde 1968, porém, muitas delas não foram dadas para Klein as canções quando ainda contratados da ABKCO, já que enquanto contratados de Klein, ainda tiveram de apresentar Brown Sugar e Wild Horses para ele ainda que o contrato acabasse. Com demos feitas em Londres no Olympic Studios, que era quase uma espécie de QG musical da banda, e na casa de campo de Jagger em Stargroves enquanto preparavam e produziam Sticky Fingers, o marco inicial da banda independente - distribuída nos EUA pela Atlantic Records, importante gravadora que lançou nomes como Ray Charles, Aretha Franklin e a sensação da década de 1970, o fenômeno do rock Led Zeppelin, que já estava com seu quarto LP na praça. Em julho de 1971, com o caminhão da unidade móvel de gravação chegando na casa de Keith em Nellcôte e ali a banda iniciava o novo material continuada quase um ano depois do esboço em Londres e na casa de campo de Mick, agora era trabalhar pra valer - com um baita casarão francês, cada um em um canto da mansão, novamente com Jimmy Miller produzindo mais um álbum da banda desde Beggars Banquet, e tendo os diversos músicos convidados para darem um toque a mais, como o saxofonista Bobby Keys, os tecladistas Nicky Hopkins, Ian Stewart e Billy Preston, o trompetista Jim Price, e Miller dando uma canja na percussão entre outros tantos músicos de apoio. E muitas pessoas que eram do círculo de amigos da banda acabavam visitando e passando por ali, como os escritores Terry Southern e William S. Burroughs, o executivo que administrava o selo da banda, Marshal Chess e o icônico cantor country Gram Parsons, que não ficou muito tempo lá e, após conversas de Jagger e Richards no que dizia respeito ao próprio Parsons, amigo do guitarrista, foi decidido que ele voltaria pros EUA onde o doidão do country retomaria o projeto de carreira solo. Era o auge do vício de Keith em heroína, e na época estava namorando Anita Pallenberg, e Jagger estava se casando com Bianca - a vida da banda ia a mil. O final das gravações só seria ocorrido em março, com overdubs adicionais feitos no lendário Sunset Sound Studios em Los Angeles, com algumas faixas vindas ainda do porão-estúdio de Nellcôte, e no final, com o disco já pronto de vez, a banda criou Exile on Main St., lançado em 12 de maio de 1972 e com uma surpresa na capa - criação de Robert Frank onde usou imagens de seu livro icônico The Americans, e na contracapa misturou com imagens da banda e de uma assistente da banda, e 12 cartões postais com imagens da banda feitas por Norman Seeff. E mais, sendo este o décimo álbum de estúdio, este seria um álbum duplo - levando dois discos num só, e tendo dezoito faixas surgidas desde 1968.
O álbum já começa logo com um clássico de peso da autoria da dupla dinâmica do rock, a icônica e extremamente ácida Rocks Off marca ali o ponto de partida deste LP através da sua guitarra nervosamente embalante, inclusive, fazendo breves menções ao uso de drogas ilícitas - especialmente heroína, muito usada pelos Stones em especial por Keith na época e aqui com uma boa pauleira garantida, tanto pela guitarra quanto pelo piano de Nicky Hopkins mais os metais de Jim Price e Bobby Keys, mas os vocais também se superam; a seguir, temos a faixa mais curta deste disco que é Rip This Joint em que narram sobre a vida nas estradas pelo Sul dos Estados Unidos onde cidades são mencionadas e descreve o zelo dos fiscais de alfândega de olho em uma banda famosa por consumo de drogas, a levada nervosa dá quase uma proximidade com o que seria o punk, mas no estilo mais stoner e com saxofone; ainda trazendo um pouco da essência blueseira raiz permanente na sonoridade da banda, eles trazem para o disco Shake Your Hips, um clássico do blues da autoria de Slim Harpo fala sobre remexer os quadris numa dança diferente sem usar as mãos e a cabeça e reverenciando o próprio autor da canção, seguindo a atmosfera das raízes do rock trazendo Jagger na boa e velha gaita e com a presença dos sopros, além da boa marcação rítmica e da guitarra que se destacam por aqui; outra música que também se destaca seja pela presença do elemento principal que consolidou a banda (o blues) é Casino Boogie que faz esse caminho de ir por falar sobre uma aventura na noite mesclada de diversas referências culturais em especial de William S Burroughs, além do baixo tocado por Richards e da bateria se destacando, temos aqui a bela guitarra de Taylor provando não estar na sombra como se pensava; mais adiante, seguimos com um grande destaque do repertório do disco, Tumbling Dice foi composta quando Jagger conversava com a governanta sobre jogos de azar, que ela curtia, e inspirado nas conversas, compôs a história de um jogador promíscuo e ao mesmo tempo sobre jogo e amor, com um belo coral feminino de destaque, o piano e os metais soam sublimes abrilhantando mais a canção; a breve passagem do amigo country doidão de Richards em Nellcôte influiu em um tema, a baladona country Sweet Virginia soa como uma narrativa do uso de drogas de um sujeito e suas viagens - os violões levam essa música a esse patamar bem roots e mais próximo à Califórnia e Nashville do que ao Mississippi; continuando com o lado mais baladista, eles ainda destacam na primeira parte do LP a doce e controversa Torn and Frayed, que parecia levar pra dentro da canção as loucuras de uma banda em tournée rodeada de groupies, traficantes e alguns papagaios de pirata (fãs, assessores) e ainda temos uma forte ligação entre a parceria amistosa entre Keith e Gram Parsons fazendo a música soar bem country pelos elementos como a guitarra e o violão soando na mesma harmonia, temos aqui Jim Price mandando ver no órgão; mais pérolas ainda seguem a aparecer neste disco, como no caso de Sweet Black Angel que fala sobre a ativista dos direitos civis Angela Davis, que na época presa em fins de 1970, trata-se também de um caso raro na banda de canção com fortes viés políticos, aqui com a levada bem mais voltada pro country e pro folk à la Dylan possivelmente, violão e gaita casam perfeitamente aqui de forma maravilhosa; fechando o primeiro bolachão, temos aqui uma outra marca que faz as honras de ser um destaque também, Loving Cup busca explicar para nós sobre as realidades sombrias da vida normal para que, enfim, possamos sentir que precisamos do verdadeiro amor - iniciada durante as sessões do tenso Let It Bleed no Olympic Studios, só conseguiu encontrar um lugar em um repertório concebido no porão de um casarão que já foi ocupado por nazistas na França, temos aqui o peso da guitarra quase ofuscado pelo brilhante piano do saudoso Nicky Hopkins e as camadas de sopros da dupla Keys & Price num rockão que não decepciona em nenhum momento, e olha que ainda estamos só na primeira parte.
O segundo volume dessa delícia se repete a dose de sonzeira garantida, iniciada por uma grande pérola em que conta mais com a parte de criação de Richards, falo sobre Happy na qual mostra coisas que remetem à sua vida, como a vez que foi expulso da escola por evasão, a vontade de gastar dinheiro in loco, e aqui Richards mostra-se até um bom cantor, além de guitarrista excelente, com a forte presença de metais e a percussão de Miller; a próxima faixa conta com esse toque dos primórdios do rock, do blues e country especialmente - Turd on the Run fala sobre um cara que se apaixona por uma mulher que gaba mais de si e deixa de amar total, e com a guitarra e a marcação rítmica mandando ver, quem não iria se embalar com um sonzinho bem americano que lembra os anos 50? Em seguida, eles mandam ver em outra sonzeira que merece toda a atenção do leitor/ouvinte - estou falando da embalante Ventilator Blues, falando sobre o caos que atormenta o eu-lírico em uma vida sufocada em seus sentimentos e que tem essa pegada bem flertada também com o soul pelos metais, além do destaque para o baixo de Wyman e uma das raras vezes em que Jagger e Richards tiveram um terceiro colaborador - este, o guitarrista Mick Taylor assina junto com eles; na próxima música há um tema bem curioso pela escuta, e que soa como psicodélico por um lado - I Just Want to See His Face demonstra ser uma forma de mostrar sobre como a música te deixa relaxado e animado e fala sobre a face de Cristo e a provável vontade de vê-la, meio gospel por um lado, a canção quando gravada foi feita em trio - Jagger, Watts e Taylor com adições de coro e Keith mandando bala no piano, algo bem incrível quando você tá afim de curtir; vamos continuando a análise por faixa com outro tema que deve ser visto como destaque no repertório e esta é Let It Loose, um clássico esquecido nos shows onde a letra mostra sobre o sexo ser a motivação em determinados momentos, mas que estava mal preparado para o momento quando inicia uma relação, a balada marcada pelos coros tem a guitarra como o principal destaque, que traz um belo conjunto de melodias que dá essa atmosfera bem gospel; ainda que não haja nenhuma faixa ruim, o que segue a ser comprovado na música seguinte, All Down The Line e a necessidade pela busca de uma alma feminina com a mente santificada e também uma busca por uma luz no caminho, esse é um rockão de responsa em que dá a entender como a banda gostaria de ser soada nesse disco; e como não deixa de ser basicamente de lei em quase todo disco da banda, eles revisitam um clássico do blues, se na primeira parte foi Slim Harpo, agora é Stop Breaking Down do lendário Robert Johnson (1911-1938) foi basicamente a escolha certa pro disco, falando sobre um homem que acaba partindo corações inspirado na experiência de Johnson com certas mulheres dá esse tom bem enérgico e animado só de ouvir pela gaita e a guitarra afinadas e em sintonia; o próximo tema do disco é a balada empolgante Shine a Light que narra o relato de Jagger sobre o vício de drogas de Brian Jones, e chegou a custar caro quando Allen Klein quis cobrar os direitos pois enquanto composta em 1968 ainda com o nome Get a Line on You, estavam sobre o contrato da ABKCO, aqui destaco além da emocionante voz de Jagger, o órgão de Billy Preston que dá mais cores à canção, e claro, o coral; e finalmente temos o encerramento do disco de forma digna com Soul Survivor, uma letra onde o eu-lírico se entrega tragicamente como uma alma sobrevivente aos seus excessos, e marcado pela forte presença de guitarra e piano fecha com chave de ouro essa obra-prima do rock.
O resultado final deste disco é uma sonoridade puramente crua, ácida e que eleva o grupo ao nirvana do que pode ser o som perfeito da banda - tudo bem, você pode achar exagero este comentário, mas eu ouvindo consigo sentir uma energia conquistada dentro dessas 18 faixas a perfeição do que queriam. Reconquistando a estrada desde 1969, era hora da banda seguir indo além na estrada com o seu melhor som e lotando arenas do mundo todo. A banda teve de mudar todo um plano de realizar seus trabalhos mais fora da Inglaterra do que antes, explorando estúdios e lugares diferentes mundo afora. Com a ascensão do reggae, optaram pelo Dynamic Sound Studios em Kingston, na Jamaica onde se geravam nomes do gênero para difundir o mundo todo, como Jimmy Cliff e um rapaz chamado Bob Marley, líder de um grupo chamado The Wailers e que viria a revolucionar a década de 70 logo quando a banda gravava em seu país Goats Head Soup, mas aí já é uma outra história. Logo com o tempo, com o surgimento do formato CD, o álbum com quase 70 minutos conseguiu ser apenas simples no formato pequeno e compacto, mas o vinil duplo permanece, contando assim que ele figura nas listas dos melhores álbuns duplos da história, assim como figurando no 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer junto de outros clássicos da banda, e também o 7º lugar da célebre lista dos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos, organizados pela revista Rolling Stone, mostrando o grande destaque deste clássico entre os discos todos já feitos.
SET DO DISCO 1:
1 - Rocks Off (Mick Jagger/Keith Richards)
2 - Rip This Joint(Mick Jagger/Keith Richards)
3 - Shake Your Hands (Slim Harpo)
4 - Casino Boogie (Mick Jagger/Keith Richards)
5 - Tumbling Dice (Mick Jagger/Keith Richards)
6 - Sweet Virginia (Mick Jagger/Keith Richards)
7 - Torn and Frayed (Mick Jagger/Keith Richards)
8 - Sweet Black Angel (Mick Jagger/Keith Richards)
9 - Loving Cup (Mick Jagger/Keith Richards)
SET DO DISCO 2:
10 - Happy (Mick Jagger/Keith Richards)
11 - Turd on the Run (Mick Jagger/Keith Richards)
12 - Ventilator Blues (Mick Jagger/Keith Richards/Mick Taylor)
13 - I Just Want to See His Face (Mick Jagger/Keith Richards)
14 - Let It Loose (Mick Jagger/Keith Richards)
15 - All Down The Line (Mick Jagger/Keith Richards)
16 - Stop Breaking Down (Robert Johnson)
17 - Shine a Light (Mick Jagger/Keith Richards)
18 - Soul Survivor (Mick Jagger/Keith Richards)

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